A Cordilheira dos Andes, atrás dos prédios de Santiago do Chile (fotografia Heraldo Palmeira) |
Heraldo Palmeira
Rever o Chile soou como grande prazer. Desta vez, entreguei toda a
programação local a um especialista: o guia Guillermo Silva, que conheci na
minha primeira visita ao país, em 2008. Desde então, vieram outras visitas e fomos
nos tornando amigos.
O dia ensolarado da sexta-feira fez Santiago encantadora durante o
trajeto do aeroporto ao bairro de Vitacura, onde estava o nosso hotel. As duas
janelas do quarto descortinavam a grandeza impassível da Cordilheira dos Andes.
O sábado de sol amanheceu propício à caminhada pelo centro da
cidade, bem mais calmo do que nos dias de semana. Para começar, a Igreja de São
Francisco e a Catedral Metropolitana, dois monumentos nacionais cuja beleza é
de tirar o fôlego. A primeira, que também abriga a padroeira Virgen del
Socorro, é bem mais calma e permite recolhimento para quem desejar fazer
orações. A segunda vai estar sempre repleta de turistas.
Igreja de São Francisco (fotografia Heraldo Palmeira) |
Depois do religioso, o profano da visita a um cafe com piernas, verdadeira instituição chilena onde as garçonetes
trabalham seminuas qualquer que seja a estação do ano, vestidas em biquínis
minúsculos. Esses cafés normalmente estão instalados em pequenas galerias
comerciais e suas vidraças são opacas, impedindo a visão interna para quem
passa pelo lado de fora.
Embora o ambiente seja essencialmente masculino, as mulheres podem
visitar sem qualquer problema. Os engraçadinhos devem tomar cuidado e nunca
confundir as moças com garotas de programa. Há quem garanta que alguns desses
endereços tem cômodos para contatos mais íntimos, sempre rápidos, mas qualquer
passo adiante tem de ser muito bem calculado.
Observar as ruas animadas e o comércio em plena atividade é um bom
exercício antes do almoço no Bar Nacional 2. Trata-se de um local frequentado pelos
chilenos. Existe o número 1 – onde funciona também a parte administrativa da
empresa – mas o 2, na Calle Bandera, (quase esquina com a Huérfanos), é muito
mais caloroso e indicado. Esse endereço não faz parte dos roteiros turísticos e
foi um presente de aniversário que o Guillermo me deu, quando eu disse que
desejava ter um dia de chileno naquela visita de 2008.
Dentre todos os sabores oferecidos, é recomendável se curvar ao pastel
de jaibas, um grande pastel de
caranguejo desfiado. Para os menos esfomeados pode servir até como prato
principal, e custa barato. Quem gosta de sucos naturais deve experimentar o de chirimoya – deliciosa fruta nativa da
Cordilheira dos Andes que para nós brasileiros vai soar parente próxima da
fruta-de-conde e já frequenta empórios daqui.
No domingo, visita à vinícola Concha y Toro, que deve constar no
programa apesar do clima totalmente comercial. Torça para não ter como guia uma
mulher deslumbrada com a França. E nem um grupo de brasileiros animados pelos
tragos gratuitos.
Adiante alguns quilômetros percorridos em simpático ambiente
rural, o grande prêmio do dia: conhecer a vinícola Santa Rita com seu
espetacular Museo Andino. Um almoço soberbo escoltado por um vinho honestíssimo,
no restaurante instalado em uma construção secular da propriedade, antecedeu a
visita à linha de produção da casa. Algo precioso para quem se interessa pelo
negócio do vinho com um olhar mais amplo do que a simples busca de compras
engarrafadas. Torça para ter como guia uma moça bonita chamada Maria Jesús –
torça para que ela ainda trabalhe lá –, que conhece seu ofício a fundo e conduz
o visitante com uma elegância incomum até mesmo para o alto padrão de elegância
dos chilenos.
Na segunda-feira, dia de conviver com o ar recatado e chique de
Viña del Mar e almoçar no Delicias del Mar, instalado na Avenida San Martín diante
das pedras onde os leões-marinhos costumam vir exibir sua preguiça durante
longos cochilos ao sol. Tudo isso com uma vista soberba do Pacífico e da
requintada avenida beira-mar, acrescida dos contornos de Valparáiso lá bem ao
extremo de onde a vista alcança daquele ponto.
Antes de seguir viagem experimente caminhar do hotel Del Mar, com
seu imponente cassino, até o hotel San Martín, cujo restaurante é outra ótima
opção para um almoço ou jantar elegante e bem pertinho do mar.
Para queimar os excessos à mesa, nada como subir as ladeiras de
Valparaíso e conhecer as diversas influências estrangeiras da sua construção.
Lá do alto, o porto é uma imagem quase onipresente e ainda inclui a vizinha
Viña del Mar ao longe. Passear em La Sebastiana, uma das casas de Pablo Neruda,
revela o olho clínico do escritor na hora de escolher vistas espetaculares.
A terça-feira foi dividida em dois atos. O primeiro, viajar até El
Quisco e andar em Isla Negra, outra residência famosa de Neruda. De novo, muitas
pistas de quão bon vivant era aquele
homem. O lugar é lindo e o mar tem papel fundamental no clima que cerca a casa e
na vista deslumbrante que oferece.
Isla Negra (fotografia Heraldo Palmeira) |
O segundo ato foi a surpresa engendrada por Guillermo: um almoço
no Kaleuche, restaurante instalado à beira do Pacífico a poucos minutos de Isla
Negra, cujo nome foi inspirado no Caleuche, navio fantasma que povoa o
imaginário popular dos chilenos com suas lendas e festas fantasmas a bordo.
Isolado entre pedras numa faixa da areia marinha, a imagem do
restaurante se destaca na paisagem como que saída da imaginação. Pescados
maravilhosos, ambiente belíssimo, serviço impecável e preços inacreditáveis
diante do que oferece.
A quarta-feira foi reservada para uma agenda mais leve. Gosto de
fazer isso na véspera dos grandes deslocamentos, seja para continuar as férias,
seja para a velha e boa volta para casa. Acordei tarde, ainda encantado pelas
lembranças de Isla Negra, do almoço no Kaleuche e das lendas do Caleuche.
Durante o trajeto até a região central da cidade, o prazer de uma
boa conversa com Arturo, um senhor elegante que faz ponto como taxista na porta
do hotel.
Paramos para ver a impecável cerimônia da troca de guarda do
Palácio de La Moneda, antes de seguir para o Mercado Central de Santiago. Sem
qualquer dificuldade ou custos adicionais, marcamos a volta para dali a duas
horas.
O mercado é programa obrigatório. Inaugurado em 1872, oferece uma quantidade
incalculável de produtos de diversas origens. O prato de resistência do almoço é
o centolla, o caranguejo gigante da
Patagônia chilena que pode pesar até 2,5 kg. Para saborear esse mostrengo dos
mares, as melhores escolhas são o Donde Augusto – mais refinado e que ocupa
quase a metade do mercado – ou o El Galeón. Não é definitivamente um prato
barato (o grande é indicado para até seis pessoas). Prepare o bolso e seja
feliz. Afinal, essa não é uma aventura diária.
Arturo foi pontualíssimo e nossa conversa continuou animada no
trajeto de volta ao hotel. Mesmo sem nunca ter me visto, ele fez questão de
receber o pagamento pelas duas corridas somente ao final do serviço, numa
cortesia de causar ótima impressão até aos viajantes mais tarimbados.
Depois de tantos lugares adoráveis e fotografias a granel, a
quinta-feira amanheceu com um aperto de saudade no coração. Dia ainda escuro,
Guillermo estava a postos na recepção do hotel. Como grande cavalheiro que é,
cobriu o pequeno grupo de atenção, providências, conforto e segurança por toda a
visita. Nosso abraço de despedida foi cercado de emoção e da promessa firme de
nos vermos em breve. Alcançamos o grau de bons amigos.
Oi Heraldo,
ResponderExcluirque bela narrativa, cheia de 'conselhos'. Amei. A foto de Isla Negra é de babar. Neruda também era, é.
Acho que é minha sobrinha que tem uma foto do leão marinho. É ela sim.
Uma coisa me deixou na dúvida, você não comentou. Lá, onde ficam os leões marinhos, não há areia, não é? São pedras. Ou estou enganada?
Você tem algum envolvimento maior com o Chile? Voltou outras vezes, deve ter gostado muito ou...
Olha eu!
Olha a minha curiosidade!
Desculpa, fiquei curiosa mesmo.
Abraço, Heraldo
Ofelia
Ofelia,
ExcluirNada de "conselhos"; apenas dicas que, espero, possam ser úteis.
Isla Negra é um lugar realmente especial, a casa foi pensada de modo a propiciar todo o usufruto possível do mar, da vista, do sossego. Neruda sabia viver bem.
A área onde os leões-marinhos vêm descansar não tem aquela faixa de areia tradicional das praias, é uma área de pedras, mas ficam pertinho da calçada.
O meu envolvimento com o Chile foi se dando com o tempo e hoje tenho grande afeto pelo país e pelo povo culto, acolhedor. Abraço.
PS: Heraldo, você tem bom olho para fotos. E bom gosto também. E a máquina deve ser ótima.
ResponderExcluirA foto da igreja é linda, num ângulo especial, pegou até os raios da claridade que entravam no ambiente.
Também bonita a foto dos prédios, com a Cordilheira dos Andes atrás.
Serão boas lembranças.
Mas por que motivo tanto caranguejo? É especialidade da cozinha chilena?
Bye
Ofelia
Eu trabalho com audiovisual, a fotografia faz parte disso. A máquina é pequenininha, um desses espetáculos que a indústria produz de vez em quando: Sony RX100 II. Prática, ágil, ótima para carregar em viagens. E também filma muito bem.
ExcluirAquela igreja é linda e faz muito bem passar um tempo quieto dentro dela.
Por ser litorâneo, o país tem nos frutos do mar um dos seus pratos de resistência. E o centolla é muito bom mesmo.
Bom dia, Heraldo. Que delícia de passeio ! Fiquei com saudades do Chile, não vou lá desde os anos 80. Esse seu relato levou-me a lembrar de alguns lugares mencionados por você, e pelo visto o chileno continua um povo acolhedor. Quem sabe a sua experiência leve-me a visitar outra vez o Chile ? Vou tentar seguir seu roteiro, as fotos estão lindas. Abraços
ResponderExcluirOlá, Dulce,
ExcluirPassear no Chile é sempre muito bom. Você certamente vai se surpreender com o desenvolvimento que ocorreu desde os anos 80. Sim, é um povo muito simpático, culto, acolhedor. Fico feliz que o roteiro lhe inspire e satisfaça.
Olá Heraldo. Obrigada por ter mencionado a marca de sua câmera , vou pedir a Papai Noel de presente. Abraços, Dulce
ExcluirE vai ter uma boa surpresa, pois não é tão cara. Agora, existem já três modelos superiores (III, IV e V), que naturalmente vão oferecendo mais recursos (como gravação em 4K) e ficando mais caras.
Excluir1) Obrigado Heraldo pela descrição de bonitos lugares chilenos e apetitosos pratos e soborosos vinhos.
ResponderExcluir2)Passeei e contemplei belos pontos turísticos. Valeu !
Antonio,
ExcluirEspero que passe por lá e aproveite.
Obrigada por mais um belo texto!! Depois de ler esta narrativa, não nos deixa outra opção se não incluir o Chile no próximo roteiro!!Parabéns!!
ResponderExcluirInclua mesmo, é um lugar que preserva a História muito bem e ótimo para descansar e passear.
ExcluirHeraldo
ResponderExcluirObrigado por nos presentear com sua visão dessa viagem maravilhosa. Trouxe lindas recordações de minha ida ao Chile (até agora única aventura no exterior, hehehe).
Um grande abraço Sr. Multi Visões.
Heraldo,
ResponderExcluirRelato interessante. Lembrou-me de viagem que fiz há poucos anos para lá! Abraços, Marco