fotografia WBJ |
Wilson
Baptista Junior
Eu sou do tempo em que fazer fotografias se chamava popularmente “tirar
retratos”, e as câmaras “máquinas de retrato”.
Dos tempos em que afinal se tinha chegado à conclusão que fotografia
também podia ser arte, e que ela não tinha muito a ver com a pintura, herança
do final do século dezenove quando alguns pintores tiravam fotografias para
depois pintar os quadros no ateliê, e havia quem discutisse se elas iam tomar o
lugar das pinturas ou não.
Meu pai era fotógrafo. Dos bons. Um dos grandes fotógrafos amadores do
Brasil no seu tempo. “Amador”, para ele, não queria dizer menos do que
“profissional”, como a maioria das pessoas entende. Tinha a ver com o conceito
original da palavra, de quem faz uma coisa por amor e não para ganhar dinheiro.
O que, claro, não quer dizer que alguém que faça uma coisa por dinheiro
não possa estar fazendo também por amor.
Então eu cresci dentro de um laboratório fotográfico. Que ficava ao lado
da garagem da nossa casa, garagem que também guardava a nossa oficina.
Do mesmo modo que os cômodos eram ligados a história do laboratório e da
oficina são ligadas. Porque muito do que havia no laboratório foi feito na
oficina. Meu mundo de infância e adolescência começava ali nas duas.
Foi antes, muito antes, do tempo das fotografias digitais. Hoje se
fotografa, descarrega as imagens no computador, trabalha-se essas imagens do
jeito que se quer e as imprime numa impressora colorida, e pronto. Ou nem se
imprime, mostram-se no computador, ou no smartphone, ou na internet. Se é para
uma exposição ou um trabalho mais sério leva-se o pen drive a uma empresa que
tem impressoras mais especializadas, e temos as fotografias em cores do tamanho
que quisermos.
Naquele tempo não era assim não. Para começar, as máquinas usavam
filmes. Depois de tiradas as fotografias, os filmes tinham que ser revelados, e
obtinham-se os negativos, chamados assim porque as partes claras saíam escuras
e as escuras claras. Estes negativos tinham que ser ampliados, e aí se obtinham
as cópias em papel.
Em preto e branco!
Porque para fotografias coloridas se usava um filme chamado Kodachrome,
que tinha que ser mandado revelar nos Estados Unidos. De lá, depois de muito
tempo, voltavam os slides, naquelas moldurinhas de plástico ou papelão, que
tinham que ser projetados, na parede ou numa tela, com um projetor apropriado.
Para as em preto e branco, quem fazia fotografia tinha duas opções: ou
mandava revelar e ampliar numa loja especializada, o que demorava alguns dias, ou
cuidava disso em casa.
Que era o que a gente fazia.
Os laboratórios eram chamados de “câmaras escuras”. Porque os filmes com
que se tiravam as fotos e os papéis onde elas eram ampliadas não podiam ser
expostos à luz, eram cobertos com uma camada de um composto de prata embebido
em gelatina; o composto quando era exposto à luz, dentro da máquina, mudava seu
feitio interno registrando a imagem, só que ela não aparecia ainda. Tinha que
ser “revelada” (daí o nome).
A gente tirava o filme da máquina no escuro, desenrolava, enrolava num
carretel que era colocado dentro de um tanque à prova de luz. Aí se podia
acender a luz.
Preparava-se antecipadamente o revelador. Para isso, tínhamos uma porção
de produtos químicos, vidraria de laboratório e uma balança de precisão. O
revelador era colocado no tanque, que tinha que ser sacudido a intervalos
regulares, durante um tempo muito preciso, para ter certeza de que a solução
chegava por igual a todos os cantinhos do filme. Como era complicado e monótono
ficar fazendo isso com o olho no relógio, papai construiu uma maquininha que
agitava o filme em diversas velocidades. Como o tanque, na máquina, era
sacudido em várias direções igual a uma pessoa se requebrando, ele deu à
máquina o nome de Ninón Sevilla, que era uma dançarina espanhola famosa nos
tempos de juventude dele.
A revelação tinha várias etapas, com
várias soluções químicas diferentes, até chegar afinal ao momento em que
se podia tirar o filme do tanque com a luz acesa.
Aí o filme tinha que ser muito bem lavado, para retirar todos os traços
dos produtos químicos, escorrido e seco. Pendurávamos os filmes num varal, com
um pesinho em baixo para não se encurvarem.
Depois de tudo isso, ainda só tínhamos os negativos. Para ver as
fotografias era preciso imprimi-las.
Como os negativos eram pequenos e a gente queria as fotografias grandes,
esse processo se chamava “ampliação”.
O processo de ampliar era muito parecido com o de fazer os negativos. Em
vez da máquina fotográfica, usava-se um ampliador, que era um projetor que
projetava a imagem do tamanho que se queria no papel fotográfico.
Como papel vinha em folhas, em vez do tanque o processo era feito em
“banheiras”, que eram parecidas com tabuleiros de assar, onde se colocavam as
soluções (semelhantes mas não iguais às da etapa da revelação), mergulhando o
papel nelas e balançando as banheiras lentamente e por igual durante o tempo
necessário a cada etapa. Como as banheiras não podiam ser sacudidas na Ninón
Sevilla, como os tanques, papai construiu uma grade que ficava em cima da
bancada de trabalho onde se colocavam as diversas banheiras uma ao lado da
outra e era balançada para lá e para cá por um outro mecanismo ligado a um
motorzinho elétrico.
A diferença era que durante essa parte podíamos iluminar o laboratório
com uma luz vermelha, e ver as coisas acontecendo.
Depois disso tudo as fotografias eram penduradas também para secar.
Dava trabalho, e muito. Mas nunca vou me esquecer da sensação
maravilhosa que era olhar para uma folha de papel branco dentro da banheira e
ir vendo aparecer e ir se formando lentamente a imagem do que você tinha
fotografado. Pura magia.
E isso tudo não era tão simples como parece... A revelação variava para
cada filme; nas máquinas digitais de hoje, quando o alvo da fotografia está
pouco iluminado você simplesmente aumenta a sensibilidade do sensor, ou se você
for preguiçoso a máquina o aumenta para você (é aquele cabalístico número ISO
que aparece nos menus). Naquele tempo você usava um filme mais sensível (mais “rápido”)
para fotografias em pouca luz, ou um filme menos sensível (mais “lento”), mas
que tinha melhor qualidade de imagem, para fotografias “normais”. Só que, se
estivesse com um filme lento e precisasse fotografar com pouca luz, não
conseguia, e se estivesse com um filme rápido e precisasse de fotografar ao sol
às vezes a máquina não podia dar o ajuste que você queria.
Como não dava para ficar trocando o filme para cada fotografia, quando
você sabia que ia encontrar fotografias tanto em lugares claros como em lugares
escuros a solução era sair com duas máquinas, uma carregada com filme normal e
outra com filme rápido.
Também não existiam essas lentes zoom de hoje, onde você roda um anel e aproxima
e afasta a imagem para enquadrar do jeito que quer. Não, você é quem se
aproximava ou se afastava, fazia o zoom com as pernas em vez de com a lente... As
máquinas mais avançadas podiam trocar de lente, você usava uma objetiva
“normal” para a maioria das fotografias, trocava por uma teleobjetiva para
fotografar coisas mais longe, ou por uma objetiva grande angular para conseguir
mostrar uma paisagem. Mas, claro, também não conseguia trocar essas lentes
muito depressa, então quando queria estar preparado para assuntos que mudassem
rapidamente levava mais uma máquina, ou duas, com objetivas diferentes montadas
em cada uma.
Você também tinha que medir a luz para ajustar a máquina, para cada
fotografia. Não era a máquina quem fazia isso para você, como hoje. Havia uns
aparelhinhos chamados fotômetros, com que você media a luz que iluminava o que
você ia fotografar, e depois ajustava a máquina. Ajuste que, claro, era
diferente para cada filme diferente que você usasse. Com o tempo e muita, muita
prática você acabava aprendendo a olhar para a cena e calcular a luz na cabeça.
E vocês vão me perguntar: porque ter todo esse trabalho de revelar e
ampliar, em vez de simplesmente mandar para a loja?
Por duas razões.
Uma, a menos importante, era o preço. Digo menos importante porque se
fizéssemos a conta do equipamento, do espaço, dos produtos, do tempo gasto, só
para quem tirasse um mundo de fotografias no fim ficaria mais barato do que
mandar para a loja.
A segunda, e principal, era a qualidade. Fazer uma fotografia ampliada
em grande formato para uma exposição nacional ou internacional exigia um
controle de todo o processo que só mesmo fazendo (e sabendo fazer) você mesmo
podia garantir. Naquele tempo não havia photoshop. Não dava para ficar
consertando enganos nem corrigindo luz e enquadramento no computador como hoje.
Quando era tempo de preparar fotografias para entrarem nas seleções para
essas exposições, papai e eu entrávamos no laboratório depois do jantar, ou
durante o dia nos fins de semana, e ficávamos por lá... Às vezes, um dia ou uma
noite inteiros para sair com uma ou duas ampliações da qualidade que ele
queria. Os americanos tinham até um nome para as mulheres dos fotógrafos desse
tipo: “darkroom widows”, ou viúvas das câmaras escuras...
Hoje, refletindo sobre isso, entendo melhor o tamanho da compreensão de
minha mãe. Que, depois, ficava contente também quando chegava a notícia de que
a fotografia tal de papai tinha sido exposta no salão internacional tal em sei
lá qual lugar do mundo (ou, vez por outra, uma das minhas).
Depois apareceram os filmes coloridos de slides que se revelavam por
aqui mesmo, e depois os filmes coloridos negativos e as máquinas de revelação
na hora, que entregavam as fotografias coloridas prontas no papel. E quando me
casei com a Ana e não tive mais a câmara escura em casa, usei muito isso.
Quase todos os meus negativos e slides do tempo de solteiro ficaram na
casa de papai quando me casei. Depois uma infiltração destruiu grande parte dos
arquivos dele. Muitas das minhas fotografias se perderam dessa vez, outras
estão misturadas nas dezenas de milhares das dele, que ele não teve tempo de
separar e classificar totalmente antes de morrer.
Faz um ano e pouco comprei um scanner fotográfico e digitalizei todos os
slides meus e da Ana e os passei para o computador. Agora estou tomando coragem
para fazer a mesma coisa com uma quantidade de negativos, preto e branco e
coloridos.
A fotografia, como se pode esperar, contagiou a mim e meus irmãos.
Enquanto foi possível andar por aí com uma máquina pendurada do pescoço sem
medo dela ser arrancada com um “perdeu, playboy” não me lembro de época de
minha vida em que não carregasse pelo menos uma. Na escola, nos passeios, nas
viagens, no trabalho. No chão, ou abaixo dele, ou dentro de um teco-teco, ou pendurado da porta
de um helicóptero. Como me foram úteis!
Nos tempos de universidade eu suplementava minha mesada fotografando os
jogos dos campeonatos universitários para as publicações do diretório acadêmico
da escola. O dinheirinho que ganhei com isso ajudou a financiar uns passeios à
Serra do Caparaó e ao Pico da Bandeira. Que, por sua vez, produziram alguns
centos de slides muito bonitos que se perderam pelo caminho, fizeram tanto
sucesso que foram emprestados para projeção por amigos e colegas do Foto Clube
de Minas Gerais, e de uma dessas não voltaram mais...
Todos lá em casa pegaram o gosto pela fotografia e um pouco do olho do nosso
pai. Mas quem realmente se apaixonou e se tornou fotógrafo de verdade lá em
casa foi meu irmão Paulo. Hoje, professor de fotografia na Escola de Belas
Artes da UFMG, mestre e doutor em fotografia, é um dos grandes paisagistas
brasileiros.
Meus filhos, também, já carregaram máquinas pelo mundo inteiro, Gosto
muito de ver as fotografias deles. Um deles, parece, puxou mais o olho do avô,
principalmente para fotografias de gente.
Essa história toda, para quem hoje acha perfeitamente natural andar
sempre com um smartphone no bolso e tirar fotos de tudo e colocar na hora nas
redes da internet, deve ter parecido maçante e meio sem sentido. Mas eu lhes
garanto que viver isso tudo valeu muito a pena.
Quando me casei nos mudamos para um apartamento. O mesmo em que estamos
há quarenta e cinco anos. Minha única tristeza em todo esse tempo foi de não
ter podido fazer no apartamento nem uma câmara escura nem uma oficina...
Hoje, com as digitais e os computadores, já não sinto mais falta da
câmara escura. Mas da oficina onde eu cresci e onde aprendi a fazer coisas com
as mãos e a saber como elas são feitas, dessa ainda sinto. Muita.
Eu sou do tempo, Mano Wilson, em que meu pai comprava (acho que eram) chapas de RX, que vinham em vidro grande. E as deixava na banheira lá de casa, não sei se em apenas água pura, para limpar os escuros.
ResponderExcluirNão lembro a finalidade desses vidros. Tenho a impressão que eram para curvar os vidros dos relógios de pulso.
Meu pai foi um batalhador, um inventor, você gostaria de tê-lo conhecido. Digo isto porque todos os que o encontraram nesta vida o estimaram.
Fui amiga de... não posso chamar de rapaz, ele era mais velho que eu. Mas fui amiga dele no jornal e ele trabalhava no laboratório da Fotografia.
Antigamente as fotos traziam esse mistério da revelação. Quantos filmes (de cinema) foram feitos em cima dela?
Lembra de Blow Up?
Dizem que o passado é mais bonito porque nós o editamos. Pode ser que sim. Mas era também mais misterioso e interessante. E como era!
Sobre a foto: gosto muito do disco voador do Niemeyer. Como sempre, ele privilegiou o exterior. Lá dentro é quente (não sei se já instalaram ar condicionado) e as obras, as telas ficavam meio dispersas, sem eira nem beira naquele salão redondo (?).
Eu gostaria que as janelas abrissem para sentir o vento que vem do mar. O tudo fechado não me agrada.
Há também uma certa pobreza braziliense no piso vermelho. Ou havia, não vou lá faz tempo.
Você sabia que na FGV (obra do arquiteto), em Botafogo, havia um corredor que não dava em lugar nenhum?
É uma bela obra o disco voador do Niemeyer. Sempre por fora, como tudo que ele fez com seu gênio criativo. Por dentro, cada um que se vire.
O local é que é privilegiado. Nos meus tempos de Niterói a passeio nas férias, na casa da tia, quando eu chegava para o Natal e lá ficava até fevereiro, eu amava aquilo ali. Ainda que nos dissessem que o mais bonito de Niterói era a vista do Rio. Não era e não é verdade.
Gosto muito de lá. Muito, demais, à beça.
Abraço
Ofelia
Ofélia, me lembro do Blow Up sim. Como não lembrar? Todo o mistério concebido pelo Antonioni em cima de uma fotografia. Muito bom.
ExcluirE concordo com você em gênero, número e grau, sobre o Niemeyer. Eu acho que ele foi mais escultor do que arquiteto. Mas que eacultor!
Gosto de fotografia.
ResponderExcluirAprecio ver as antigas, de 60/70 atrás!
Tenho fotos da minha família da década de vinte, trinta, ainda em perfeitas condições.
No entanto, não tenho talento e vocação para fotografar ou paciência de registrar inúmeros acontecimentos que, se eu tivesse uma câmara na mão, teria sido um sucesso.
Desta forma, aplaudo o presente artigo escrito por ti, Wilson, que tens sido heroico em manter um blog tão distinto como este, e de nos proporcionar um oásis cultural neste país hoje tão conturbado, ainda mais no meu RS e no RJ!
Um forte e fraterno abraço.
Saúde e Paz!
Chico, eu também gosto muito de ver fotografias antigas. Uma das razões para digitalizar meus slides e negativos é para que eles não se percam, quem sabe um dia meus filhos e netos é que estarão olhando para eles como nós olha,os para as de nossos pais e avós...
ExcluirSe você diz que não tem talento para fotografar, em compensação tem de sobra para retratar para nós, escrevendo, as coisas que você não fotografou.
1) Parabéns "retratista" Wilson, era assim que se chamava no meu tempo de criança.
ResponderExcluir2)Aos poucos, por favor, vá nos contando dessas exposições nacionais e internacionais de fotografia que vc e seu pai participaram.
3)Lembro qdo íamos tirar retratos para documentos, na loja havia um armário com várias roupas masculinas e femininas, para a ocasião: paletós, gravatas, vestidos longos para as mulheres etc.
4) Sem esquecer os lambe-lambe nas praças ...
Antonio, as minhas fotografias que foram exibidas nos salões daqui e lá de fora não foram muitas, duas ou três por aqui, uma no Chile, uma na Argentina, e creio que uma delas ainda faz parte da coleção permanente da Universidade de Austin, no Texas, foi selecionada numa troca cultural entre Austin e Belo Horizonte, quando foram declaradas cidades irmãs. Nada de que valha a pena falar, eu era pouco mais que um garoto. Mas meu pai, esse teve durante muitos anos suas fotografias não só exibidas como premiadas em muitos países.
ExcluirAs exposições eram como todas exposições de arte, a Heloísa deve ter vivido o processo muitas vezes com suas belas gravuras: os salões nacionais e internacionais eram organizados pelos Foto Clubes de diferentes cidades do mundo, os fotógrafos mandavam suas fotografias para serem julgadas (geralmente só se podia mandar umas cinco de cada um) e as melhores eram selecionadas para serem exibidas, e entre as exibidas as duas ou três melhores eram premiadas. Era caro, complicado e demorado mandar fotografias ampliadas, cuidadosamente embaladas, pelo correio de um país para outro. Mas era maravilhoso ver estas fotografias ao vivo, dos melhores fotógrafos do mundo, não havia comparação com o vê-las reproduzidas nas revistas. Me lembro de ter assistido a alguns julgamentos no Foto Clube de Minas Gerais. As fotografias eram colocadas uma a uma debaixo de uma iluminação apropriada, e a banca julgadora dava notas sem saber de que fotógrafo eram. Só conseguir que uma fosse exibida já era uma honra, o autor recebia um selinho como comprovante de cada exibição.
E as notícias vinham pelo correio, a gente ficava na expectativa de receber a carta dos organizadores do salão dizendo se alguma fotografia tinha sido aceita ou não.
Me lembro de que havia um salão internacional de fotografia de esportes em Rosário, na Argentina, que era muito reputado. A cada ano eles distribuíam doze prêmios entre os participantes de todo o mundo. Um belo dia eu estava em casa quando tocaram a campainha, era um entregador com uma caixa de papelão endereçada a papai com selos da Argentina. Coloquei a caixa em cima do piano, onde ficou esperando que ele voltasse do trabalho. Quando ele chegou e abriu, tirou de dentro três taças e três medalhas, ele e um colega do Foto Clube tinham ganho metade dos doze prêmios... Quatro eram para ele.
Depois ele foi se desinteressando do Foto Clube, e ficou aí uns quarenta anos sem se envolver com exposições. Quando ele andava pelos noventa anos, o IAB fez uma exposição retrospectiva dele, foi um sucesso. Redescobriram o artista... Aí ainda participou de mais algumas, não mais como concorrente mas como convidado, uma ou duas foram individuais, antes de morrer.
Numa das numerosas entrevistas que fizeram com ele, já com mais de noventa anos, ele disse que "agora fotografo só para mim, só para guardar lembranças". E era verdade, continuava a fotografar, só que agora usando máquinas digitais. E se ocupava em classificar suas dezenas de milhares de fotografias num banco de dados no computador, porque era muito procurado por historiadores, repórteres e arquitetos pela verdadeira história de Belo Horizonte que eram seus trabalhos.
Um abraço.
Wilson, o seu post é um retrato do quanto é bom criar com as mãos – fotografar ou revelar fotografias, pintar o sete ou paredes , fazer talha ou carpintaria , recuperar objetos antigos, ou fazer maquininhas para balançar as banheiras, seja lá o que for. Há uma diferença entre relutantemente fazer reparos nos canos para economizar dinheiro e saborear a experiência de meticulosamente fazer algo bacana para casa da gente. Pegar uma ferramenta familiar é tão bom! O equilíbrio de seu peso na mão parece tão certo. Passar horas num espaço de trabalho – escritório, estúdio, bancada da garagem, por mais simples ou desmantelado que seja , é como estar em um oásis de calma, tomando um copo d’água fresca debaixo de um sol de meio dia . É no ofício que se encontra o foco e mesmo o fluxo . A caneta bic, o teclado, o pincel, a trincha, o cinzel ou a faca, as chaves de fenda, a pá ou o martelo transformam-se quase em extensões da gente. Se tornam mais pessoais do que mesmo os itens que construímos ou criamos. A mente projeta, mas a própria mão sabe. Nos perdemos confortavelmente na experiência física do fazer com as mãos , nas nuances sensoriais, nas associações emocionais, na energia intuitiva. Eu arriscaria que somos mais felizes e saudáveis criando com as mãos.E no entanto vivemos a era do delivery. Tudo dá muito trabalho. Não sei se estou à vontade numa sociedade enamorada pelo entretenimento passivo e virtual na qual cada vez menos gente tem resultados tangíveis de seus esforços. Isso deixa um buraco, eu acho, em como vivemos, em como exercemos as habilidades físicas e criativas inatas que nos tornam humanos. O que tem de errado em fazer coisas úteis? Nossos ancestrais das cavernas criavam coisas a partir de fragmentos de ossos. Nossos cérebros foram treinados para isso, para fazer coisas. Depois tem a continuidade.Um moedor de café - por exemplo - caindo aos pedaços, enferrujado, a madeira da gaveta lascada ,o puxador faltando , a manivela emperrada. Desmontar , polir, lixar,conseguir fazer funcionar de novo o danado me fez tanto bem. Hoje na nossa cozinha temos um pedaço da casa de um bisavô, um sopro de tempos passados e a presença de tantas mãos no desgaste do item.
ResponderExcluirDesculpe se me desviei do tema do seu excelente post, mas foi essa a leitura que fiz dele.
Abração
Não, Moacir, você não se desviou. O post foi mesmo sobre isso. O prazer de transformar uma visão em alguma coisa de concreto. Alguém, já não me lembro quem, comparando a fotografia com a pintura, disse que a diferença entre as duas é que o pintor acrescenta e o fotógrafo retira, na pintura você coloca na tela branca o que você viu, e na fotografia você tira fora o que está em volta do que você viu e os outros não viram. Este "tirar fora" (e não estou falando aqui do photoshop), essa depuração, é que faz a arte na fotografia. Mas que depois tem que ser tornada concreta, seja no papel ou na tela. E o processo de transforma-la em negativo e depois em papel é um pouco como o pintor que antigamente fazia suas próprias tintas antes de pintar o quadro. Como você bem disse, "a mente projeta, mas a própria mão sabe".
ExcluirUm dia, quem sabe, vou escrever sobre o prazer de construir alguma coisa com as próprias mãos. De ver e de usar a coisa concluída. Onde um pouco de sua essência foi transformada de você. Ou de sentir de perto a vida das coisas que outros fizeram, com carinho e competência, e depois usaram com amor e cuidado como o moedor de café dos seus bisavós.
Mas isso... fica para outra conversa :)
Oi, Wilson. Muito bacana seu relato sobre as revelações de retratos. Havia expectativa para aprontar e ver a foto , havia magia e emoção. Lembro das fotos de casamento, demorou um pouco para aprovarmos as cópias, para depois sair o albúm. Gosto muito das fotos antigas, revê-las é sentir e voltar às nossas origens. Parabéns ! Dulce
ResponderExcluirDulce, rever fotos antigas é muitas vezes uma viagem. Pegar naqueles álbuns, ir virando as páginas e vendo cenas de que muitas vezes já nos tínhamos esquecido, momentos, às vezes tão comuns, mas que já foram (e ainda são) tão importantes, lugares que já fizeram parte de nossas vidas, pessoas queridas que já foram antes de nós para o andar de cima e nos deixaram tanto amor na alma, é muito, muito bom.
ExcluirE não é saudosismo, não, é uma reconexão com um passado que é, afinal, de onde nós viemos.
Mano, esqueceu de um terceiro motivo para revelar os filmes e as ampliações em casa: era muito divertido, um encantamento mesmo. Essa mágica que não temos mais hoje.
ResponderExcluirTita, minha irmã mais velha, tinha mesmo. Eu digo isso em algum lugar, só que não como motivo. Era mágico mesmo. Nós nunca vamos esquecer.
ResponderExcluirUm beijo do Mano
Deu saudades da infância, pois ia passar finais de semana na casa de uma tia, onde um primo tinha um studio e o mais importante: a sala escura de revelação... era mágico para uma criança...
ResponderExcluirObrigada por me fazer voltar no tempo
Monica, uma das coisas boas de escrever é descobrir que a gente divide com os outros as mesmas lembranças. Obrigado.
ResponderExcluirMano, maravilha seu texto. Deu uma saudade danada do Papai, ouvi ele em vários dos trechos que você escreveu... Abração, Teko
ResponderExcluirTeko, meu irmão, mestre fotógrafo, que bom que você gostou. O Moacir disse aqui uma vez que as pessoas queridas que vão para o andar de cima antes da gente depois que passa um tempo e a dor diminui elas se encantam e vivem dentro da gente. Nós todos vamos ouvir muitas vezes nas nossas vozes um pouco das vozes do Abà e da Tentém . Graçasa a Deus.
ExcluirEi Mano,
ResponderExcluirQue bom que voce registrou essas lembranças de nossa infância e juventude. As imagens surgindo no ambiente de luz vermelha com aquele cheiro terrível de vinagre do ácido acético são inesquecíveis.
André, meu irmão caçula e meu afilhado, aquela mágica vai ficar conosco a vida toda. Que bom poder fazer vocês se lembrarem dela de novo.
Excluir