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29/10/2016

O Padeiro Etrusco

Padeiro - Mosaico Romano - imagem pizzanapoletanismo.,com


Antonio Rocha

Copacabana, Rio de Janeiro, uma tarde ensolarada, anos 1990. Saio do Metrô Siqueira Campos e procuro, na rua de mesmo nome, o número do edifício que vai me levar à antiguidade etrusca, aí por volta de 1200 antes de Cristo.

Em uma sala com ambiente esotérico, anuncio-me e sento-me, aguardando a hora marcada. Folheei algumas publicações disponíveis, a secretária que é a esposa do astrólogo me oferece chá, café ou água. Sorvo alguns goles de H2O, a água e não o refrigerante.

Logo ele sai lá de dentro, vestido de branco, calça e camisa, eu já sabia que ele é espírita kardecista, na vida civil engenheiro e equaciona bem as ciências exatas com as ciências ocultas.

Era o dia da leitura do meu mapa astral cármico. Eu já havia, quinze dias antes, passado lá e entregue a minha data de nascimento, horário e local.

A leitura e interpretação do mapa astral foi longa, quase uma hora e meia, mas o que me chamou a atenção é ele ter dito que, no período da civilização etrusca eu tinha sido um comerciante: “amado por muitos e odiado por muitos”.

Não sei o que fiz ou deixei de fazer na época, não me lembro. Budistas afirmam, quando atingirmos a completa iluminação, nos lembraremos de tudo. Vou então saber as coisas boas que fiz e as ruins também... coisas da vida ...

Via intuição mediúnica, deduzi mais adiante que fui um padeiro, lá na saudosa Etrúria. Alguns motivos familiares me confirmaram a intuição, desculpem, mas não vou entrar em detalhes, senão os parentes vão reclamar comigo e vão alegar que é algo pessoal.

Contente, constatei que já enrolei muito as massas (alimentícias). Também já bati muito. Lembro que lá no meu querido Gama, DF, a padaria próxima tinha um tipo de pão que se chamava “sovado”. O trigo apanhava que não era brincadeira, até chegar ao ponto. E daí descobri que sovar a massa, socar a farinha de trigo no preparo é um bom exercício psicoterápico. Se você está na bronca com alguém, em vez de bater no dito cujo, que pode ser complicada a reação da outra pessoa, você pode bater na massa que prepara o pão e, como vai ao forno, a quentura queima qualquer negatividade nesse descarrego.

Na minha década dos vinte anos, andei estudando macrobiótica, naturalismo e afins e assim aprendi a fazer pão integral, fiz alguns. Uma coisa boa é pão dormido, você pode aquecer, passar manteiga ou algo que queira e saborear este belo alimento.

Praticamente se pode fazer pão de tudo, pão com tudo, pão contudo, estou falando no sentido positivo, construtivo, nutritivo.

E o “pão de minuto da Princesa”, você conhece? Que até foi motivo de referência no livro “O Trapicheiro”, do escritor Marques Rebelo (1907-1973). Na página 462, o autor nos diz: “pão de minuto da Princesa” aparecia à mesa do café no caso de visitas imprevistas”.

Muitos falam em “pão que o diabo amassou”, mas tendo em vista que sou um místico, prefiro o “pão do anjos”, “pão da alma”, “pão das crianças”, “pãozinho de Santo Antonio”.

Outro dia, aprendi que os famosos biscoitos recheados, redondinhos e doces – que o médico me proibiu – tem como origem as hóstias consagradas... expliquei ao doutor à minha frente:

- É que eu vejo os recheados de chocolates, como se fossem hóstias ... e assim o ato de saborear a “bolachinha casadinha” é um momento solene, divinal !

-É, mas você faça outro momento solene com o Sagrado, sem o açúcar e o recheio.


Por sorte, aqui em Santa Teresa, onde moro, uma lojinha criou um quadradinho orgânico, sem sal e sem açúcar, mas com aipim que é muito bom!

6 comentários:

  1. Antonio, seu post me fez lembrar dos pãezinhos de minuto com que uma querida tia nos recebia na casa de minha avó materna, do forno da padaria do avô da Ana e do cheiro do pão doce sendo assado na padaria em frente da minha casa, que perfuma nossa sala toda tarde.
    Deve ser bom saber que lá na antiga Etrúria você já ajudava a alimentar o corpo das pessoas, como hoje ajuda a alimentar a alma.

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    1. 1) Obrigado Wilson, seu último parágrafo, no comentário acima me fez lembrar que, nos retiros de meditação que fazemos no Budismo, chega o momento em que vamos para a cozinha. E assim fui aprendendo a cozinhar... mas continuo aprendiz ...

      2) Bela ilustração...

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  2. Olá Antônio,
    Que texto delicioso! Tem cheiro de pão que invade a casa, alegra a alma e a boca!
    Se voce foi padeiro em outra vida, eu fui neta de padeiro nessa.Acho que tenho pão na veia.
    Muitas vezes ajudei minha mãe que fazia rosca, pizza, cuca e outras maravilhas. Ela punha a gente para sovar. E, às vezes, de surpresa, estatelava massa na cara da gente. Só para se divertir. Era nojento, mas era engraçado.
    Teve uma época, com filhos adolescentes, em que descobri o pão em casa. E fiz muitos, de tudo, de cebola, de cenoura, integral, doce, tudo! E achava tão primitivo, tão voltar às origens! Ao assar, o cheiro se espalhava pela casa e começava a aparecer gato pingado na cozinha prelibando o pão.
    Hoje faço mais raramente mas já tentei cooptar neto. O mais velho não se interessa muito, mas com o mais novo acho que vai dar samba! E, lógico, para não escapar à tradição da família, vou tirar molde surpresa da carinha dele!
    Em tempo, acho que esse seu quadradinho orgânico deve ser uma bobeira!
    Obrigada! Bom fim de semana, com pães!

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    1. 1)Oi Ana, uma das minhas identificações com os pães: é um alimento de todo o planeta.

      2)Em qualquer país do mundo se come pão, se come trigo e afins...

      3)Obrigado pelo comentário.

      4)Semana que vem voltarei ao médico e serei sincero: vez por outra, solenemente saboreio, a "hóstia" recheada de chocolate ou limão !

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  3. Moacir Pimentel30/10/2016, 07:53

    Antônio, excelente o seu post. Comida é um assunto sério: foi em volta das fogueiras, cozinhando e compartilhando os alimentos que viramos gente. Como não gostar de pão? Pão de tudo, como você diz , universal, de todos os grãos , de nozes e de raízes , de aipim, batata , cenoura . Pão branquinho, preto , mulato mas sempre ali presente à mesa limpando os molhos dos pratos. Pão com manteiga, ovo, mortadela, requeijão, geleia, patê. Ah um bifinho no prego ou um misto quente e, de vez em quando, um hamburger que ninguém é de ferro. Pão árabe com homus tahine ou babaganoush , chapati com curry de vegetais, pão ázimo, bruschettas, ciabattas, panettone, baguettes e croissants, pão doce, francês, de milho, de alho.Pão dormido e sagrado que não pode ser desperdiçado e então vira torrada , farinha , papas, pudim de peixe , torta de banana, sopa de vinho ou fatias paridas.Pão e circo e se não tem os brioches que não deram jeito porque o pão é nosso e de cada dia. Minha mulher tem receitas antigas de "pão de massa velha" ou seja, feito com fermento natural. Como é o caso do pão alentejano e de muitas broas do Minho. O que me faz lembrar uma série que vimos no começo do ano no Netflix de nome Cooked na qual a cozinha é desenhada através das transformações que os elementos - fogo, água, ar e terra - produzem nos alimentos. O melhor dos episódios foi justamente o do ar, onde moram as bactérias e leveduras . O ar que é introduzido na massa enquanto é socada e que nela preso, em bolsões, é o que deixa os pães macios devido à fermentação. Vale a pena conferir também o episódio da água que trata dos cozidos , outro alimento tão universal e variado quanto o pão. Valeu!
    Abraço

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    1. 1) Moacir, vc escreve bem

      2) Se desenvolver um pouco mais este comentário vira um artigo.

      3) Fica a sugestão.

      4)E desde já, obrigado pelo futuro texto no campo da Gastronomia.

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