-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

30/10/2016

A Busca das Estrelas

imagem nasa.gov


Wilson Baptista Junior

O post “As Nossas Estrelas” do Moacir me fez lembrar de coisas desde a minha infância.
Menino de grupo, minha aspiração era viajar no espaço. Alimentada pela Columbíada de Júlio Verne, ou pelo Volundro, o foguete lunar de um livro alemão de ficção científica que li da biblioteca do meu grupo escolar (naquele tempo a biblioteca do grupo, hoje Escola Municipal Pandiá Calógeras, tinha muitos livros que eram para gente grande, provavelmente doações de pais). O Volundro (ou Wieland) tirava seu nome do ferreiro mágico da mitologia nórdica, que forjou a espada do guerreiro Beowulf – até hoje procuro esse livro pelos sebos e livrarias mundo afora, mas como não me lembro nem do seu nome nem do do seu autor vai ser muito difícil que o encontre...

O homem sempre quis atingir as estrelas, desde que, como conta o Moacir, viu pela primeira vez uma cair do céu. Ou desde que sentiu no coração a imensa falta de saber que estavam além do seu alcance.

A morte de Ícaro, que voou perto demais do sol e foi precipitado no mar quando o calor derreteu a cera que segurava as penas de suas asas, já falava desse sonho irreprimível.

Dezessete séculos depois, Cyrano de Bergerac (o verdadeiro, não o personagem de Rostand), escritor, espadachim e panfletário escreveu, para criticar as instituições e os valores de sua época, um livro que se chamou originalmente Le Autre Monde ou Les États et Empires de la Lune, e que hoje é conhecida abreviadamente como Voyage Dans La Lune.
Cyrano foi o primeiro dos escritores modernos a usar a ficção científica como instrumento para, imaginando um mundo fora do nosso planeta ou do nosso tempo, poder discutir criticamente a nossa realidade, como se a olhasse de fora disfarçada de uma realidade distante. O seu livro, publicado postumamente, é interessantíssimo e sozinho já mereceria um longo estudo, mas só falo dele aqui para dizer que Cyrano imaginou ser transportado para a lua amarrando em seu corpo uma porção de garrafas cheias do orvalho da manhã, que o calor do sol, assim como evapora o orvalho, faria subir aos céus também o nosso autor.

Mais ou menos na mesma época, o bispo Francis Goodwin publicou na Inglaterra The Man in the Moone, onde um anão espanhol voa até a lua transportado por gansos.

Em 1865 Júlio Verne publicou a primeira versão, digamos, moderna da tentativa do homem vencer o espaço, chamada Da Terra à Lua, na qual um trio de exploradores viaja para a lua a bordo de uma bala disparada de um canhão gigantesco, a Columbíada, cujo cano tinha sido fundido dentro de um poço escavado na península americana da Flórida. Esta história é notável por algumas coincidências – Verne escolheu como local de partida um local próximo do Cabo Canaveral, de onde partiria, cento e quatro anos depois, o foguete Saturno que levaria a cápsula Apolo até a lua, e as dimensões da bala de canhão se aproximam das da Apolo. Este livro inspirou o filme de 1902 de Georges Meliès, Le Voyage dans la Lune, considerado o primeiro filme de science fiction e um dos introdutores dos efeitos especiais no cinema.

Em 1901 H. G. Wells publicou Os Primeiros Homens na Lua, onde um cientista inglês chamado Cavor vai à lua numa nave construída no fundo do quintal e revestida de um produto chamado Cavorite, que segundo ele isolaria a força da gravidade.

De lá para cá uma infinidade de contos, novelas e filmes falou desse sonho. Em 1950 um filme americano, Destination Moon (Destino à Lua) mostrou um foguete atômico fazendo a primeira viagem à lua (bons tempos, em que se acreditava que a energia atômica seria tão fácil de dominar). Esse foi o primeiro filme que me lembro de ter visto num cinema, quando passou aqui um ou dois anos depois, assisti junto com meu pai num cinema lindo, antigo teatro, parte da história da cidade e que não existe mais, vítima da especulação imobiliária (para quem conhece minha Belo Horizonte, era o Cine Metrópole).

E o sonho ganhou as histórias em quadrinhos, os desenhos maravilhosos de Alex Raymond para o Flash Gordon, as aventuras do Buck Rogers, os primeiros seriados do cinema e depois da televisão.

Enquanto isso tudo era contado como sonho, um punhado de cientistas, Tsiolkovski na Rússia, Oberth na Alemanha, Goddard nos Estados Unidos, trabalhavam para transformar estes sonhos em realidade. Com a Segunda Guerra Mundial estes esforços ganharam importância, e depois dela uma verdadeira corrida espacial se instalou entre os Estados Unidos e a Rússia.
Até que, em 1957, a Rússia colocou o Sputnik em órbita, foi um frisson no mundo inteiro, as pessoas olhavam para o céu para ver se viam sua passagem. Logo depois a cadelinha Laika, que comoveu o mundo que esperava acabar o seu oxigênio enquanto ela passava sobre nossas cabeças, em 1961 Iuri Gagarin foi o primeiro humano a ir ao espaço, e por fim, em 1969, Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisaram na Lua pela primeira vez.

Pelo caminho ficaram mortos, russos e americanos, Vladimir Komarov em 1967, quando depois de um vôo cheio de problemas e falhas de equipamento o paraquedas de frenagem de sua cápsula Soyuz não abriu e ela se espatifou no solo, Virgil Grissom, Edward White, e Roger Chaffee também em 1967, quando uma faísca no sistema elétrico incendiou a atmosfera de oxigênio puro da cápsula Apollo I que estava sendo testada em terra.

E outros depois da chegada à lua, três astronautas russos que foram encontrados mortos em 1971 em sua cápsula Soyuz depois de uma aterrissagem perfeita voltando da Estação Espacial, por um defeito no sistema de pressurização da cápsula, as tripulações americanas da Challenger, em 1986, explodida na decolagem, e da Columbia, em 2003, desintegrada na volta à atmosfera.

Lembranças duras de que os sonhos custam tanto mais quanto mais altos são.

Agora, depois de muitos anos quase parada, a busca pelas estrelas continua. Espaçonaves robôs têm chegado até os confins do sistema solar, e mais além. Talvez, quem sabe, ainda cheguemos a assistir à chegada dos primeiros homens em Marte.

O impacto espetacular de um cometa contra o planeta Júpiter, em 1994, mostrou ao mundo de maneira muito vívida o risco que corre a civilização humana enquanto estiver confinada apenas à nossa pequena Terra. Uma trombada dessas destruiria a vida na Terra e não deixaria ninguém para se lembrar de que existimos um dia, como disse Carl Sagan, nesse “pálido pontinho azul perdido no espaço”.
A colonização de outros planetas é então uma questão de sobrevivência da espécie. E hoje vários países do mundo estão trabalhando nisso. Mas o nosso sonho é maior do que esse. A raça humana só estará mais ou menos segura quando chegar a pelo menos mais uma estrela. Porque as estrelas também podem morrer. E o nosso Sol também.

Só que chegar às estrelas é um pouco mais difícil do que chegar aos nossos planetas vizinhos. Aliás, de acordo com a ciência de hoje, é quase impossível.
Desde que Einstein nos disse que não podemos andar mais depressa do que a luz, percebemos o quanto as estrelas estão longe de nós. Viajando à velocidade da luz, a estrela mais próxima está a mais de quatro anos de viagem. As outras, muito mais longe.

Fala-se em usar uma versão espacial dos antigos navios a vela, onde canhões de laser apontados da Terra incidiriam sobre as velas das espaçonaves, acelerando-as cada vez mais um pouco até atingir velocidades altíssimas. Isso é possível com a tecnologia de hoje.
Mas ainda que conseguíssemos a quantidade de energia para acelerar uma nave até, digamos, metade da velocidade da luz, gastaríamos pelo menos a mesma quantidade de energia e o mesmo tempo para freá-la na hora de chegar. Só que lá não teríamos os canhões...

Há quem diga que a solução para esse êxodo seriam as naves-colônias, espaçonaves gigantescas onde tripulações em hibernação profunda levariam futuros colonizadores sob a forma de embriões congelados, viajando dezenas, centenas de anos até seu destino.
Só que, ainda supondo que conseguíssemos construir naves capazes de funcionar sozinhas por todo esse tempo, de reanimar as tripulações ao fim da viagem, nada nos garante que chegando lá encontraremos um lugar para ficar.

Nos filmes e nas histórias a solução para a viagem mais rápida do que a luz já foi encontrada. Viaja-se pelas “dobras do espaço”, caminhos teoricamente possíveis onde a curvatura do espaço se dobra sobre si mesma, como se fossem atalhos entre as distâncias infinitas do universo. Os amigos do meu amigo Spock estão acostumados a ouvir o Capitão Kirk ordenar ao imediato entrar em “warp speed” – velocidade de dobra – as estrelas no visor parecem se esticar e pronto – logo se chega à estrela distante – “where no man has gone before”.

Por incrível que pareça, há gente pesquisando exatamente isso. E começam a aparecer algumas pequenas, muito pequenas, evidências de que isso pode ser possível. No nível subatômico, alguns cientistas já acham que conseguiram acelerar partículas acima da velocidade da luz criando um “campo de dobra” móvel à frente da partícula.

Problema resolvido? Por enquanto não, porque os cálculos desses mesmos cientistas indicam que uma nave que fizesse isso carregaria consigo uma quantidade de energia tal que a sua chegada a um planeta destruiria o sistema estelar desse planeta. Para não falar dela própria. E não é bem isso o que queremos...

Então podemos desistir?

A coisa boa da humanidade é que ela não desiste nunca... E o nosso destino, por bem ou por mal, será sempre

“To dream
the impossible dream
.......
To reach
for the unreachable star…”

Graças a Deus, nunca deixaremos de sonhar o sonho impossível nem de tentar alcançar a estrela inalcançável.


Tanta coisa que era impossível já foi feita...


9 comentários:

  1. Moacir Pimentel30/10/2016, 10:51

    Wilson,
    Que post! Imenso e irretocável. Você disse tudo. E faz muito bem perceber que não estamos sozinhos na crença de que a humanidade não chegou ao ápice de sua capacidade de gerar ideias e soluções. Que bom saber compartilhada essa certeza de que a humanidade não é estática nem já está exaurida da capacidade de inovar e criar. Pensar diferente é desconhecer a história humana. Afinal ficamos de pé, saímos das cavernas ,encaramos o infinito e dominamos o vasto mundo e inventamos as linguagens, a sociedade , a filosofia, a matemática , a lógica , a lei e a ciência , e voamos e SIM ainda voaremos mais longe. Pois quando as nossas invenções deixam de servir-nos a contento, em seguida, filhos da nossa espécie estelar, tentamos aprimorá-las, perseguindo o aprendizado e arquitetando novos destinos. E formando novas gerações de modestos quixotinhos que um dia salvarão o mundo e chegarão às estrelas e encontrão a sua própria natureza e farão a festa por nós. Beleza!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir, responder o que? Seu comentário resumiu e completou meu post. Ainda bem que sabemos que estão vindo, e que virão, os futuros quixotinhos...

      Excluir
  2. 1) Belo texto. Me fez lembrar o fascínio adolescente que eu tinha pelo Firmamento como um todo: estrelas, sóis, galáxias, nebulosas.

    2)Morava eu no citado Gama, DF. Uma cidadezinha pequena, era fácil contemplarmos a imensidão da Via Láctea, tinham poucas casas e poucas luzes na região.

    3)E um dos sonhos era me tornar um turista interestelar...

    4)Continuo sonhando, ainda que esse turismo seja em futuras e inexplicáveis (por enquanto) dimensões.

    5)Valeu !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Antonio, nunca pare de sonhar...
      Nem nas dimensões futuras nem nas presentes, são as presentes que nos levarão às outras.

      Excluir
  3. Oi Mano, você hoje competiu com as eleições. E se está em Belô a coisa foi séria, destronaram o PSDB.

    Estava me lembrando de quando fui ver Guerra nas Estrelas. Não era este o filme que dizia 'a força esteja com você'?

    Torci feito criança no filme. E como adulta me encantam as palestras do Marcelo Gleiser sobre a 'Particula de Deus', entre outros assuntos.

    Acho que você, como a turma do seriado The Big Bang Theory, também curte esse outro espaço. E cá pra nós, existe coisa mais bonita do que céu estrelado em noite escura, onde não existe luz de espécie alguma?

    Se deitar de barriga pro céu então...

    Minha amiga Ana Maria gostava muito de Impossible Dream. Que a Bethânia cantava em português. "Voar no limite improvável/Tocar o inacessível chão".

    Não lembro do resto da letra.

    Tudo que vem das estrelas me atrai. O céu é mais bonito à noite, reparou? Se o céu é de brigadeiro, claro.
    Abraço, Mano
    Ofelia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Ofélia,
      Eu também sou encantado pelas estrelas. Nas cidades a gente já não consegue vê-las bem por causa das luzes, mas me lembro das noites no alto do Pico da Bandeira, nos meus tempos de estudante, com o céu limpo do inverno, eram turbilhões de estrelas, a Via Láctea parecia um tapete de luz... No alto das montanhas ou nas noites frias dos desertos as estrelas parecem estar mais perto de nós, é o ar que é mais transparente.
      Aí a gente entende quando o Bilac dizia -

      "Ora, direis, ouvir estrelas, certo
      perdeste o senso, e eu vos direi no entanto
      que para ouvi-las muita vez desperto
      E abro a janela, pálido de espanto...

      E conversamos toda a noite, enquanto
      A Via Láctea, como um pálio aberto,
      Cintila. E ao vir do sol, saudoso e em pranto,
      ainda as procuro pelo céu deserto..."

      Excluir
  4. Dulce Regina31/10/2016, 13:37

    Olá, Wilson. Um pouco atrasada mas, ainda a tempo para deixar meu comentário sobre esse delicioso texto. Li ontem rapidamente pois estava com a casa cheia e só havia comentários dos de " Marte ", aí pensei nós de " Vênus " somos menos aventureiras e mais românticas e também sentimentais em relação as estrelas e a lua. Aí, hoje, me deparo com as pretinhas da Ofelia que confirma meu pensamento e o lindo poema de Bilac postado por você. Me lembra minha mãe declamando -o de cor, com uma postação de voz lindíssima . Uma noite estrelada, um luar e um violão... Ah ! Saudades dos saraus ! Abraços

    ResponderExcluir
  5. paulo tripaldi30/04/2017, 00:29

    Caramba! só podia ser você, sem pretensões professorais, uma aula sobre "science fiction" desde o inicio do século XX, qdo babávamos vendo falar das expedições lunares. E toca na nossa infância com Flash Gordon. Grande abraço.

    ResponderExcluir
  6. Paulo, é muito bom te ver por aqui.
    Sempre gostei de science fiction, desde menino.
    Principalmente porque os bons autores usam o truque de colocar suas histórias em mundos futuros ou outros mundos para poderem falar mais livremente sobre a nossa realidade aqui de baixo. E claro, fora isso, as deliciosas histórias de aventuras...
    Um abraço do
    Mano

    ResponderExcluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.