-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

22/11/2016

Gosto tanto de livros!

fotografia Wilson Baptista Junior

Ana Nunes
Antes, quando eu ainda não perambulava por aqui, o Moacir escreveu sobre livros. E disse tudo, de uma maneira muito linda, que eu gostaria de dizer. E também as coisas que o Mano escreveu. Desisti de falar sobre livros.
Então o Antônio escreveu sobre A Casa de Perdição. Porque é isso mesmo, perdição! Fiquei com urticária literária. Não resisti.
Recentemente fui à Bienal de São Paulo e havia lá um estande da Travessa só com livros de arte, todas. Senti na pele o que fiz com o meu netinho quando o levei a uma loja só de LEGO para escolher seu presente de aniversário. E com o dinheiro contado! Coitadinho do meu lindo!
Há tempos, o apartamento foi sintecado. Tudo fora de lugar. Quando fui recompor minhas estantes descobri como eu amo os meus livros! E comecei a falar deles como um afogando que consegue respirar!
Porque eu amo os desvarios de Picasso, seus touros e seus desenhos eróticos. 
Amo as gravuras sombrias de Goya, leves e pesadas. Pode?      
Amo Morandi de paixão, suas garrafas empoeiradas e a poética de seus objetos.        
Eu amo Goeldi, gravuras tristes e provocadoras, o guarda-chuva  e o peixe coloridos entre as frutas e os mercadores, os lampiões cortados na madeira entintada de preto.  
Amo David Hockney e seu amigo Bob, a água azul da piscina e as fotos desmontadas de sua mãe. Queria pintar como ele!   
Amo Van Gogh, Vincent, suas cores, sua cadeira e seus girassóis. Seus retratos e sua orelha cortada. E a noite estrelada, seu quarto!
Enlouqueço com os desenhos de Egon Schiele, que linhas, quanto erotismo!
Käthe Kollowitz, morro um pouco vendo suas gravuras, sinto a morte na guerra e invejo seu desenho!
Que mesquinha, eu! 
Rembrandt, quero suas sombras e seus claros, seus traços e esboços. Quero tudo, tudo!        
Georgia O’Keeffe, que se escondeu no deserto para pintar suas flores-vulvas explodindo na aridez da areia e do calor. O que pensava? O que sentia?   
Frida Kalo, nem sei mais o que dizer, suas cores mexicanas e seus desenhos estranhos  de entranhas doloridas e machucados amores! Impensável!    
A delicadeza aquarelada  de Paul Klee, o colorido espanhol de Miró, Kandinsky, meio perdido, meio achado.      
Os esboços em sanguínea de Michelangelo, as bailarinas de Degas, as gordinhas (que pena, não são mais gostadas!) de Renoir e de Botero, nenúfares de Monet e colagens tardias de um Matisse em cadeira de rodas.        
As esculturas enormes e ásperas e múltiplas de Magdalena Abakanowicz e as velhas descarnadas de Camille Claudel.    
Mira Schendel, no vazio do mundo, com seus nanquins em papel de seda.        
As pinturas oníricas de Guignard e o grafismo estonteante de Basquiat e o seu amigo das sopas enlatadas.
E outros e outros. E outros mais.      
Que bela salada eu fiz!
E, de tanto amar esses livros, as capas, o cheiro da tinta, as ilustrações, que vergonha! Dei de roubá-los! Mas só de gente querida!      
Roubei uma maravilha, talvez um dos primeiros, o Evangelho de São Lucas ilustrado por Rembrandt. Era da minha sogra, como nos queríamos bem! Que meus cunhados não saibam, porque, como o Corisco de Glauber Rocha, “...entrego só na morte de Parabellum na mão...”!
Roubei A Menina que Roubava Livros (por que não?) da minha nora. Tudo porque me apaixonei pela Morte que pegava as almas nas mãos e as beijava. E, pelo título, lógico!
Roubei, ainda da minha sogra, quando estudava inglês, E O Vento Levou, para praticar a língua.
Do meu filho fiquei com Historia de La Belleza de Umberto Eco. O da Feiura ele conseguiu levar de volta. Mas tenho esperanças de recuperá-lo...
E quase roubei do meu sogro um livro apaixonante  do Manoel de Barros, poemas da alma em caixinha, entre os diversos que ele ganhou no seu aniversário de noventa anos. Fui pega a tempo mas acabei ganhando. Ele os tinha repetidos. Bom para mim!
L’Art et son Histoire I, II e III do Gombrich, lindos em formato pocket-book. Não foram roubados. Foram ficando, ficando. E ficaram meus.
E tem alguns outros de que já nem me lembro. De tão roubados e de tão usados já têm novo dono.
Mas agora, bem tarde na vida, que me permito incoerências e desvarios no existir, estou esquecendo livros para que outros possam lê-los. Também empresto e não cobro. E os mais preciosos dou de presente quando estou sem dinheiro.
Assim, vou me desapegando aos poucos, deixando um trabalho mais fácil para os filhos, quando eu não precisar mais dos livros.


11 comentários:

  1. 1) Texto maravilhoso, parabéns, escreva sempre !

    2)É essa alegria que sinto ao contemplar os livros. E eu tenho um agravante. Quando eu gosto do livro tenho vontade de ter dois ou três repetidos, iguaizinhos, enche a estante, abarrota e esvazia a minha carteira de dinheiro, mas fico feliz.

    3)Só um detalhe: quanto ao "roubar" livros. Tem um ditado popular: "Quem empresta livro é bobo, quem devolve é mais bobo ainda".

    4)Tb estou me desapegando ultimamente ...

    5) Obrigado Ana pela excelente aula sobre livros de arte !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Antônio,
      Adorei o ditado. E as Casas de Perdição de verdade esvaziam nossos bolsos. Mas a gente vai por aí adquirindo livros, de um jeito ou de outro e também largando- os pelo caminho.
      Obrigada.

      Excluir
  2. "Mas agora, bem tarde na vida, que me permito incoerências e desvarios no existir, estou esquecendo livros para que outros possam lê-los. Também empresto e não cobro. E os mais preciosos dou de presente quando estou sem dinheiro.
    "Assim, vou me desapegando aos poucos, deixando um trabalho mais fácil para os filhos, quando eu não precisar mais dos livros.

    Ana, que coisa mais bonita. Você escreveu como quem se espanta, leva um susto e deixa sair um ruído, um murmúrio qualquer e por isso mesmo verdadeiro. Veio lá de dentro, a gente percebe, e por isto valorizei tanto. Não foi pensado, foi sentido. E me encantou. Sobretudo os dois últimos parágrafos porque me falam de perto.

    O primo da minha mãe me trouxe muitos livros dele de presente, os usados, sempre com a desculpa de que havia encomendado um novo, bobagem dele, tão carinhoso, alma nobre da qual sinto muita falta. Eu sabia que ele sabia que eu sabia que não era bem assim que a banda tocava, mas a vida funciona de tal jeito no encantamento dos dias que a gente vai se deixando acreditar no que é bonito.

    Tenho papel de embrulho rosa com a bela letra dele nessas desculpas que sabíamos desculpas. Eu nunca disse palavra. Nem ele. Por que quebrar o encantamento das coisas se podemos viver encantados e nos encantando?
    Me fez um bem danado ler você esta manhã, Ana. Um bem danado.
    Abraço
    Ofelia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Dulce Regina22/11/2016, 18:01

      Querida Ofelia. Lindo seu comentário. Você me conquista cada vez mais com seu jeitinho " não sei como ..." e simples. E li só hoje sua resposta sobre a irmã do Helcio...amiga eu também sou operária , a rainha é por conta do desejo de mamãe , ela adorava ! E contava que quando me levava ao posto pediátrico, só de fraldas, todos se encantavam com minhas " pernocas " Rsrsrs... eu dizia : olha o resultado....tenho até hoje, pernas grossas. Abraços, minha Linda.

      Excluir
    2. Olá Ofélia,
      Que bom que te fiz bem!
      Mais bonito de tudo é o seu papel rosa de embrulho que guarda letra linda e sentimentos tão reconfortantes!
      Obrigada.

      Excluir
  3. Moacir Pimentel22/11/2016, 15:28

    Donana,
    Para começo de conversa: Viva o vizinho Antônio! Quisera eu saber como lhe provocar urticária literária crônica. Antes, quando a senhora não perambulava por essas paragens e depois, nos intervalos dos seus voos rasantes durante os quais tenta se traduzir com silêncio e/ou síntese (rsrs) por mais que os idosos grisalhos em formação e amantes dos livros do pedaço - eu, o Antônio, o Bendl, o Mestre Heraldo e o seu Mano - tentemos não chegamos nem perto desses seus pedaços tão inteiros.
    Quanto eu entrei nas Conversas a foto me deu as boas vindas: uma estante de artista. Se essa sua estante falasse me diria: Let's art! Olho para os livros - confesso que os roubaria - leio os títulos, adivinho as pequenas galinhas , descubro os pincéis e o autor da foto e penso cá com meus botões: aí nas Gerais e nas nossas praias tivemos muita sorte.
    Não me atrevo a acrescentar nem meia pretinha ao seu elenco de artistas e - deusmelivre!- uma mísera vírgula sequer - e fora do lugar! - na sua percepção dos trabalhos de cada um deles. Não comecei ainda a me desapegar de meus tesouros em p&b e louvo quem sacia a fome alheia de leitura , mas garanto-lhe que é muuuuito bom quando a senhora , por aqui , se desapega de seus pensamentos e nos dá de beber (rsrs). Aliás o elogio vale para as senhoras do blog , inclusa Dona Ofélia, que nos diz aí acima das artes de bem viver e querer, essa arte que, segundo o Picasso , é a mentira que diz a verdade.
    Com certeza passarei de novo por essa esquina do blog, sempre que estiver me perguntando se vale a pena escrever os meus posts de arte e não souber como começá-los. Mas nem só de GPS me servirá sua urticária. O maior presente que seu texto me oferece é a certeza de que o Edgar Allan Poe , tanto tempo faz, mentiu-me descaradamente no seguinte verso do seu poema Alone ...
    "And all I lov’d — I lov’d alone"
    Saber que todas as coisas bonitas que tenho amado eu não amei sozinho...é um sentimento muito bom.
    Obrigado!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir,
      Viva o vizinho que me fez escrever e viva o vizinho do vizinho que gostou e me encheu de belas palavras e elogios exagerados. Vou brincar de acreditar, faz bem pra alma.
      Meus voos são razantes porque seus textos falam tudo. Não precisam nem de esquinas nem de GPS. Eles falam de lugares lindos, de lembranças que não foram, de telhados, de fados, de poetas e de pintores. Precisa de mais?
      Ana. Inteira aos pedaços.

      Excluir
  4. Francisco Bendl22/11/2016, 16:52

    Aninha,

    Diferente de ti, EU NÃO EMPRESTO LIVRO ALGUM, nem para filho!!!

    Ao longo da minha vida de casado, 46 anos, após a primeira década tive de vender uma biblioteca de maios de 2.000 livros!

    Levei mais 15 anos para angariar novos e alguns dos antigos.

    Vendi de novo, pois que vão os anéis e que fiquem os dedos.

    Agora, tenho perto de 1.300 exemplares. NÃO VENDO MAIS, vendo o carro, mas os livros não!

    Até porque, Ana, eu resumi a minha coleção em livros de História, principalmente sobre as duas Grandes Guerras, e Filosofia.
    Nada de romance.

    Um abraço, e parabéns pelo gosto que tens pelos livros, grandes companhias em quaisquer circunstâncias,

    Saúde e Paz, extensivo aos teus familiares.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Francisco Bendl,
      É uma saga sua história com os livros!
      E voce é malvado de não emprestá - los nem para os filhos. Mas tem razão, porque, vai que eles saíram ao pai e gostam tanto de livros e não os devolvem mais?
      Obrigada. Saúde e paz.

      Excluir
  5. Dulce Regina22/11/2016, 17:38

    Obrigada Ana, por esse texto cheio de poesia falando das artes e seus criadores, vista sob o olhar e sensibilidade de uma mulher. É um bálsamo para nossas almas. " Quem escreve , constrói um castelo ; quem lê passa habitá-lo ". Abraços, Dulce Regina

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Dulce Regina,
      Obrigada a voce pelas palavras e pelo "castelo". Bonito isso de habitar na escrita do outro, assim como nas artes plásticas, que uma vez mostrada já não é do autor. Bom pensar assim!

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.