Moacir Pimentel
A descoberta de duas novas esculturas de um dos maiores artistas da
história foi um tsunami nas artes em 2015. As obras transformaram Cambridge -
onde as estátuas estavam emprestadas por um proprietário privado anônimo ao
Museu Fitzwilliam - no centro do mundo por alguns dias.
Também chamadas de Bronzes Rothschild, são um par de esculturas do século
XVI, cada uma representando um homem nu cavalgando uma pantera e levantando o
braço em triunfo, um jovem e outro mais velho e medindo ambos cerca de um metro
de altura.
Pode parecer a você que essas imagens de homens e panteras sejam um
tanto surreais, para não dizer doidas de pedra. Na verdade elas não são tão
incomuns assim. São típicas nas representações de Baco, o deus romano do vinho
e da intoxicação, e nas de Dionísio, o Baco grego. Muitos antigos mosaicos e
esculturas mostram o fenômeno.
As esculturas pertenceram anteriormente ao Barão Adolphe de Rothschild e
foram exibidas em 1878 como obras de Michelangelo, embora essa atribuição tenha
sido refutada.
Quando o neto do barão - chama-se Maurice de Rothschild -morreu em 1957, as
esculturas foram compradas por um colecionador francês. Ao longo dos anos elas
foram atribuídas a outros artistas - inclusos Tiziano Aspetti, Jacopo Sansovino
e Benvenuto Cellini - ou aos seus respectivos círculos.
Em 2002 as esculturas foram novamente vendidas, dessa feita a um colecionador
britânico e atribuídas vagamente a Cellini. Mais recentemente se pensou que os bronzes
seriam da autoria de Willem Van Danielsz Tetrode, um artista holandês que
trabalhou em Florença na metade do século XVI.
Em 2012 os bronzes foram expostos como trabalhos de alunos de Michelangelo,
em uma coletânea de bronzes na Real Academia de Artes, em Londres. Na
oportunidade diversos especialistas se recusaram a atribuí-las diretamente ao
Mestre.
E então, inesperadamente, em fevereiro de 2015, uma equipe de especialistas
de Cambridge anunciou que as estátuas eram sim obras de Michelangelo. A
possibilidade dessas obras serem dele deixou o mundinho das artes em
polvorosa porque não são conhecidos outros bronzes do gênio do Renascimento.
Mas os especialistas estão certos quando atribuem as esculturas a
Michelangelo ou estariam eles empolgados por demais? O que torna esses objetos
tão especiais e porque estão dizendo que eles dão testemunho de Michelangelo no
seu melhor?
Michelangelo viveu como um herói e fez uma arte colossal. Desafiou
papas, lutou pela liberdade da República florentina e esculpiu e pintou em uma
escala estupenda. Ele criou o seu gigantesco Davi aos trinta anos e quando
morreu, perto dos noventa, estava trabalhando na cúpula de São Pedro.
Muitos especialistas desmerecem as estátuas dizendo que os bronzes são ornamentais,
bobices decorativas, muito abaixo do nível dos trabalhos habituais do artista. Já
li por ai que Michelangelo teria se sentido até mesmo ofendido se tivessem lhe
encomendado mesmo esse par de homens pelados parecendo meio tolos em cima desses
gatos selvagens.
Talvez a pouca qualidade dos felinos estáticos, dessas duas panteras desinteressantes, seja um indício da falta de interesse de Michelangelo na
encomenda, um sinal de que o gênio trabalhou entediado nas esculturas dos dois
animais. Porque quanto às figuras humanas não tenho dúvidas de que foram sim
feitas por Michelangelo.
Os corpos dos homens nus são verdadeiramente dignos dele. Na Renascença os escultores
que reimaginaram a carne humana com o metal verde-marrom retrataram a nudez de
maneira suave. Os músculos ondulantes e os abaulamentos das anatomias desses
dois homens de Michelangelo são difíceis de modelar e reais e totalmente
diferentes do que esculpia qualquer outro artista contemporâneo dele.
Para Michelangelo o corpo masculino sempre foi a maravilha das maravilhas.
A partir da sua primeira obra-prima, uma cena de carnes contorcidas criada quando
ele ainda era um adolescente, em 1492, e chamada de Batalha dos Centauros, até a
sua tardia Pietá cujas figuras são estioladas à abstração, ele lutou com os
corpos que fez, se esforçando para dotar a todos de nervos e sangue e beleza.
As costas das figuras de Michelangelo, por exemplo, são inigualáveis.
A Batalha dos Centauros tem que ser observada por aqueles que desejam
entender a anatomia de qualquer outra figura michelangelina. Tal obra
pressagiou a direção futura da escultura multidimensional de Michelangelo e foi
ela a primeira escultura que Michelangelo deixou inacabada com as marcas do
cinzel e não como uma superfície lisa, sendo que ele fez isso como um elemento
composicional consciente e não devido à falta de tempo. A técnica passou a ser
conhecida por “non finito”.
A Batalha que serviu de tema desse trabalho juvenil do artista era
percebida pelos escultores gregos da escola de Fídias como símbolo do grande
conflito entre a ordem e o caos e, mais especificamente, entre os gregos
civilizados e os bárbaros.
Muitas batalhas entre os Lápidas e os Centauros foram retratadas nos frisos
esculpidos no Parthenon e no templo de Zeus em Olímpia. Na obra de Michelangelo
o que se vê, é o triunfo da pedra sobre a carne, num relevo que é uma massa de
figuras nuas, contorcendo-se em combate.
Em vez de trabalhar em planos distintos e paralelos como seus antecessores
tinham feito, Michelangelo esculpiu suas figuras de forma dinâmica, dentro de planos
infinitos. Particularmente notável é a composição dos membros superiores das
figuras, que se afastam das normas cuidadosamente articuladas.
Foi ainda neste trabalho que Michelangelo começou a esculpir
independentemente de seus desenhos preparatórios, libertando-se das limitações
da visão bidimensional e permitindo-se fundir as figuras de forma fluida e multidimensional.
A segunda foto, na montagem acima, merece destaque. Michelangelo também trabalhou
noutra batalha - a de Cascina - só que imaginou, entre tantas outras
possibilidades, retratar o conflito com uma cena cheia de soldados nus que tentavam
sair do rio Arno.
Explico: os dois grandes gênios do
Renascimento, Leonardo e Michelangelo, em abril de 1503 receberam a tarefa de
afrescar as paredes laterais do Salone dei Cinquecento do Palazzo Vecchio de
Florença. Ambos teriam que desenhar uma batalha: Leonardo faria a Batalha de Anghiari
e Michelangelo a de Cascina, aquela que os florentinos lutaram contra os de
Pisa no ano de 1364, tendo Florença dela saído vitoriosa.
O
afresco de Michelangelo nunca foi executado - provavelmente por questões
políticas - mas o artista chegou a fazer os desenhos iniciais da Batalha de
Cascina os quais, infelizmente, foram perdidos. Porém um de seus alunos,
Aristóteles Sangallo, copiou os desenhos originais e hoje podemos ter uma ideia
de como seria o afresco.
Michelangelo
planejou pintar exatamente o momento no qual os soldados fiorentinos começavam
a banhar-se no Rio Arno e as trombetas tocaram avisando que as tropas de Pisa
estavam atacando. Ao emergir do rio e vestir suas armaduras os soldados
de Florença foram cercados. Vários soldados olham ou apontam, um deles é
aparentemente ferido e cai novamente no rio, enquanto outros saltam
energicamente para a ação. O episódio escolhido permitiu a Michelangelo
explorar uma grande variedade de posições do corpo humano.
Tudo isso resultou nos músculos e costelas e ombros e pescoços pulsando de
tensão desses homens de bronze montados nessas desorientadas panteras.
Quando Michelangelo modelou os cavaleiros de metal, provavelmente em 1506,
tinha acabado de idealizar e desenhar os esboços da Batalha de Cascina.
Portanto as poses extenuantes desses dois nus de bronze, levantando os braços
em triunfo e flexionando pernas e flancos, nasceram do drama desses outros nus
poderosos em batalha corporal. Fica mais fácil, sabendo disso, entender os bizarros
bronzes e a anatomia surpreendente dos personagens de Michelangelo.
A Renascença tentou restaurar a perfeição clássica da Roma antiga. No
entanto, nestas duas batalhas Michelangelo rejeitou a graciosidade calmante do
classicismo. Estes nus são anticlássicos e chegam mesmo a ser desajeitados. A
estranha justaposição de homens e animais é própria desse novo estilo dinâmico,
dessa estranheza deliberada que transformou e liberou a arte europeia dos
clássicos e se tornaria conhecida como maneirismo. Não é nenhum exagero dizer
que nestas duas obras de Michelangelo o maneirismo nasceu.
Michelangelo foi um artista desconcertante mas não indecifrável. Eu entendo
esses heróis montados em panteras como produtos da imaginação do artista, como
flashes de um mito: os homens selvagens sem noção de pecado. Talvez ele
estivesse mesmo pensando nas histórias sobre os índios nativos do Novo Mundo.
Estranhas como são, essas obras de arte tão originais apenas adicionam mais
uma pitada de desconforto na quota já elevada de Michelangelo. Os cavaleiros
cavalgando panteras são oriundos de sua mente escura e erótica e melancólica.
Eles são curiosidades da carne criadas por um dos artistas mais inflexíveis que
já viveram.
Não é possível, sejamos francos, contemplar esses bronzes de Michelangelo,
sem especular sobre a sexualidade do artista. Nós sabemos que ele jamais se
casou e que sobre ele houve sim rumores de “sodomia”.
A biografia e a tradução dos poemas do artista feitas por John Addington
Symonds procuraram corrigir a supressão da homossexualidade de Michelangelo - que
foi um aspecto fundamental de sua arte – das duas biografias publicadas
enquanto Michelanglo era vivo: a de Giorgio Vasari em 1550 e a de Ascanio
Condivi em 1555 a qual - dizem as más línguas - Michelangelo ditou praticamente
toda para o biógrafo, garantindo ter observado a castidade ao longo da vida.
Na verdade, Michelangelo teve a ousadia de declarar nas tintas, mármores e versos o seu amor por
homens. A paixão do
artista pelo corpo masculino está claramente cinzelada nesses dois guerreiros e
a pesquisa realizada pelos profissionais britânicos quanto a autoria dos
bronzes revela, entre muito mais, que o trabalho figural de Michelangelo na escultura e desenho das três últimas
décadas de sua vida teve caráter privado e pessoal.
É o caso da Pietà de Florença e da Pietà Rondanini, ambas as obras projetadas
para o próprio túmulo do artista. E de uma série de desenhos que Michelangelo fez
para um amigo íntimo. Tais obras de arte desconhecidas, muito mais do que as
obras feitas para exibição pública, nos dão a visão da sua vida afetiva e
erótica.
As dezenas de cartas de e para Michelangelo mostram que ele era um
correspondente prodigioso e, como se não bastasse, ele também foi o autor de mais
de trezentos poemas sobreviventes. Tudo isso tornou possível desenhar um
retrato da psique complexa de Michelangelo.
Os três corpos separados de evidências e provas – cartas e poemas e obras -
demonstram que os anexos eróticos e emocionais que Michelangelo experimentou foram
limitados a outros homens sendo historicamente legítimo discutir a
personalidade de Michelangelo como a de um homem cuja imaginação erótica foi fortemente
orientada para escolhas do sexo masculino, pouco importando para o entendimento
de sua arte se Michelangelo foi ou não foi às vias de fato.
A beleza física de muitos de seus nus masculinos monumentais, como o David,
o Adão, os Cristos do Juízo Final e da Minerva, os nus masculinos decorativos -
os Ignudi - no teto da Capela Sistina, dão uma indicação clara de onde os interesses
eróticos de Michelangelo moravam.
A enxurrada de críticas puritanas que eclodiram após a conclusão do Juízo
Final em 1541 insinuam a percepção por parte da Igreja e da sociedade romana de
conteúdo homoerótico nos afrescos, mas nenhuma declaração explícita nesse
sentido veio à luz.
Embora o artista fosse espinhoso e argumentativo na sua vida profissional,
a sua correspondência pessoal mostra um homem amoroso, solícito, e compassivo para
com aqueles de quem ele gostava: pai, irmãos, alunos e servos.
Mas, começando na década de 1530 e continuando por mais de trinta anos e até
o final de sua vida, também se encontram em suas cartas intensos sentimentos
experimentados ou direcionados ao nobre romano Tommaso dei Cavalieri, sem
quaisquer dúvidas o objeto das maiores expressões de amor de Michelangelo.
Porém é a fidelidade de Michelangelo, durante sua longa e fértil vida
artística de mais de setenta e cinco anos, ao macho heróico e épico e nu como o
eterno tema central de sua imaginação visual e de seus trabalhos, o sinal mais
seguro de sua orientação homossexual.
Portanto os bronzes do mais conhecido escultor em mármore do mundo não
surpreendem pelo erotismo, mas porque se acreditava que nenhuma de suas
esculturas nesse metal tivesse sobrevivido até os dias atuais. Os pequenos
cavaleiros de bronze são únicos, tendo o restante das obras em bronze de
Michelangelo se perdido, sido derretido ou quebrado.
A atribuição tem sido emocionante exatamente porque determinou uma
vastíssima pesquisa que está trazendo à luz detalhes que até então muitos desconheciam
sobre Michelangelo: ele esteve sim associado ao bronze assim como ao mármore
habitual.
Surgiram pegadas de obras importantes do artista como, por exemplo, de um
Davi um pouco menor que o tamanho natural encomendado por um poderoso francês e
perdido durante a Revolução Francesa e uma estátua espetacular do Papa Júlio II
que supostamente foi derretida por tropas bolonhesas rebeldes para lhes servir
de artilharia.
O importante é que, após séculos definhando na obscuridade, as duas
esculturas de bronze foram submetidas a uma investigação rigorosa, a vários
exames tecnológicos - entre eles uma varredura de nêutrons, realizada na Suíça
- que dataram os bronzes: primeira
década do século XV. Foram feitas análises forenses minuciosas e estudos
anatômicos.
Contribuíram e muito para resolver o mistério o estudo detalhado dos países
baixos dos dois guerreiros pois os seus umbigos e pelos púbicos e órgãos
genitais são evidências de que os cavaleiros são irmãos legítimos de outras esculturas
do grande artista renascentista.
Os especialistas de Cambridge rastrearam cada desenho que Michelangelo já
tinha produzido. Os museus britânicos possuiam esboços de homens nus nas mesmas
poses dos bronzes que mostraram as mesmas peculiaridades anatômicas.
O fato é que nenhum outro artista vivo no momento da criação das esculturas
de bronze teria conhecimento anatômico e de modelagem ou capacidade técnica
suficiente para retratar com tamanho detalhismo músculos masculinos criando corpos
tão perfeitos.
Um anatomista clínico da Universidade de Warwick, o Professor Peter
Abrahams, atestou que os bronzes refletem um profundo conhecimento de anatomia
que só Michelangelo e Leonardo possuíam à época, pois então apenas os dois
artistas dissecavam corpos humanos.
O especialista analisou cada detalhe anatômico dos cavaleiros de bronze e
nos garante que mesmo os tendões fibulares são visíveis e que são perfeitos até
os arcos dos pés. Só poderia ter inventado tal anatomia alguém que tivesse um
profundo interesse no corpo masculino.
A evidência pictórica também é abundante, com os nus de Michelangelo na
Capela Sistina, tão claramente semelhantes aos Bronzes Rothschild, testemunhando
a favor da atribuição.
Não é brincadeira se atribuir a Michelangelo seja lá lá o que for.
A cada ano ou dois, alguém aparece com uma nova pintura ou escultura
supostamente do artista e, na quase totalidade das vezes, trata-se de fantasia
ou má fé. Dessa vez é diferente.
A atual atribuição desses bronzes ao Mestre Michelangelo di Ludovico
Buonarroti Simoni, se fundamenta também em outros esboços feitos por
Michelangelo nos anos de 1503 e 1504, que mostram a tendência do artista para
fazer aquelas barrigas hoje chamadas de “tanquinho” e para exagerar nos sulcos entre
as costelas e os músculos abdominais e peitorais.
Outro famoso esboço, elaborado entre os anos de 1504 e 1505 na Casa
Buonarroti em Florença, ecoa as costas das figuras de bronze e seus poderosos braços
ergidos.
Porém... nenhuma dessas ululantes evidências teria em si ou no conjunto da
obra justificado a atribuição dos bronzes a Michelangelo se um estudioso das
artes não tivesse linkado os cavaleiros a uma prova irrefutável da autoria
pretendida.
Paul Joannides, um professor emérito de História das Artes da Universidade
de Cambridge percebeu ao estudar as estátuas que elas se assemelhavam a um
desenho feito por um dos aprendizes de Michelangelo que faz parte do acervo do
Museu Fabre, em Montipellier.
Trata-se de uma cópia fiel feita por um aprendiz, no estúdio do Mestre, de um
esboço assinado por Michelangelo. É apenas um pequeno rabisco no canto de uma
folha de desenho, mas retrata um jovem bem forte e feito montado sobre uma
pantera, numa posição idêntica às dos bronzes.
Os aprendizes do século XVI eram treinados para copiar os desenhos que seu
professor tinha esboçado enquanto se preparava para fazer pinturas e
esculturas. De aprendizes não se esperava que criassem seus desenhos mas que copiassem
aqueles feitos por seus mestres como parte de seu aprendizado.
Ao esboço do aluno se somaram outros elementos comprobatórios. O Museu
Albertina de Viena possui um conjunto de esboços de felinos - gatos, leões e
panteras – feitos por Michelangelo, na primeira década do século XVI.
O Mestre e seu círculo de discípulos eram conhecidos pelo interesse em
grandes felinos.
Foi a reprodução desse esboço original de Michelangelo de um jovem montado
sobre uma pantera o argumento que convenceu os doutos, além de qualquer sombra
de dúvida, de que os bronzes foram feitos por Michelangelo aos trinta anos, entre
1504 e 1508, quando ele ainda estava com fome de sucesso.
O desenho do aprendiz é datado de 1508 e nele os pesquisadores dizem ter visualizado
as mesmas linhas abruptas e enérgicas de outros esboços que Michelangelo fez em
projetos para outras esculturas.
Esses rabiscos são a prova cabal de que o grande mestre gênio renascentista
fez esboços para uma escultura de um homem nu montado em uma pantera, logo
depois de ter finalizado a famosa estátua de mármore de David e meses antes de
ter iniciado os afrescos no teto da Capela Sistina, em Roma. O pequeno rascunho
foi a base dos dois cavaleiros de bronze de Michelangelo. O elo perdido fora
encontrado.
Mesmo antes de serem atribuídos a Michelangelo os cavaleiros de bronze
florentinos valiam uma fortuna, tendo sido vendidos para um colecionador
particular anônimo por quase dois milhões de libras em um leilão da Sotheby de
2002. Hoje, seu valor é impossível de quantificar mesmo que o debate da atribuição
perdure anos a fio.
É claro que as esculturas são obras primas, que a modelagem é excelente,
que tudo leva a crer que os bronzes sejam da lavra de Michelangelo, mas há que
se proceder com cautela nessa atribuição.
Um historiador das artes tem que ser muito corajoso para sequer cogitar que
mesmo maravilhas como essas poderiam ser obra de um artista da magnificência e
fama e importância de Michelangelo. Ninguém vai arriscar a biografia e o ganha
pão em fantasias para depois ficar com cara de idiota diante do mundo. E os
profissionais da academia britânica não têm nada de tolos.
A essa altura do
post eu não tenho dúvidas de que os nus são obras de Michelangelo, mas confesso
que tenho minhas reservas sobre os animais. Há uma tese acadêmica, para lá de
hipotética, que cogita se as
panteras não teriam sido desenhadas
e modeladas, a posteriori, por outro
artista , para acomodar os guerreiros .
Explico: cada
cavaleiro e sua respectiva montaria não são
um bloco de bronze uno e sólido. Foram modelados em separado para depois
serem encaixados.
A hipótese levantada
em Oxford é que os guerreiros poderiam ter sido originalmente destinados a
segurar armas em um conjunto escultório não identificado, talvez um túmulo. E
que, por alguma razão desconhecida, decidiu-se utilizar as figuras já modeladas
dos cavaleiros para criar um par de esculturas de bronze com conotações
báquicas. E então outro escultor teria inventado as panteras.
As questões
levantadas pelos professores oxfordianos são interessantes e pertinentes e têm
a ver com a estrutura básica das estátuas. Parece-me importante saber, por
exemplo, se o bronze das panteras é o
mesmo dos bacantes e a mesma coisa com relação às hastes usadas para inserir as
figuras humanas nas costas dos felinos.
É claro que uma
teoria de que os nus masculinos originalmente carregavam armas ou bandeiras ou
que cavalgavam outros animais que não as panteras tornaria inválida como prova a descoberta do desenho
que mostra um cavaleiro montado em uma
pantera, ou em um leão , ou seja lá o que forem tais animais, além
dos aspectos menos convincentes das esculturas.
Tudo isso vai,
certamente, ser debatido exaustivamente por ainda muito tempo. Porém uma coisa
é certa: a equipe que fez o anúncio da
atribuição dos bronzes a Michelangelo, formada por eméritos professores,
cientistas, historiadores da arte e anatomistas da Universidade de Cambridge e
do Fitzwilliam – o museu de arte e antiguidades da universidade – sabem do que
estão falando e acreditam honestamente que os bronzes têm a grife do mais famoso artista que já viveu.
Moacir, já lhe disse que não entendo muito de arte e que o pouco que sei aprendi nas Conversas do Mano. O que posso lhe dizer é que dispensava as panteras e levava um dos cavaleiros pra casa kkkkkk
ResponderExcluirMônica,que bom que as conversas de arte encontram eco em você. Mas quem levar esse cavaleiro pra casa precisará desembolsar incalculáveis milhões de $ (rsrs). Obrigado pela leitura e comentários.
ExcluirMoacir,
ResponderExcluirEu não tinha conhecimento de nada disso. Nunca tinha ouvido falar dos bronzes ou das batalhas. Menos ainda da homossexualidade do artista. Realmente os homens são muito mais perfeitos que os animais e as fotos mais do que demonstram que Michelangelo foi o autor desses corpos perfeitos. Esse seu artigo é uma aula de arte. Meus parabéns! Aproveito para lembrar do Cristo Salvador do Mundo. Fica a sugestão ( não é cobrança ) e um abraço
Cara Flávia, vou tentar escrever sobre o Cristo atribuído a Leonardo. Tenho outros artigos já engatilhados que preciso concluir mas prometo conversar sobre a controversa pintura assim que me for possível.Outro abraço para você e grato pelas sugestão e leitura.
ExcluirMoacir,
ResponderExcluirMichelangelo ou não, não gosto do bronze. É escuro, meus olhos não encontram a sintonia fina do detalhe. Não me apraz olhar, ainda que seja o cavaleiro mais belo do mundo.
E sim, parece dois mundos. O do escultor da pantera e o do cavaleiro.
O desenho elimina essa dúvida.
O corpo humano ganha disparado de qualquer outra figura. Daí a relevância que damos a ele e ao pressuposto escultor. Que tudo leva a crer ser o mesmo.
Abraço
Ofelia
Ofélia, eu lembro que você comentou lá atrás no post do Bernini que quando da exposição dos bronzes de Rodin-Camille Claudel não gostara das esculturas em material escuro porque "nelas se perdiam detalhes que gostaria de perceber. Eu, em vez, muito aprecio os trabalhos de Rodin que só teve um Big Bang criativo quando criou praí umas 200 figurinhas no seu Portão do Inferno e depois passou o resto da vida refazendo-as, transformando-as em gente grande, de cabeça para baixo, de lado, sozinhas , separadas, aos pedaços, como Francescas e Danaes e a Terra e a Lua e Primaveras e por aí vai. Os bronzes dele , sob a luz do sol de Paris , nos jardins do museu Rodin , são puro deslumbramento e têm uma força, um calor que, em contraste, tornam fantasmagóricos os esplêndidos mármores brancos.Você, na oportunidade, nos disse que não quis levar um souvenir da Camille para casa.E de repente me bateu uma vontade de "conversar" não tanto sobre os bronzes de Michelangelo ou dos mármores e fragmentos de Rodin ou dos trabalhos comoventes da escultora , mas do amor desvairado que O Pensador e A Suplicante viveram. Foram incontáveis as namoradas do artista mas dentre tantas paixões, só os sentimentos que ele experimentou por Camille encontraram o caminho até a arte dele pois ali naquele estúdio se encararam e descobriram não apenas dois amantes , ou o professor e a aluna e modelo , mas dois grandes artistas. Como resultado o que ficou do amor foi um fascinante diálogo entre os trabalhos dos dois expressando-lhes a dor e a paixão, o céu e inferno.Talvez Camille Claudel tivesse mais talento que Rodin, se é que talento possa ser mesurado. Mas ele sufocou-a, ao fim e ao cabo. E representou o silêncio dela magistralmente, em mármore , numa alva escultura chamada : Adeus
Excluirhttps://pbs.twimg.com/media/Cb_kXQ9W4AA-yPJ.jpg
Abraço
Te adoro, Moacir.
ExcluirPara sempre.
Abração
Ofelia
Olá, Moacir. Isso não é uma aula, é uma verdadeira pós-graduação. Por tudo que você escreveu das buscas do verdadeiro autor das duas esculturas, parece-me que a que admite ser somente os homens de autoria de Micheangelo e as panteras de outro artista a mais aceitável , pois eles têm todas as características idênticas a outras esculturas . As panteras parecem como refletidas no espelho e sem nenhum movimento. O certo é que assumir a responsabilidade de comprovar o autor é bem arriscado e ao mesmo tempo estimulante o processo do estudo, e isso levará tempo e vai valorIzar cada vez mais as obras, o dono delas é o único que se beneficiará. Gostei muito dos soldados saindo o rio Arno e o relato sobre a obra. Parabéns pela aula maravilhosa, assim continuo aprendendo um pouco mais sobre Micheangelo . Abraços
ResponderExcluirDulce, minha amiga,eu pensei exatamente como você da primeira vez que olhei para essas panteras meio desorientadas: que eram estáticas e exatos reflexos num espelho.Digamos que dois trabalhos oriundos de um mesmo molde, de um mesmo esboço reaproveitados , fato que enfatizaria ainda mais o descaso do escultor por esses animais tão pouco convincentes. Mas não. As duas panteras são diversas. Na foto que abre o post pode-se perceber isso no ângulo da cabeça da pantera à direita , mais pronunciado para o mesmo lado , enquanto que a cabeça da sua companheira na falta de rumo , foi moldada mais para baixo. E sim continuemos aprendizes! Muito obrigado e abraços para você também.
Excluir1) Possível anúncio:
ResponderExcluir2) O blog "Conversas do Mano" proporciona a vc, inteiramente grátis, um "Curso Completo de Artes Plásticas" com o conceituado Crítico de Arte Moacir Pimentel.
3) Não perca. Aprimore os seus conhecimentos. A arte de apreciar o Belo.Bom gosto é aqui !
Olá Antônio,
ExcluirQue comentário fantástico! O melhor da semana!
Até mais.
Ao vizinho Antônio e à prezada Donana ,aconselho mudar um tantinho o tal do anúncio, para que o Mano não cometa propaganda enganosa: com o crítico AMADOR de arte Moacir Pimentel.
ExcluirAbraços
Pimentel,
ResponderExcluirApós um artigo mundano, nada como outro de elevado nível cultural e informativo, ao mesmo tempo.
Trata-se se mais um texto de tua autoria que considero brilhante, uma escultura literária, que salta aos olhos a beleza e a harmonia das palavras empregadas para explicarem as peças elaboradas pelo genial e único Michelangelo, um dos maiores artistas da História da Humanidade!
Este blog extraordinário do Mano, notabiliza-se pelas suas publicações:
Artigos que se referem à vida conjugal e este, que nos eleva o espírito para viajar no tempo e constatar que, mesmo sem as condições técnicas de hoje, o célebre pintor e escultor era indescritível na sua arte, na sua virtuose, na sua capacidade mental e habilidade ímpar no manejo dos cinzéis e pincéis!
Minha reverência, Pimentel, à tua cultura e dom literário, que nos enebriam e impulsionam para bradarmos, BRAVO, BRAVO!
Chicão, depois de agradecer-lhe pelas palavras generosas confesso que eu sempre "me espanto" com o que me parece ser um completa falta de noção da sua parte DO QUANTO VOCÊ ESCREVE BEM.A SUA capacidade de escrever bem é um dom, um talento nascido das suas sinapses , da sua disposição, da sua experiência e do seu compromisso com as pretinhas. Eu sempre digo que escrevo para pensar melhor e muitos se surpreendem. Não sei porque a surpresa já que as palavras que usamos para escrever são as mesmas palavras que usamos para pensar, para tecer fatos aparentemente não relacionados em um todo coerente. Discordo dos pessimistas que falam da morte da palavra impressa, pois a realidade nos indica o contrário: nunca se escreveu tanto neste mundo ou foi tão importante o ler e o escrever. Você que é um dos raros homus scribus que escreve bem, então e por favor e mais uma vez, jamais desista de alcançar aqueles que estão ao seu redor e de compartilhar com eles o seu imenso talento, para que possamos aprender de você e com você.
ExcluirAbração
á Moacir,
ResponderExcluirQue aula...
Depois de perdida a inocência do primeiro olhar que, para mim , é o maravilhamento como já te disse, o outro olhar é para o descobrimento. E que descobrimento foi esse! Muito sobre Michelangelo, os bronzes, que como a Ofélia não sou muito chegada, o processo , seus embates, seus motivos, o caráter espinhoso e compassivo, sua vida. É muita História em muitas vertentes.
Maravilhoso como voce descreve empolgado os sulcos entre as costelas e a "barriga de tanquinho". Voce diz dos "nervos, sangue e beleza",e as "costas inigualáveis". Aí, eu me lembrei de quando meu primeiro neto era bem pequeno (meses) e magrinho, e eu ficava encantada com suas costinhas tão fortes quando ele se erguia se segurando nos meus dedos. Eram músculos tão pequeninos, tão desenhados e tão competentes! (Acho que mais lindos que os de Michelangelo...) Escrevi sobre ele:...Seu corpo em arco tem a força do desejo...
Gostei também da exploração do homo erotismo de Michelangelo. É um aspecto de sua vida que a gente percebe, desconfia, mas não se fia. Tanto mais por não se achar nada sobre.
E o trabalho enorme e minucioso que é a pesquisa da atribuição, que voce disse, vem trazendo detalhes até então desconhecidos.
Tudo muito bom. Fica uma vontade de conversar sobre cada parágrafo!
Você tem a alegria do saber e o talento nas escrituras. Sabichão.
Mas que foi isso de "esses rabiscos"?
Gratissima, gratissima.
Donana,que bom que a senhora percebe que não é minha intenção posar de sabição numa foto acadêmica das artes, nem muito menos subir num banquinho na internet - sentem-se e me escutem! - para recitar o que é belo ou feio. A minha intenção ao escrever esses posts é passar algumas informações essenciais à cognição que, na minha opinião , antecede o prazer estético , deixando em sfumato , no fundo dos rascunhos, a emoção e a paixão que a arte me provoca. A senhora com grande sensibilidade é capaz de ler nas entrelinhas, a emoção transbordada.
ExcluirO "descobrimento" da arte é uma estrada pessoal, cumprida e sem placas de sinalização e nem sempre asfaltada. Mas que viagem! Eu estudei desenho, Donana. Com um nazista que acreditava na filosofia do Jack , O Estripador : vamos por partes! O professor fazia os alunos desenharem uns atrás dos outros milhares de narizes, orelhas , bocas e olhos para só e só depois de o que me pareceu uma eternidade , dar-lhes permissão para tentar ....um rosto. Nas mãos eu penei por meses para não falar na tal da volumetria. Desisti do curso de anatomia intensiva antes de reunir os pedaços do corpo tão amorosamente esquartejado. Mas já era tarde : jamais me libertei da necessidade do traço renascentista. Viajo diante das telas abstratas mas nelas , como dizem os franceses...il y a quelque chose qui manque.
Quanto ao erotismo de Michelangelo - as mamas que ele fazia como diriam nossos netinhos são " horripilantes" - é sim um tema espinhoso porque, infelizmente, ainda trocamos as estações e confundimos a produção intelectual e artística de um homem, com as suas opções ideológicas , políticas e sexuais. É triste ler que Cem Anos de Solidão não merecia o Nobel porque Gabo era comunista, ou que as linhas de Brasília não abraçam o infinito porque a mão que as riscou era canhota, ou que o Chico não escreveu a trilha sonora da minha juventude porque na minha maturidade emburreceu, ou que Wagner é o compositor do nazismo , mesmo tendo o coitado morrido em 1880 ou que , por óbvio, o fato de gostar de homens diminui a arte de Michelangelo. Tolices ou barbáries? Não sei. Mas sei que ninguém jamais inventou corpos humanos mais esplendorosos do que o Mestre assim como ninguém jamais regeu a Nona de Beethoven tão lindamente quanto von Karajan, esse sim um nazista de carteirinha.
Quanto aos rabiscos , fui honesto. Talvez por ter mergulhado recentemente nos esboços em giz vermelho e nos tais desenhos de apresentação em p&b do artista , que terminei suprimindo do post por uma questão de espaço. Diante daquelas maravilhas às vezes mais belas e ricas na sua bidimensionalidade do que as obras concluídas , as linhas pueris do aprendiz de Michelangelo, o elo perdido entre o autor e as esculturas, são... rabiscos de genialidade.
Vou mandar para nosso Sr. Editor uma imagem - às vezes elas falam mais alto do que os rascunhos - que talvez não me garanta o seu perdão pelo sacrilégio , mas - quem sabe ? - sua compreensão daquilo que, na minha cabeça devota, é um desenho de costas inigualáveis e....versáteis.(rsrs)
Gratíssimo sou eu pela sua leitura e comentários.
"Até mais"