Velha Amiga (Wilson Baptista Junior) |
Wilson Baptista Junior
Há uns dois dias eu e a Ana fizemos uma coisa que, até algum tempo
atrás, eu pensava que nunca faríamos.
Abrimos mão de todo o nosso equipamento de fotografia em filme. Câmeras,
lentes, flashes, filtros coloridos, disparadores de cabo, uma quantidade de
coisas.
Todos tratados, como dizia meu pai, “a pão de ló e guaraná gelado”. E
que nos acompanharam por tanto tempo, por tantos lugares, por tantas alegrias e
por tantos sustos, por tantos lugares fáceis e difíceis.
A velha amiga que ilustra o post foi a primeira máquina (naquele tempo
se dizia “máquina fotográfica” em vez de câmera) que pude comprar. Até o dia em
que a comprei de um amigo, há trinta e seis anos atrás, eu emprestava as
máquinas de meu pai, que nunca titubeou, desde que eu era menino, em me confiar
ou confiar a meus irmãos e irmãs seu maravilhoso equipamento. Na primeira vez
em que saí do Brasil, indo trabalhar na Europa, o meu irmão Guto generosamente me
emprestou a máquina dele e ficou sem máquina durante o tempo em que estive fora.
Obrigado, Guto!
Com nossas máquinas e nossas lentes fotografamos um ao outro, os nossos
filhos, os nossos pais, os nossos passeios, as nossas viagens, as exposições da
Ana, o trabalho dela nas comunidades, o meu em tantos lugares. Foram nossas ferramentas,
nossas companheiras, nossas amigas.
E nessa altura alguém que tenha lido meu post sobre a alma das coisas
pode se perguntar porque vamos simplesmente mandar embora essas amigas. Porque
não ficam simplesmente guardando tantas memórias nas nossas estantes.
Por uma razão muito simples: nunca mais as usaremos. A fotografia
digital acabou com o nosso uso para elas. O computador em que estou escrevendo substituiu
a câmara escura de minha juventude, os cartões de memória substituíram os
filmes, não precisamos mais brigar com os inspetores de aeroporto para não
passarem as máquinas e os filmes nos aparelhos de raio-x, uma bisneta digital dessa
mesma máquina da ilustração é quem fica agora aqui ao alcance da mão.
Mas quem conhece fotografia sabe que um bom filme numa máquina competente,
um bom ampliador, um bom papel e muito cuidado e carinho podem produzir coisas
que os sistemas digitais só conseguem imitar, nunca igualar. Fora o prazer de
fazer. E essa era a razão, um tanto idealizada, confesso, que me fazia guardar
esse equipamento. Pensando que um dia ainda voltaria a usá-lo. Mas hoje, mandar
para um laboratório fazer esse trabalho, por melhor que seja, sem ser quem
está, bem ou mal, no controle do processo, já não me atrai mais.
Não que eu tenha sido algum dia um exímio laboratorista, longe, muito
longe disso... Bem que queria ter sido. Agora é tarde.
Mas, se o equipamento já não tem mais uso para nós, continua podendo ser
usado para ensinar novos fotógrafos. A universidade onde meu irmão Paulo dá aulas
de fotografia ainda usa as máquinas de filme para ensinar algumas coisas que a
digital não ensina. Então, quem sabe, alguns alunos se interessarão por elas e estas
máquinas e lentes continuarão a fazer o trabalho para o qual foram feitas.
Melhor do que simplesmente envelhecerem nas prateleiras.
Boa viagem, amigas...
Olá Wilson. Belíssimo gesto de desapego e libertação das coisas materiais, se vocês não sentiram, irão sentir daqui a pouco um sentimento de leveza, como tivessem emagrecido alguns quilos. Partilhar e renovar energia só faz bem. Suas velhas companheiras estão carregadas de lembranças boas, energizadas por mãos que manusearam-nas com amor, e com certeza os novos donos perceberão e receberão os benefícios de toda esta energia, nas suas aulas de fotografia. Abraços, Dulce
ResponderExcluirObrigado, Dulce. A essência das coisas está no uso que fazemos delas, então enquanto puderem ser bem usadas estarão melhor do que guardadas.
ExcluirUm abraço do
Mano
Wilson,
ResponderExcluirTudo o que as suas amigas máquinas representam não se foi, permanece. E mais do que significados elas lhes legaram milhares de fotos : os flashes da vida que vocês compartilharam e elas eternizaram. Da mesma forma que os alunos de seu irmão usarão o passado para inventar um futuro fotográfico , use as suas fantásticas fotos para ilustrar nosso presente.
Tem uma delas - uma estupenda francesa da gema (rsrs) - que eu ficaria felicíssimo de poder usar em um post que tento rascunhar - em vão! - há meses sobre o antigo e o novo à nossa volta. Mas não posso. A foto é sua, as pernas utilizadas como zoom para chegar ao local exato e achar o ângulo perfeito para fotografar lindamente naquele paredão de vidros vanguardistas o reflexo gótico do Palais des Papes em Avignon eram suas , foram os seus olhos que viram a foto nascer enquanto bebia cerveja e olhava à sua volta naquela mesa de bar. Portanto essa conversa se rolar tem que ser da sua lavra. Quantas fotos mais precisam sair dos arquivos para compartilhar suas belas imagens e histórias? Dizem que uma imagem fala mais alto do que mil palavras. Pode ser. Mas as pretinhas ainda são a melhor tradução para nossas emoções. Não basta digitalizar as nossas fotos para nossos filhos e netos.Teclá-las é preciso.
Abração
Obrigado pelo elogio, Moacir, elas não são tão fantásticas assim...
ExcluirVocê teve a idéia do seu post, e me falou dela, antes de ver a foto do Palais des Papes (aliás foi por isso que a mostrei a você); então sou eu quem devo, e com prazer, deixar a prioridade do assunto para você. E se a foto puder servir para ilustra-lo, ficarei muito contente de vê-la tão bem aproveitada junto às suas belas pretinhas.
Haverá alguma outra para eu falar dela. Veremos :)
Um abraço do
Mano
1) Oi Wilson,
ResponderExcluir2) Seu belo texto e foto me fez lembrar de uma resenha que escrevi nos anos 1980, sobre o livro "A Câmara Clara", de Roland Barthes.
3) Parabéns pelo belo gesto em doar o material para a Universidade.
4) Saúde e sucesso !
Antonio, belo livro o do Barthes.
ExcluirE, como escrevi, melhor que as máquinas continuem sendo usadas do que fiquem acumulando poeira nos armários...
Um abraço do
Mano
Caro Wilson, seu texto e o seu sentimento de desapego, emocionam-me. Lembro do Drummond: "Amar o perdido, deixa confundido este coração, as coisas visíveis, tornam-se insensíveis à palma da mão e nada pode o olvido, contra o sem sentido apelo do não, mas as coisas lindas, muito mais do que findas, essas ficarão..."
ResponderExcluirPaulo, que bom ver você aqui como leitor do nosso blog!
ExcluirObrigado pelos versos do Drummond.
Um abraço do
Mano