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Moacir Pimentel
O meu Mestre Ariano Suassuna tinha grandes curiosidade e carinho pelos
loucos. Dizia ele que
“Na minha família quem não é doido junta
pedra pros loucos jogarem no povo”.
Segundo o grande pernambucano os loucos e os escritores têm algo em
comum: a mania de olhar para o mundo além das suas superfícies e, em
consequência, a capacidade de interpretá-lo de uma maneira original.
Vivemos às voltas com o real e o imaginário, a lucidez e a loucura, o
sonho e o chão, a carne e o espírito. É a sinergia dessas forças antagônicas o
que nos move, aquilo que nos fez escrever a evolução humana.
Enganam-se os que imaginam que vivemos em um mundo rígido de razão pura.
Ele é curvilíneo, é humano e de sê-lo, é que é divino. Não existe coisa alguma
nesse vasto mundo, entre o céu e a terra, que sendo hoje realidade, não tenha
sido antes imaginada.
E na mesma linha de raciocínio, aposto que tudo quanto vier a ser
imaginado hoje, um dia poderá se transformar em realidade. Sócrates, se bem me
lembro, morreu feliz pois entendera que não sabia de NADA.
Equivocados estão, portanto, os que acreditam que o seu é o único
caminho que leva à espiritualidade. Ela sempre existiu, desde que o primeiro
homem em vez de olhar para o chão olhou para cima, para o alto, para além de si
mesmo.
Dizem que o homem ao perceber a sua finitude, inventou Deus. Que o
divino teria sido a primeira mentira humana, aquela que nos fez enterrar nossos
mortos vestidos e rodeados pelos seus instrumentos de trabalho e pintados de
ocre vermelho sangue, por imaginar que nasceriam em uma vida no além. Dizem que
por isso os xamãs eram enterrados com as suas ferramentas de ofício: as flores,
e que dessa prática talvez tenha se originado a tradição do uso de flores nos
sepultamentos.
Os adeptos dessa teoria desmerecem lá atrás um detalhe importante: as
inexplicáveis fagulhas da consciência e da inteligência da nossa espécie., o
advento lento do nervo emergente da mente humana.
Eu sou daqueles que prefere acreditar que buscamos Deus não por conta da
nossa finitude, mas por força da nossa incompletude.
A intimidade entre o homem e a natureza sempre esteve impregnada da sua vida
espiritual e então não é surpreendente que as primeiras expressões artísticas
humanas sejam um reflexo dessa ancestral espiritualidade.
Olhando para estas mãos rupestres a gente entende porque até hoje de faz
a leitura das palmas pelo vasto mundo.
Os ritmos da natureza, os seus aspectos mais óbvios, sempre atingiram a
imaginação do homem, desde as nossas origens, nas quais os seres vivos estavam
sujeitos a uma dança dos nascimentos, desenvolvimentos e mortes muito mais
avassaladora do que a atual.
Assim que o homem ficou de pé e mais facilmente pôde olhar para cima,
ele levantou os olhos para o céu nas noites escuras, e viu a lua ciclicamente a
mudar, mas sempre reaparecendo sobre a terra refletida pelas águas límpidas que
iluminava.
Que surpresa misturada ao medo não devem ter sentido os nossos avôs ao
ver a flutuar, no mais puro azul cobalto líquido da atmosfera intocada, o disco
prateado da lua, entre miríades de pequenas luzes brilhantes lhes piscando. As
estrelas!
É claro que esta visão inesperada passou a ser contemplada pelos olhos
de humanos pensantes com nova sensibilidade, afetividade e conhecimento.
E – quem sabe? – com uma nova angústia: o medo de encontrar-se sem aviso
na presença de algo absolutamente inesperado, inexplicável, algo incontrolável
e a certeza de um enorme poder, muito maior do que jamais possuiria qualquer indivíduo
sobre a terra.
Porém, ao mesmo tempo, o disco de prata lunar que escondia armadilhas
inesperadas e terríveis, foi também capaz de acalmar os da nossa espécie pois,
em seguida, teve suas fases associadas às das mulheres - mãe, irmã, companheira
– cujas carícias ora estavam presentes ora desapareciam quando elas sangravam,
juntamente com a lua.
Então podemos entender como, na escuridão primordial e desde a aurora
dos tempos sapiens, a lua tornou-se no imaginário humano símbolo de renascimento
e portanto divina pelas suas variações periódicas observadas, como nos mostra a
sua representação em forma de corno na Vênus de Laussel.
Desde a pré-história o homem percebeu que enquanto a lua mudava de forma
a mulher mudava de comportamento e que a mulher-mãe ecoava os humores do astro
no ritmo dos seus ciclos menstruais e que como a lua ela também tinha “fases de andar escondida e fases de vir
para a rua”.
As festividades da lua na Antiguidade, além de celebrarem os cultivos e
as colheitas, honravam a fecundidade que presidia a renovação periódica nos
reinos animal, vegetal do mundo humano. Surgia o culto da Grande Mãe Terra.
Quanto à representação em baixo-relevo da famosa Vênus de Laussel,
trata-se de uma paleolítica senhorinha de dezesseis mil anos, gravada em pedra
e recentemente encontrada na entrada de uma caverna de um penhasco perto em Les
Eyzies-de-Tayac, na França.
A figura feminina segura na mão direita um chifre de bisão, talvez um
símbolo fálico de plenitude e da riqueza de vida, mas também uma meia-lua
crescente, esculpida com sinais referentes ao mês lunar.
Com a mão esquerda a Vênus indica seu ventre porém o seu olhar se desvia
para a lua crescente, talvez querendo indicar a possibilidade de estar grávida.
Tem mais: o ocre vermelho com o qual foi tingida essa Vênus
provavelmente alude aos sangues do nascimento e o menstrual e o chifre tem duas
séries de treze traços intercalados por uma lua nova, numa alusão às treze luas
anuais e ao ciclo menstrual feminino. Assim, esta figura confirma a lua-mulher
em seus aspectos de transmutação e geração de vida.
Recentemente, pesquisadores europeus têm publicado sólidos trabalhos
sobre como em pinturas rupestres - como as da caverna de Lascaux, por exemplo -
se encontram registrados complexos mapas celestiais que mapeiam a observação
das estrelas realizada pelos nossos ancestrais.
Tem sido descrita uma pintura em especial, na qual se encontra um bisão,
um homem com a cabeça de um pássaro – presumivelmente um xamã - uma segunda
cabeça de pássaro e finalmente, juntando-se aos três personagens, aquilo que
foi identificado como um triângulo do verão, feito a partir de constelações
muito precisas, em torno da estrela polar.
Noutro ponto das paredes pintadas da caverna de Lascaux há um outro mapa
das Plêiades e de outras estrelas dos céus paleolíticos. Na caverna espanhola
de nome Cueva de El Castillo, mora um outro mapa celestial de quatorze mil anos
atrás, com representações puntiformes.
As pegadas da espiritualidade humana estão por todos os lados. Há uma
delas, forte e bela, na linguagem. Para ser mais exato na origem das palavras
ESTRELA e DESEJO que, como veremos, se tornaram uma só.
DESEJO tem origem latina. Mesmo a palavra inglesa DESIRE teve a mesma
origem. Assim como DESEO em espanhol, DÉSIR em francês e DESIDERIO em italiano.
Todas essas pretinhas nasceram da matriz latina DESIDERIVM.
A partícula DES – bem aí no começo da palavra – designa movimento de
cima para baixo. Por exemplo: DECAPITAR. O resto da palavra – SIDERIVM –
significava ESTRELA. Como por exemplo no espaço SIDERAL.
Então se a gente soma DES + SIDERIVM ou DES + ESTRELA a gente tem, na
moderna língua italiana, a palavra DESIDERIO a qual significa DESEJO.
Como assim? Ora, ela não deveria significar, em vez, e literalmente –
ESTRELA CADENTE? Qual a razão dessa confusão nos significados?
O que é que tanta gente faz quando vê uma estrela cadente riscar os
céus? Pois é. UM DESEJO. Acredito que os nossos antepassados, contemplando
aquelas estrelas suicidando-se pelos céus, acreditavam estar diante do divino.
E a ele confessavam as suas penas, rogavam por misericórdia e faziam
seus desejos. Portanto uma palavra nascida apenas para nominar um fenômeno da
natureza passou a ter um significado muito maior e humano: os nossos anseios.
A ponto de ter obliterado quase completamente, nas línguas latinas e
naquela anglo-saxônica, a memória do seu significado antigo. É como se tivesse
prevalecido na linguagem humana uma impressão digital da espiritualidade, um
registro verbal da crença ancestral do ser humano nos deuses!
Certa vez o Mano Wilson ponderou que “talvez
pudéssemos discutir ainda mais profundamente a etimologia da palavra DESEJO,
dizendo que a partícula DE, em latim, também significa FALTA, e então
DESIDERIVM quereria dizer A FALTA DA ESTRELA, ou o vazio no coração quando o
homem olha para o céu e vê que as estrelas estão além do seu alcance. Outra
bela definição do desejo”.
É nessa história aí, na nossa vocação espiritual, na história da
evolução humana, das abstrações da linguagem, da arte, da escrita, no advento
de todas as tecnologias da ciência, nas conquistas de todos os nossos direitos
fundamentais e liberdades, que eu consigo ver o dedo de Deus.
E, no meio do caminho, o Cristo, o Buda e tantos tocados por Deus.
Mas um Deus que, tenho certeza, se recusaria veementemente, a ser uma
unanimidade, uma placa estática de direção na nossa estrada rumo à
espiritualidade, nessa eterna fome que temos do divino, no impulso do homem
para voar e no seu desejo de chegar às estrelas.
“O perdido caminho, a perdida estrela
que ficou lá longe, que ficou no alto,
surgiu novamente, brilhou novamente
como o caminho único, a solitária estrela.
(...)
De novo a estrela brilhará, mostrando
o perdido caminho da perdida inocência.
E eu irei pequenino, irei luminoso
conversando anjos que ninguém conversa”.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Brejo das almas, 1934
1)A meditação de hoje, proporcionada pelo nosso Guia Turístico Moacir, nos levou a passear pelos Caminhos Divinos.
ResponderExcluir2)Quanto mais misteriosos esses Caminhos, mais belos e próprios para investigações as mais diversas.
3) Eu tb vejo o Criador de forma plural com os seus múltiplos nomes e mesmo Sem Nome, Sem Rótulos como querem os ateus, agnósticos e céticos. Respeitosamente estamos todos no mesmo barco "Descobrir-se" ... des-cobrir-se ...
4) Obrigado Moacir, obrigado Mano, obrigado demais leitores e comentaristas.
Prezado Antônio,
ExcluirSei que pensamos parecido quanto a esses e por esses velhos Caminhos da espiritualidade humana, nos quais perde-se tanto tempo discutindo as placas de sinalização, ou qual dos dharmas é o melhor ou se em vez de devorados pelos vermes os nossos corpos poderão ser cremados e as nossas cinzas jogadas no mar. Obrigado a você por nos falar da sua fé sem deixar de, generosamente, nos seus livros e artigos e comentários diários nos mostrar que espiritualidade é muito mais do que religião.
Abraço
Perfeito o seu artigo, Moacir. Amei! Faz bem ler coisas bonitas e pra cima. Da próxima vez que eu vir uma estrela cadente vou lembrar de você. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirDa próxima vez que você vir uma estrela cadente lembre-se de que nesse mundo as coisas que hoje são realidade, antes foram imaginadas. E logo, que você acredite que, pelo menos na teoria, tudo quanto vier a ser imaginado hoje, um dia poderá se transformar em realidade.
Abraço
Moacir,
ResponderExcluirSão preciosas as informações que você nos traz nesta crônica tão bem escrita. Nasci católica e permaneço na minha fé mas sei que Deus está dentro de nós 'no impulso do homem para voar e no seu desejo e chegar as estrelas'. Um abraço para você e continue 'conversando anjos'.
Flávia,
ExcluirSou um homem de dúvidas mas sei que buscamos Deus e as estrelas por força da nossa incompletude.Por melhor que esteja o homem, sempre haverá alguma coisa lhe faltando e essa é a maior das maravilhas da nossa terrível humanidade.
Abraço
Eu nunca sei, Moacir, quando a lua está crescendo. Crescendo ou não, é um belo céu.
ResponderExcluirHoje estou rica de sentir e pobre de palavras.
Abraço
Ofelia
Ofelia
ExcluirSim, é um belo céu. No velho mundo a lua cresce diferente e diz o ditado popular que ela mente. Pois enquanto por aqui ao crescer ela tem a forma de um C crescente e ao minguar ela adota o perfil de um D decrescente por lá ela é D ao crescer e C ao encolher. Hoje estou meio cansado, com as referências embaralhadas, mas alguém muito famoso - tão famoso que esqueci! - costumava dizer que as palavras são para os cegos que não podem ver.
Abraço
Devastador! Mas me deixou em estado de confusão mental! Acho que só consigo comentar quando sair do pasmo. E não confunda pasmo com saia justa!
ResponderExcluirTem um soprinho de vida no netinho de 10 dias, entre outras. Tem um anjo pasoliniano que ajudou o motorista sonolento e cansado a atravessar incólume a serra de Petrópolis com um ônibus cheio de crianças em temporada de férias. Talvez dobrasse turno.
Ponho tudo na conta da coincidência. Pena!
Mas não é a coincidência, fantástica?
Até mais.
Donana,
ExcluirA bem da verdade as senhoras sempre me confundem (rsrs)
É portanto confuso que lhe digo que às vezes tenho a impressão de que o Universo brinca de unir as pontas soltas. Coincidência já seria outra imensa conversa mas gosto de imaginar que há uma lei cósmica qualquer que faz com que as coisas que temos em nosso pensamento se tornem realidade em nossas experiências e que de alguma forma somos levados na direção que verdadeiramente queremos tomar.
Abraço
Olá Moacir. Primeiro saudar nosso querido Mestre Suassuna, que deixou-nos como herança com seu jeitinho simples, meio jocoso e sábio , um cabedal de ensinamentos. Essa frase escolhida por você é muito verdadeira e posso afirmar-lhe que eu sou louca de pedra, pois sempre estou " matutando " sobre os " meus " sonhos - são tão reais que parece vividos por mim - sobre a vida e as coisas. Quanto ao divino, respeito as opções de todos mas tenho minha crença alicerçada, na minha Fé de um Deus Uno e Trino. Não tenho certezas, me apresento sempre diante de Deus com as mãos vazias, com compaixão e agradecendo as graças alcançadas a todo momento da minha existência . Você tem razão somos incompletos...Creio na ressurreição, na vida eterna e estou convicta que um dia irei encontrar todas as pessoas, que tive laços de ternura nessa vida. Acho maravilhosa essa minha firmeza e ela me dá estrutura para enfrentar os percalços que aparecem em meu caminho, lógico que não estou sozinha na estrada, a minha volta tenho meus anjos, meus protetores e amigos. Voltando...cara ! Como a lua influencia na vida da mulher ! Em tudo...e você, inteligente, sabe disso. Quanto ao sol, não é à toa que ele é chamado de rei. Ele age como protetor, destruidor, romântico e aterrorizador ao se pôr, imagine nossos antepassados vendo uma bola vermelha enorme se ponto no horizonte...pensei nisso mês passado: vinha da zona sul para casa e deparei-me de frente, bem na linha dos meus olhos, por cima dos prédios, com o sol imenso, super vermelho. Comentei justamente isso, como as pessoas encaravam aquilo ? Eu tive medo...assim como sinto medo dos raios e trovões, da ventania e todas as manifestações da natureza. Temos que respeitá-lhas e muito... Abraços influenciados por esse dia cinza....Rsrsrs
ResponderExcluirDulce Regina,
ExcluirConcordo com você quando diz que fé e firmeza são sinônimos. Dona Ciência já não tem quaisquer dúvidas de que os que acreditam são capazes de superar enfermidades , enfrentar dificuldades e resolver problemas como mais serenidade e eficácia do que os descrentes. Quanto às mulheres não foi a inteligência mas a experiência que me vez entender que as de Vênus têm o seu mundo e as suas luas e que, quem tem juízo, em determinadas fases , nele entra mudo e sai calado (rsrs) E ainda hoje olho para alguns céus - veja as fotos do Hubble ! - com o mesmo espanto e deferência dos nossos antepassados.
Abraço