Ana Nunes
Primeiro fui apresentada às Runas.
Depois fui apresentada ao barro.
Mais depois fui apresentada à morte.
As runas me vieram pela minha irmã do meio. Vieram
secretas e redondas dentro de um saquinho de cetim preto. Eram tão lindas, de
cerâmica marrom, e tão macias ao tato! E ainda traziam inscrições tão novas e
tão antigas. E os nomes! Bolhas musicais no céu da boca, Teiwaz, Laguz, Algis, Perth, Othila, Uruz, Mannaz...
Dizem que vieram dos Vikings, bárbaros e pagãos,
utilizadas como uma escrita alfabética, também empregadas como oráculo.
Funcionavam como o I Ching dos Vikings no fim da Idade Média.
Dizem também que o oráculo é uma forma de arte e vida,
e ajuda a trabalhar o inconsciente.
Isso tudo para mim ficou papel de embalagem. O que me
fascinou mesmo foram os símbolos. Tão estranhos e ao mesmo tempo tão
reconhecíveis. Talvez por serem tão simples.
E de tão gravados no barro ficaram gravados em mim. Eu
tinha que trabalhar com eles.
Aí, fui apresentada ao barro. E, como louca, saí atrás
de barros mais marrons, mais amarelos, mais brancos, mais pretos. E fiz pedras
redondas, quadradas, pequenas, grandes, ásperas e polidas. Saí também em busca
de fornos para queimá-las. E de paciência, para descobri-las, depois da queima,
em cores outras.
E de tanto esperar, e pensar, e gravar, e junto com as
pedras prontas, veio o conto “Medicine for Melancholy” do Ray Bradbury. Um
conto lindo que fala de uma jovem desenganada, doente de melancolia.
E as runas viraram pílulas. E eu as queria em vidros
tampados com rolhas, selados com lacre vermelho, num engradado de ferro onde
tilintassem como as garrafas de leite da minha infância.
E foi um tal de comprar vidros de molho de tomate, e
estocar molho de tomate no freezer. Quem aqui viesse, saía, sem negociação, com
um saquinho de molho congelado.
Assim nasceu o objeto Remédio para Melancolia. Que era
oráculo, e era remédio, e era conto, e era infância. E era hora de crescer!
Então fui apresentada à morte.
Meu pai, um doente difícil e sofrido, tinha em casa um
quarto de hospital. E no seu cuidado a minha mãe. Corajosa, cheia de alegria de
viver, amor da vida dele.
Sem crença, nem fé, nem nada, consultei as Runas.
Perguntei da morte do meu pai. E as pedras, de toques tocadas e energia
trocada, disseram, que antes, alguma coisa iria acontecer. Para levar a isso.
E de tanto cuidar, minha mãe morreu de um infarto
fulminante num dia 10 de julho. E meu pai no dia 29, de pura paixão.
Briguei com as Runas.
E por muito tempo fiquei de mal com a vida.
De bom ficou a carta linda de um filho que morava
longe e escreveu assim:
“...Entre todos nós, quem expressou mais a falta da Vovó foi o Vovô.
Da única maneira que ele podia. Com tudo o que ele tinha. Foi o final
dramático em dois atos de uma bela história de amor. História que nem Garcia
Marquez nem Saramago saberiam contar...”
1)Lindo texto Ana, parabéns.
ResponderExcluir2)Eu penso que as Runas responderam sim. Os oráculos são o nosso inconsciente e o inconsciente é o Deus Criador que tem muitos nomes, que se comunica conosco, independente de termos Crenças ou não.
3) Parabéns tb pela sensibilidade, sensitividade, mediunidade (percepção extra-sensorial).
4)O fato de trabalhar com o barro, escrever os símbolos e compartilhá-los com outras pessoas, através de presentes, ajudou e muito no treinamento desta faculdade transcendente.
5)Saúdes Holísticas !
Olá, Antônio,
Excluirtenho, pelo menos dizem, muita empatia e intuição, da qual fui alertada há bastante tempo. Mas só a velhice me libertou confiança e audácia para usá-la ( e ainda quero muito mais!). E houve um Natal em que todos ganharam runas. Tinha até runas infantis, pequenas e branquinhas.. Como voce adivinhou? Muito obrigada ! Saúdes holísticas para voce também.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirQue bom ser apresentado às suas runas feitas de barro dentro dessas reedições dos vidros de leite das nossas infâncias.São belos e poéticos os seus objetos de sonho, de desejo e de remédio para a melancolia feitos tão cui-da-do-sa-men-te.
Confesso porém que do "papel da embalagem " traduzo muito pouco: runas e cartas de tarot e I Ching , são linguagens que me são desconhecidas. Tipo grego esotérico para um ianomâmi pagão.
Pra já tudo o que me vem à cabeça é o Tao Te , de mesmo "sobrenome", que li na minha juventude e que , por associação, me faz lembrar da bela caligrafia chinesa e de fotografias atmosféricas de florestas e montanhas e rios envoltos em névoa ou molhados de chuva ou pintados de sol e de uma sensação difusa de revelação e sabedoria e evolução. Gosto de pensar que, em vez de estarmos indo ,estamos apenas voltando a um anterior estado de graça. Ninguém se perde de retorno (rsrs)
Quanto à Velha Senhora...orfandade não tem idade , não é mesmo? Me é muito familiar essa raiva que nos toma quando ainda não aceitamos o inevitável e vamos perdendo a cada dia as árvores frondosas que nos deram sombra e com elas as referências para reinventar a estrada. Até que há um momento no qual não se perde mais, pois as árvores se encantam e passam a ser pedaços de nós. Ficam aqui dentro e tanto que a gente se olha no espelho e enxerga-lhes a sombra serena e nos descobrimos - estranhamente! - ricos de perdas.
Hoje invejo-a , Donana, pelas runas no teclado e não esse meu espinho na garganta. Um dia ainda conseguirei teclar sobre as minhas árvores sem mudar o tom.
Obrigado por essa troca de teclas e runas. Quero acreditar que quem nos lê , quem é lido por nós, o que lemos de nós nas leituras que fazemos de outros e naquelas que fizeram de nós, tudo isso , formam mundos , sulcam a terra , semeiam qualquer coisa que a luz não conhecia até então. E que, sob o sol, "as pedras (ou runas?) entranham a alma".
Abraço
Olá Moacir,
ExcluirFiquei encantadamente em paz com o que voce disse. Poesia, por que não? E, ninguém ou quase, "se perde no retorno". Muito lindo isso.(estou me segurando para não "quotar" tudo!)
Mas, antes de poder falar, chorei cada pedacinho do meu corpo. Hoje tenho uma saudade enorme e muito boa. E a felicidade grande e indescritível de ter partilhado 54 anos da vida deles! Acho que sou "rica de perdas". Abraço para voce também.
Ei Ana,
ResponderExcluirSó tenho a dizer que fiquei com um enorme nó na garganta por causa do seu lindo texto. Obrigado.
Olá André,
ExcluirObrigada a voce, cunhado querido!
Olá Ana. Gostei muito do seu relato abordando várias fases de sua vida. Sua sensibilidade junto com sua energia, criaram suas Runas maravilhosas, lindas e tão bem embaladas com carinho, cuidado e criatividade. Acredito que nelas estão sua força. Na sua brincadeira, no manusear do barro você marcou não só o significado da runa,mas também seus pensamentos, seus medos, seus problemas, suas alegrias, enfim...sua Vida. Quando elas responderam a vc - acredito - já estava ali gravado o seu significado emitido pela sua energia daquele momento em que ela foi manuseada. Cuide delas com carinho, mantenha-as protegida e tenha certeza que elas são seu " amuleto de sorte ". Tenha Fé e Certeza da sua Força Positiva. Um abraço de quem acredita. Dulce Regina
ResponderExcluirOlá Dulce,
ExcluirSuas palavras são de força e estímulo.. Vou pensar nelas com carinho. E com certeza conhece as Runas, por falar no manuseio, onde se dá a troca de energia.
Voce é feliz por ter o aconchego da crença! Um abraço sincero e desamparado de quem não acredita.Ana