Heraldo Palmeira
São interessantes as pessoas com
autoestima, ainda mais as pessoas com superautoestima. Aquela garota estava no
segundo grupo.
Eu saía do restaurante numa tarde
que ficou nublada, e a chuva que se anunciava não veio. A moça estava parada na
calçada do outro lado da rua. Esperava alguém, sem demonstrar qualquer pressa.
Dava longas tragadas no cigarro, encostada na vitrine do salão de beleza
refinado. Acabara de sair lá de dentro com aquele ar de quem levou uma geral
diante do espelho.
Não sei se ela tratou dos cabelos
ou de algo mais, e nem quanto gastou naquele salão caro. Não havia resultado
aparente – não adianta eu ficar tentando ajudar. E ainda tinha uma cor
esquisita na parte final do cabelo, algo escuro misturado entre azul e verde.
Difícil entender aquela paleta de cores esparramada quase sobre os ombros.
O vestido preto, apertado, era
muito menor na parte da frente, deixando entrever, de forma quase acintosa e a
um fiapo de pano de distância da calcinha, suas coxas brancas. Magérrimas –
sinto que estou tentando ajudar porque eram esqueléticas, na verdade. Do tipo que
predomina no anoréxico mundo da moda. Ela chamava a atenção dos passantes da
alameda com seu conjunto exótico. Inteiramente na dela, sem capitalizar nada. Apenas
esperando.
Fiquei encantado com aquela
figura. Da maioria das pessoas, possivelmente conquistaria com facilidade o
olhar destinado às mais feias. Mas era apenas uma garota de uma grande cidade
vivendo sua vida em paz. Exótica, cheia de personalidade, cagando um monte para
o que os outros pudessem pensar. Exercendo o que talvez seja a maior virtude da
superautoestima, a prerrogativa de não estar nem aí.
1) Boa crônica, reflete o retrato do nosso tempo, no quesito que muitos chamam "a ditadura da moda":
ResponderExcluir2)Anorexia das modelos.
3)Nem contra, nem a favor; apenas observando a escolha delas...
4)Bom dia !
Olá Heraldo. Com poucas palavras você disse tudo: A moça não estava nem aí para os passantes, na dela... ela sentia-se maravilhosa !
ResponderExcluirDulce,
ExcluirClaro que eu não conhecia a tal moça, era apenas mais uma das milhares de figuras urbanas que passam por nós, todos os dias, numa metrópole como São Paulo.
Algumas pessoas parecem conseguir desenvolver essa capacidade de se alhear do mundo em volta e criar um muro do tipo "Se não me aceitam, também não me afetam". Sei lá!
Olá, Heraldo.
ResponderExcluirTambém gostei muito da sua figura exótica e invejei o exercício da prerrogativa de não estar nem aí. Voce não acha que essa é uma prerrogativa dos fumantes , que quando acendem seus cigarros e antes até da primeira tragada, já estão nos seus mundos, "cagando montes" para o resto? Até mais
Ana,
ExcluirNão estar nem aí pode ser um belo exercício de autoestima ou de alienação; depende de cada de cada um.
Quanto ao fumo, a sociedade avançou muito ao lidar com esse costume, agregando uma visão de saúde. Mas está impregnada em nossas mentes a imagem de sofisticação desenhada pelo cinema, que pode, sim, ter ajudado a criar essa ideia de prerrogativa especial.
Oi Heraldo, encontrei uma magrelinha assim na fila do cinema. Faz tempo. Na época, todo mundo olhava muito. Hoje em dia nada mais espanta, a não ser a política e suas consequências, não é verdade? Até as novelas estão perdendo adeptos... Já não vejo. Eu e muitos(as).
ResponderExcluirEu, pelo menos, estou pouco ligando. Olho e fica olhado. Até gosto de ver uma maluquete diferente, cheia de personalidade, rsrsrs.
Abração
Ofelia
Ofelia,
ExcluirEu digo sempre que, se estiver sem qualquer inspiração para escrever, basta sair de casa e ficar sentando num bar de esquina da avenida Paulista com a Joaquim Eugênio de Lima (onde sou "de casa"). Em meia hora tenho assunto de sobra para gastar tinta da Bic azul (como gosta o nosso Moacir) nos meus rascunhos.
Grande Heraldo!
ResponderExcluirComo o meu gosto é pelas mais cheinhas, eu provavelmente nem repararia nessa figura ... mas valeu pela tua crônica!!
Um fotografia...
ResponderExcluir