Vincent Van Gogh - Dans le Verger |
Wilson Baptista Junior
Comecei a escrever pensando em falar sobre os amigos. E a primeira coisa
a saber para escrever foi – quem são os amigos? O que é um amigo?
Certamente não são os amigos das redes sociais. Aqueles que leem alguma
coisa que você postou, veem seu retrato e seu nome e clicam num botãozinho na
tela e se transformam em “seus amigos” com a mesma facilidade com que clicam em
outro botãozinho e deixam de ser seus amigos quando leem depois alguma outra
coisa que você postou e de que eles não gostaram. Não que seja impossível ter
amigos que nunca se viu. Há um filme tocante que se chamou em português “Nunca
te Vi, Sempre te Amei”. que conta a história (real) do nascimento e crescimento
da amizade entre uma escritora americana e um livreiro londrino que se
corresponderam por mais de vinte anos (muito antes dos e-mails e da internet) e
nunca chegaram a ver um ao outro.
Quem sabe até, entre os companheiros do blog, possam estar se forjando
algumas dessas amizades que não dependem de estar perto. E quem sabe, se Deus
quiser, teremos o tempo para que elas cresçam.
Porque a verdadeira amizade exige conhecimento. Exige afinidade, que não
exclui divergências, exige compreensão, e exige tempo. Antoine de Saint-Exupéry,
o grande aviador (e grande escritor) dos tempos heroicos em que se desbravaram
as rotas aéreas na Europa, na América do Sul e na África, escreveu no seu livro
“Terre des Hommes” falando sobre a morte de um piloto seu amigo, na bela
tradução de Rubem Braga:
“Ninguém pode criar velhos companheiros.
Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantas horas más vividas
juntos, de tantas desavenças, de tantas reconciliações, de tantos impulsos
afetivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho
na esperança de ter, em breve, o abrigo de suas folhas”.
Vamos criando amigos (e eles nos criando) durante toda a vida. Desde os parentes,
depois entre os companheiros de escola, depois entre os companheiros de
trabalho, entre os companheiros de esporte, aqueles que foram amigos dos nossos
pais e se tornaram amigos nossos também e continuaram conosco depois que nossos
pais se foram, alguns que vemos todo o dia, alguns que só vemos de longe em
longe mas que sempre ficamos felizes de verdade em reencontrar, e com quem
reatamos sem perceber conversas de tanto tempo atrás, muitas pessoas que vamos
encontrando pelo caminho, muitas que ficam conosco e muitas que a vida vai
levando para longe, até o dia em que vão embora de verdade, para, quem sabe,
esperar por nós, como diz o Moacir, “em alguma esquina do lado de lá”.
Eu disse, lá em cima, que comecei a escrever pensando em falar sobre os
amigos. Mas enquanto escrevia percebi que a história que conta melhor do que
todas o que é um amigo já tinha sido escrita. Pelo mesmo Saint-Éxupéry, que
escreveu um livro que se chama “Citadelle”, e que é a história do filho do
senhor de uma cidade berbere que ouve seu pai lhe ensinar, pensando no futuro,
como deve ser o senhor de um povo.
E para falar da amizade o velho senhor conta para o filho a história que
reproduzo abaixo, pedindo desculpas aos leitores por minha tosca tradução:
“Conheci um velho jardineiro que me falava de seu amigo. Todos dois
haviam vivido muito tempo como irmãos antes que a vida os tivesse separado,
bebendo juntos o chá da noitinha, celebrando as mesmas festas, e buscando um ao
outro para pedir algum conselho ou trocar alguma confidência. E por certo
tinham pouco a dizer um ao outro e bem mais vezes a gente os via passear,
terminado o trabalho, considerando sem pronunciar palavra as flores, os
jardins, o céu e as árvores. Mas se um dos dois abaixava a cabeça ao tocar com
os dedos alguma planta, o outro se inclinava por sua vez e, reconhecendo os
vestígios das lagartas, abaixava a sua. E as flores bem abertas traziam aos
dois o mesmo prazer.
Ora, aconteceu que um mercador, tendo contratado um dos dois, engajou-o
por algumas semanas à sua caravana. Mas os assaltantes das caravanas, depois os
azares da existência, e as guerras entre os impérios, e as tempestades, e os
naufrágios, e as ruinas, e os lutos, e os trabalhos pra viver jogaram-no de um
lado para outro durante anos, como um barril lançado ao mar, empurrando-o de
jardim em jardim até os confins do mundo.
Ora, eis que o velho jardineiro, depois de uma velhice de silêncio,
recebeu uma carta do seu amigo. Sabe Deus quantos anos ela havia navegado. Sabe
Deus quantas diligências, quantos cavaleiros, quantos navios, quantas caravanas
tinham, cada uma por sua vez, encaminhado a carta, com a mesma obstinação dos
milhares de ondas do mar, até o seu jardim. E nessa manhã, como estivesse
radiante de sua felicidade e a quisesse partilhar, ele me pediu que lesse, como
se lê um poema, a carta que tinha recebido. E espiava para ver em meu rosto a
emoção da leitura. E por certo não havia mais do que algumas palavras, porque
os dois jardineiros se sabiam mais hábeis com a enxada do que com a escrita. E
eu li simplesmente: “Esta manhã eu podei
minhas roseiras...”, e depois, meditando assim sobre o essencial, que me
parecia impossível de exprimir, inclinei a cabeça como ele teria feito.
E aconteceu então que meu jardineiro não conheceu mais descanso. Tu
poderias ouvi-lo se informando da geografia, da navegação, dos correios e das
caravanas e das guerras entre os impérios. E três anos depois aconteceu a sorte
de uma caravana qualquer que eu devia mandar ao outro lado da terra. Então
convoquei meu jardineiro: “Tu podes
escrever a teu amigo”. E minhas árvores sofreram um pouco e os legumes da
horta, e as lagartas fizeram festa, porque ele passava os dias em casa, a
rabiscar, a apagar, a recomeçar a tarefa, com a língua para fora como uma
criança em seu trabalho, porque ele tinha em si qualquer coisa de urgente a
dizer e era preciso que se transportasse todo inteiro, toda a sua verdade, até
seu amigo. Precisava construir sua própria passarela sobre o abismo,
reencontrar sua outra parte através do espaço e do tempo. Precisava dizer o seu
amor. E eis que, corando, ele veio me mostrar sua resposta para espreitar mais
uma vez em meu rosto o reflexo da alegria que iluminaria o destinatário, e experimentar
assim em mim o poder de suas confidências. E – porque não existia
verdadeiramente nada mais importante de se fazer saber, porque se tratava ali
para ele daquilo em que ele se entregava, como as velhas que gastam seus olhos
nos trabalhos de agulha para florir seu deus – eu li que ele confiava a seu
amigo, na sua letra aplicada e inábil como uma prece cheia de convicção mas de
palavras humildes: “Esta manhã eu também
podei minhas roseiras...”
1) Bom artigo, bela foto, tema oportuno, parabéns !
ResponderExcluir2)Observo que na pós-modernidade, onde vivemos, há uma popularização do termo "amigo" que atesta os diversos níveis e significados de amizade.
3) Conheci, certa feita, um barbeiro na Zona Sul carioca que se dizia amigo de políticos e celebridades. O que eu ouvi na entrelinha era a vontade dele de estar atualizado, na moda, uma citação em coluna social seria a glória !
4) Conheci tb uma jovem da Baixada Fluminense que era amiga de Facebook de uns apresentadores televisivos, no fundo para preencher o seu vazio existencial. Belo dia entrou para a igreja evangélica e cortou os tais televisivos, agora era amiga só de Jesus.
5) Meninas de idades diversas chamam-se de "migas" aqui no grande Rio.
6) Itens acima fazem parte das minhas observações sociolinguísticas...
Obeigado, Antonio, bons exemplos da desvirtuação da palavra "amigo"! Boas observações sóciolimguísticas :)
ExcluirAmigo ... amigo ... MEU AMIGO WILSON, MEU CARO AMIGO WILSON,
ResponderExcluirAcredito muito nessas amizades que tiveram seus inícios nas tais redes sociais.
Em princípio, sem que as pessoas tenham se visto, sem saberem como são de aparência, mantém uma relação estreita, sólida, respeitosa, assim como nos relacionamos, Mano, sem qualquer outra intenção que não seja uma amizade sincera, despojada, baseada na intenção de aumentarmos nossos amigos e cultivá-los da melhor maneira possível, que é homenageando-lhes como tu fazes maravilhosamente bem ao postares neste teu blog extraordinário os artigos que escrevem!
Pois esta forma de demonstrares amizade se estende para outras pessoas, que também passam a fazer parte deste rol de amigos, a ponto de Conversas do Mano ter se tornado um Clube de Amigos, um oásis neste mundo conturbado e país difícil para morar, que se tornou o Brasil!
Neste espaço democrático e cultural por excelência, lemos notáveis textos, comentamos e dialogamos entre nós os artigos, perguntamo-nos como vamos de saúde, trocamos informações pessoais, relatamos episódios de nossas vidas como se nos conhecêssemos há tempos.
Também nos preocupamos com a saúde de cada um, e se estão alegres, tristes, pois elaboramos até mesmo uma que outra narração mais divertida, que ocasione reações mais diversas que aquelas cotidianamente sérias, elogiosas, de aplauso às postagens.
Posso afirmar que por tua causa, Wilson, formaste um grupo legítimo de amigos, que me possibilita escrever e deixar registrado esta observação, que não haveria um de nós que não gostaria que um dia nos conhecêssemos pessoalmente, e que não deixaria de comparecer ao local combinado se um dia decidíssemos marcar este possível encontro, mesmo que exigisse um certo deslocamento.
Amizade não é somente a companhia física mas, principalmente, a mental, o elo que proporciona a identidade intelectual, de propósitos, intenções, de ideias e pensamentos.
Neste aspecto, és um semeador de amizades, um cultivador de amigos, e tens em mim além de amigo sincero e verdadeiro, um admirador confesso de habilidades que demonstras em agregar, unir, de manteres uma rede tão agradável e sincera de pessoas que te apreciam, que gostam do Mano, que fazem questão de te devotar amizade, afeto, compreensão, solidariedade, e de se orgulharem por conhecer um ser humano inigualável, extraordinário, exatamente como classifico o teu blog, melhor, o nosso blog!
Um abraço forte e fraterno, meu caro.
Saúde e Paz, extensivo aos nossos amigos e teus amados.
Chicão, meu amigo, muito obrigado pelas palavras elogiosas e imerecidas. Mas nossa amizade não é daquelas que "começaram nas redes sociais" do "curtir" e "descurtir" :)
ExcluirComeçou noutro blog, onde ao longo do tempo comentamos os dois, algumas vezes respondemos um ao outro, discordamos um do outro, defendemos um ao outro, e eventualmente começamos a nos corresponder, pelas afinidades que descobrimos nessas discussões, e a trocar idéias, e às vezes a discordarmos de novo, e a concordarmos de novo, e a trocarmos notícias e a nos interessarmos por, e conhecer um pouco, a vida um do outro.
E agora estamos juntos aqui nestas outras Conversas, e é de amizades como a nossa que falo no começo do artigo, que podem surgir e crescer cada vez mais se lhes dermos tempo, mesmo que nunca nos encontremos e saibamos, nem nos preocupemos, com que nos parecemos por fora, porque passamos a saber com que nos parecemos por dentro.
Um abraço do teu amigo
Mano
Meu querido Wilson. Não sei se vou conseguir passar através dessas pretinhas o meu semblante de emoção, ao ler seu texto. Não fui buscar interpretações , simplesmente me envolvi no sentimento dos dois jardineiros, na amizade pura, simples e singela, expressada somente em pequenos gestos e na sensibilidade de lidar com suas plantas. A amizade consiste nisso...temos que adubar, regar, podar, para que possamos ver seus frutos, flores, sua troca de folhas... simples assim...Como gosto de lidar com plantas, gosto também de conversar com quem cuida delas e aprendo muito. Vivo isso lá em Terê, e percebo que a maioria dos jardineiros são pessoas muito simples e às vezes até envergonhados para conversar. Sabe como me comporto ? Ajudo-os...meto " a mão na massa ", digo; na terra mesmo...então com pequenos gestos nos comunicamos. Tenho um amigo virtual que mora no meu coração, e o engraçado é que nunca, nem da minha parte, nem da dele, cogitamos em nos conhecer e olha, que moramos no mesmo Estado e vou muito ao bairro que ele mora. Ele me conhece bem e reconhece minhas " luas " e vice-versa. Obrigada amigos Mano e querida Ana. Adoro mineiros ! Abraços perfumados. Dulce
ResponderExcluirOi, Wilson. De volta para completar meu comentário. Assisti algum tempo atrás o filme " Muito Além de Um Jardim " , com Peter Sellers, um jardineiro que passa sua vida cuidando de um jardim e assistindo televisão, seu único contato com o mundo . Em um certo dia vê-se sozinho, sem documentos na rua, pois seu patrão tinha falecido. E o filme transcorre num clima emocionante pelas lições de vida dadas por esse jardineiro, somente na linguagem das plantas. Você já deve ter assistido, se não , vale a pena. Abraços, Dulce
ResponderExcluirOlá Dulce,
ExcluirA história do jardineiro é comovente, uma obra prima. Mas o mérito não é meu, é do Saint-Ex. Que, aliás, tem sua magnífica produção literária (Citadelle, Pilot de Guerre, Vol de Nuit, Terre des Hommes e outros), apesar de toda traduzida, pouco ou nada conhecida no Brasil, que se fixou mais no "Pequeno Príncipe", considerando-o, equivocadamente, como um livro para crianças.
O filme com o Peter Sellers é lindo, assisti sim. Você assistiu um filme inglês, no me lembro agora do nome, onde uma turma de presos ganha o Prêmio de Jardinagem da Rainha? Também é muito bom, com um emfoque um pouco diferente.
Um abraço.
Grande post , Wilson. Vale sempre questionar se não é meio doido de pedra se acreditar nos "amigos" do Face e se o espaço virtual não se torna mais significativo que o real. Não acho que o virtual substitua ou iguale-se ao concreto/real mas o diabo é que o virtual já é real entre nós, já se fez concretude.
ResponderExcluirHá 46 anos me correspondo com minha "família" americana, sem que jamais tenhamos perdido a intimidade e o bem querer por causa da internet.Da mesma forma, a distância nada significa com relação à malta na t'rrinha ou aos tantíssimos amigos que temos espalhados pelo vasto mundo e pelo Brasil afora. A net aproximou os continentes.
"Nunca te vi, sempre te amei" é , além de um ótimo filme, a tradução parcial, mas não incorreta , da parte positiva desse mundo virtual , digital, do éter, do território que nos faz tão nós mesmos: o contato com o outro.
Às vezes me questiono,sim quanto à relevância ou fertilidade de subirmos em um banquinho na internet para verbalizar o que nem sabemos se querem ler ou no sentido de se realmente podemos fazer alguma diferença teclando nos blogs da vida.
Por outro lado que maravilha podermos estabelecer esta conversa e nos expressarmos apesar de não estarmos face to face. Isso é ampliar territórios.E daí? Daí que as pessoas ficam sabendo que não estão sozinhas naquele pensamento e no contrário dele, que estão sendo ouvidas - mesmo que mal compreendidas ou nem isso. Não escrevo para mudar nada, talvez somente eu mesmo me transforme na minha escrita. Mas quem nos lê , quem é lido por nós , o que lemos nas leituras que fizeram de nós, tudo isso é muito enriquecedor.
Acho que nessas conversas criamos: posts, leituras, comentários , significados. Dito de outra forma, eu acredito que o sentido da vida são os atos de criação dos indivíduos. O que exatamente é criado, pode mover montanhas ou passar batido e pode ser diferente de indivíduo para indivíduo. O que importa não é a coisa criada, mas o próprio ato criativo.
O que tem que ser priorizado e cuidado, portanto, na minha opinião, são as nossas "conversas", essa troca de vivências e conhecimentos, as nossas " roseiras". Enquanto os amigos da net - "que não conhecemos por fora mas por dentro" - nos fizerem bem ,enquanto houver tolerância, respeito, atenção e crescimento de parte a parte... estará valendo.
Porque amigos e roseiras não seriam mais amigos nem nos dariam mais rosas se fossem plantados e cultivados em outras paisagens que, ao fim e ao cabo, ensejariam o mesmo efeito final: a qualidade, a profundidade, o aprimoramento ,as consequências da interação humana que sempre valeu e valerá muito a pena a depender do tamanho das almas.
Abração
Moacir, o Facebook é um bom exemplo de uma idéia que foi desvirtuada (embora talvez esse próprio desvirtuamento o tenha levado ao sucesso bilionário de hoje). Ele foi concebido como uma versão virtual dos "Yearbooks" das escolas americanas, onde você se cadastrava para reencontrar os amigos do tempo de escola. Depois virou essa máquina de fingir de espantar a solidão conquistando "amigos" para ganhar "likes".
ExcluirEmbora haja quem o use, e bem, como um banquinho também. Difícil é ouvir as vozes dessas pessoas no meio da algazarra geral.
O virtual que vale a pena, para mim, é aquele que substituiu a antiga caneta, o papel e o envelope. É o que permite, como você diz, as conversas e a criação que fazem valer a pena a gente subir no banquinho e fazer discurso. Que pode ser lido, visto ou assistido, mas que leva alguma coisa das nossas almas nossa para ser dividido com quem quiser ler, ver ou ouvir, e sobretudo entrar na conversa. Porque o ato de criação é o mais importante, sim, mas cresce em valor para a gente quando provoca uma reação nos outros. Você se questiona se isso é útil, mas tenho certeza de que sabe a resposta. Porque continua escrevendo, como a turma do Conversas e eu :)