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26/11/2016

O Fiozinho

Manivela de soltar pandorga - imagem etsy,com


Francisco Bendl

As minhas tias-avós, que já foi comentado por mim a respeito do quanto elas foram importantes na minha vida, quando nasci em 1950 tinham uma propriedade na praia de Tramandaí, RS, um chalé.

Atualmente esta cidade é o maior balneário do RS, recebendo perto de meio milhão de pessoas no alto da temporada (fevereiro) aos fins de semanas.

Desta forma, eu jamais me considerei um turista ou veranista, a ponto de ao demolirmos a velha casa erguida em 1939, no ano de 1970, foi com a filha do construtor que eu me casei, a professora Marli, a minha amada e pacienciosa esposa de quarenta e seis anos!

Amizades foram sendo formadas ao longo desse tempo, portanto.

Um dos casais muito meu amigo, Hugo era o nome dele, verdadeiro, era um dos mestres em “aprontar”.

Como éramos do mesmo time de vôlei e futebol, jogávamos no terreno ao lado da sua casa diariamente, nas férias de verão. À noite, invariavelmente, nos reuníamos para jogar... PINGA!

Não, não era cachaça, mas o nome de um jogo de cartas, sensacional.
O baralho inteiro, cinquenta e duas cartas, é dividido pelo número de participantes, e dá início aquele que tem o sete de ouro.

O próximo deve continuar jogando se colocar a sequência tanto para cima como para baixo do mesmo naipe. Caso não tenha, ele só pode mudar se colocar outro sete na mesa, e não tendo esta opção, então... PINGA, o valor da moeda estabelecido antes do jogo, claro.

O segredo é a estratégia de segurar uma das cartas chave, que impede o outro jogador seguir adiante.

Bom, apesar de o jogo ser agradável, e tínhamos quarenta anos mais ou menos, queríamos movimento, algo novo, inédito.

Descobrimos que o barbante de soltar pandorga, a tal da fieira, se untada no seu início com parafina - presa na parede de uma casa de madeira, e só de madeira - sendo passada pelo fio no seu início, e não precisa em toda a sua extensão, que deve ter um carretel comprido, reverberava na casa toda, ou seja, prendíamos o fio com percevejo, esticávamos até onde poderíamos nos esconder e... não deixávamos ninguém dormir pelo barulho que as batidas com a mão no fio acarretava na casa onde havia sido fixado!

O som era exatamente o de um violino desafinado, insuportável!!!

Claro que os amigos que desconheciam este segredo guardado a sete chaves eram os alvos, e cenas hilariantes, memoráveis e inesquecíveis foram sendo colecionadas a cada temporada.

Começava assim:
Uma vez a casa sendo escolhida, de madeira, repito, à noite pregávamos o barbante numa das paredes, preferencialmente naquela do quarto, apesar de na sala o barulho ser ouvido, mas no quarto era melhor.

Ao som de violinos desencontrados ou desafinados, a “vítima” e sua esposa ou ao contrário, acordavam e acendiam a luz!

Nesse momento, monitorados que estavam, parávamos com o ruído.

Minutos depois, a luz apagava, dando a entender que nada foi encontrado e o casal voltava a dormir.

Reiniciávamos com o “fiozinho”.

Desta vez não só a luz acendia como a janela do quarto era aberta!
O casal olhava de um lado para outro, para cima e para baixo e, claro, não enxergava o barbante fixado na parede porque era escuro e instalado em local alto, preferencialmente.

Nessas alturas, tínhamos de cuidar as risadas, de modo que elas não acusassem onde estávamos e que eram “amigos” os causadores dos “ruídos misteriosos”.

Na terceira vez, após uma inspeção pela casa, o casal mais os filhos e visitas se tivessem, iam para a rua verificar o que acontecia!

Ouvíamos relatos de RAPOSA saindo correndo, gambá, morcegos, a diversão era extraordinária!

Evidente que  para voltarem a dormir demorava muito mais, então esperávamos por uma oportunidade e íamos embora, rindo pelas ruas o feito realizado.

No dia seguinte visitávamos os vizinhos que, sem perguntarmos nada, comentavam sobre o som estranho na madrugada, e que a casa precisava ou ser desinfetada ou era a madeira “trabalhando” após o sol quente do dia!!!

Houve um episódio que ficará na memória até eu ir desta para melhor (será?):

O “fiozinho” estava sendo usado com perícia e arte, vontade e execução com esmero na casa do meu primo Flávio, às margens da lagoa que circunda uma  parte da cidade litorânea, onde nos encontrávamos bem escondidos atrás de um barco de pesca (canoa) e água pelos joelhos. 
Invariavelmente as reações iniciais eram as mesmas, de acender a luz do quarto, depois saíam da cama e, na terceira vez, abriam a porta da casa e iam para o pátio, tentando identificar o som pavoroso que a parede emanava interessante e curiosamente!

Desta vez, porém, como este primo que tenho é teimoso, uma mula vestida, ele passa a jogar água nas paredes da casa, falando bem alto que o precioso líquido iria “refrigerar” a madeira, parando de fazer o ruído perturbador.

A esposa, atuante, dinâmica - eles eram recém casados, motivo mais do que suficiente para receber o “fiozinho” -, ainda dava palpites onde o Flávio tinha de direcionar a mangueira para umedecer o chalé. 
Diante da demora desta solução encontrada, molhar a casa, sem maiores delongas e perto de onde estávamos e porque era de madrugada, nesse momento quase que mergulhados até a cabeça para não sermos flagrados em pleno crime, a Maria desce o pijama no canto do pátio e.... pspspspspspsp, faz um longo xixi!!!!!

Bom, não havia como segurar as gargalhadas!
Entretanto, quando saímos da lagoa e rindo, com a Maria em dúvida se corria ou levantava o pijama  - a cena era muito divertida -, este casal levou um susto tão grande, que o Flávio só balbuciava que podíamos levar o que quiséssemos, menos agredi-los!!!

Ao se dar por conta que era o “primo” Chicão o autor do espanto com mais dois outros “bandidos”, quem precisou correr fomos nós, ameaçados de morte com o Flávio berrando que iria buscar o revólver!!!

O almoço de domingo na minha casa de praia com a presença do primo foi antológico. 
As gargalhadas ecoavam pela rua. 
A “prima” em princípio não tinha cara de quem havia aprovado a brincadeira, mas depois dos detalhes sendo contados de um  lado e do outro, a Maria posteriormente passou a fazer parte do time do “fiozinho”, e nos levou a incomodar alguns parentes até mesmo em cidades perto de Tramandaí!

Um dos últimos fiozinhos que fizemos foi na casa do Antônio – teu xará, Rocha -, que jurou por muitos meses que a sua residência sofrera um “despacho”, e espíritos malignos a tinham habitado!

Custou acreditar que o “fenômeno” era causado por um barbante e parafina, meses depois quando lhe revelamos a origem das “almas penadas”.


Quem estiver interessado em se divertir, compra barbante de soltar pandorga, parafina, e conforme o fio vai sendo passado pelo produto – parece um pedaço de vela -, o som que por ele é conduzido preso por um percevejo quando chega na casa escolhida aumenta dezenas de vezes, imitando violinos desafinados ou acordes de quem pela primeira vez usa o instrumento, portanto, UMA TORTURA CHINESA, MAS ALTAMENTE DIVERTIDA e sem vítimas!!!

8 comentários:

  1. Chicão, Chicão, pelo seu post da Tríplice Coroa já sabíamos que você era impossível desde criança, mas com este agora vemos que depois de crescido não mudou nada :)
    Conte mais, você deve ter muitas mais histórias interessantes!

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  2. Francisco Bendl26/11/2016, 18:34

    Caro amigo Wilson,

    Mudei, sim, pois a idade atual me limita os movimentos, a agilidade, até mesmo a vontade.

    Apesar de a mente estar animada ainda, o corpo não a obedece, então de modo a evitar sérios conflitos comigo mesmo estou mais acomodado, me lembrando de algumas passagens hilariantes e que tanto me divertiram, assim como alguns amigos meus.

    Grato pelo comentário.

    Um forte abraço.
    Saúde e Paz!

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    1. Francisco Bendl,
      Voce é um alegre e incorrigível gurizão! Como se diz na minha terra, benza Deus prá num apanhar quebranto!
      Até outras peripécias.

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    2. Francisco Bendl27/11/2016, 15:59

      Aninha,

      Muito obrigado pelo comentário, mas a vida também seus momentos de desconcentração, de relaxamento, e de podermos dar algumas risadas por que não?!

      Um abraço forte e respeitoso.
      Saúde e Paz!

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  3. 1) Fiozinho bem divertido.

    2)O Bendl brincalhão, usava a criatividade juvenil e aprontava... apareceu até um xará meu ...

    3) É isso aí, viver é uma grande descoberta, com alegria saudável, melhor ainda !

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    1. Francisco Bendl27/11/2016, 16:01

      Rocha, meu caro,

      A vida precisa ser aproveitada quando temos condições, independente do aspecto financeiro, pois com este eu sempre tive "mágoas".

      Grato pelas palavras.

      Um abraço forte e fraterno.
      Saúde e Paz!

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  4. Moacir Pimentel27/11/2016, 19:53

    Chicão, meu amigo, devo confessar que com certeza aprontei muitas presepadas como o seu Fiozinho. Mas o ímpeto juvenil e brincalhão não se prolongou até os meus quarenta anos. Fico aqui matutando com os meus botões se, por acaso, algum dos infelizes veranistas acordados de madrugada pelos "violinos" não lhe deu o troco, fazendo-o também se divertir às gargalhadas com alguma outra criativa "pegadinha"?
    Abração

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  5. Francisco Bendl28/11/2016, 07:55

    Moacir, meu caro,

    A minha casa na praia naquela época era de alvenaria, portanto, o fiozinho não me alcançava.

    E eu nunca fui alvo de alguma pegadinha, mas não sei explicar as razões desta decisão por parte de amigos e conhecidos.

    Na verdade já sofri alguns micos, e um deles foi quanto eu tinha mais ou menos trinta, trinta e um, já casado, reunimos um grupo para cantar uma serenata para um de nossos amigos, solteiro, que estava querendo namorar uma guria pela qual havia se encantado.

    Com as devidas licenças das esposas, em face da tarefa "nobre" que nos esperava, fomos em dez ou doze à casa da dita moça em torno de meia noite, mais ou menos.

    Violões preparados, vozes afinadas, eu fazia a percussão com um molho de chaves que carregava, ao som de alguns acordes ouvimos algo que não constava no "conjunto", que não havia um instrumento com aquela característica.

    O pai da "donzela" p... da vida porque tina sido acordado, chamou a polícia, que veio de sirene ligada!

    Resultado:
    TODOS PARA A DELEGACIA, explicar para o delegado que as intenções eram "românticas" e não com o intuito de perturbar o sossego e ordem públicas!

    Um abraço, Moacir.
    Saúde e Paz!

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