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16/10/2016

O Poeta e a Poesia Única

Fernando Pessoa - desenho de Almada


Antonio Rocha

Certa feita, o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, disse em uma entrevista que “todo brasileiro, até os 20 anos, faz poesia de amor”. Somos então, uma nação de poetas e poetisas. Haja sensibilidades, sensitividades, rimas, ritmos e outros que tais.

Com freqüência lembro da frase acima e peço aos alunos, nas aulas de redação, que evitem fazer textos de amor, em prosa ou verso. É uma coisa pessoal, só dos envolvidos. E, considerando que eles devem treinar as diversas facetas do ato de escrever, os discentes até concordam. Contudo, como toda regra tem exceção, e se o conteúdo é bom, vez por outra, aceito as românticas linhas. Nada contra o sentimento, apenas reflito com os estudantes que o momento íntimo de cada um, fiquem com eles. Então sugiro que façam os seus blogs e coloquem nos espaços virtuais as suas criatividades.

Mas foi nas aulas do mestrado que um colega confessou a sua atitude nada poética. Era um momento de descontração e ele declarou perante a sala com homens e mulheres que certa feita escreveu um modelo de poesia. Com a ajuda do dicionário colocou palavras precisas, marcantes, pescadas do vocabulário para “encantar ou seduzir” as possíveis damas. E assim, tendo terminado o seu modelo poético resolveu experienciar e mostrou a uma jovem que, na época era a pretendente.

A jovem ficou encantada, comovida, mas não sei qual foi a resposta. O inusitado da situação é que a sala de aula ficou surpresa, pois o mestrando continuou contando, quando encontrava outra pretendente, ele usava a mesma poesia e só mudava pequenos detalhes tipo, se na primeira vez a menina tinha os olhos verdes, na outra poesia ele adaptava a cor dos olhos ou dos cabelos ou algum outro detalhe.

E com a maior cara de pau, sorridente dizia:

- Olha uma poesia que eu fiz para você?

- Pra mim ! ?

- Mas qual a surpresa?

- É que eu nunca pensei que um dia fosse me tornar alvo de inspiração... nunca pensei em ser musa ...

Claro, haja charme e todo o jogo natural da vida. Terminada a façanha o meu colega de mestrado adaptava para a conquista seguinte. Os presentes ficaram escandalizados: “belo dia você pode se prejudicar com isso”. Nunca mais o encontrei, nem sei o resultado de suas aventuras “poéticas”.

O assunto me fez lembrar desta magnífica poesia única, sim, esta sim, é pronta, perene, permanece através dos séculos. Poetizou algo que todos ou quase todos já passamos. O texto a seguir é do grande Fernando Pessoa, através do seu “fantasma” (como outro dia bem escreveu o Moacir Pimentel), Álvaro de Campos. A poesia data de 21/10/1935. Versos prestes a completar oitenta e um anos, mas que esbanjam juventude:

Todas as Cartas de Amor ...

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Tem de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


4 comentários:

  1. Dulce Regina16/10/2016, 19:14

    Olá Antônio. Aposto com você que esse seu colega continua um romântico inveterado, um poeta e com suas cartas muito ridículas, pois essa manifestação de carinho quanto se tem, corre para sempre no sangue. E como é bom ser ridículo !!! Abraços, Dulce

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    Respostas
    1. 1) Acho que vc tem razão Dulce, concordo...

      2) Só espero que ele tenha aumentado o número de poesias.

      3) A meu ver, fica mais poético.

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  2. Moacir Pimentel16/10/2016, 19:21

    Caro Antônio , o seu post de hoje é muito interessante. A priori - concordo que os lances de amor rolam melhor entre quatro paredes por uma simples razão: " os corpos se entendem muito melhor que as almas" , como dizia o grande Bandeira (rsrs)
    Com relação às Cartas de Amor entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, elas foram organizadas por Manuela Parreira Silva e publicadas pela Editora portuguesa Assírio & Alvim em 2012. Dica: mais que ridículas, são totalmente infantilizadas. A tal ponto que não terminei de ler a coletânea.
    A pobre moça teve que , inclusive, se corresponder com dois dos fantasminhas : A. A. Crosse e Álvaro de Campos, que era assim quase um rival do Fernando dando pitacos, escrevendo bobices, zombando do relacionamento ,infernizando o namoro do casal que aliás era secreto porque, segundo Pessoa , namorar era coisa "de gente vulgar". Oi?
    Como sabemos a sexualidade do Poeta sempre foi um território brumoso e as suas preferências - que na minha opinião não vêm ao caso - são motivo até hoje para longas e controversas "conversas". As cartas para e de Ofélia , ao fim e ao cabo, não desmentem nem confirmam quaisquer versões.
    Tão ocupado o Poeta esteve ali sentado à mesinha defronte ao Café A Brasileira , a beber profissionalmente e a escrever a sua vida pensada e sofrida intelectualmente , que não teve tempo para viver nem para ser ele mesmo. Às vezes eu me pergunto como teria sido a poética de Pessoa se ele tivesse amado verdadeiramente , eroticamente , completamente. Nunca saberemos.
    Porém , com certeza, toda essa "castidade" nos escritos e na real, não fez nada bem nem para a carne nem para o espírito do Poeta que morreu, aos 43 anos, devido a complicações hepáticas. Com certeza Dona Poesia agradece a esse homem atormentado por ter sido tão infeliz
    Abração


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    Respostas
    1. 1)Oi Moacir, não resta dúvida que Fernando Pessoa foi um gênio das nossas Letras.

      2)Talvez pela época em que viveu deve ter sido reprimido nos sentimentos e "refugiava-se" na poesia.

      3)Penso que ele devia ter muita "raiva" incubada. Contra o quê? Talvez pelos contraditórios sentimentos/desejos...

      4)Informam terapias contemporâneas que os males do fígado estão ligados ao ódio e à raiva.

      5)Morreu cedo, talvez se autopunindo...

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