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10/01/2017

As Velhas Companheiras

Velha Amiga (Wilson Baptista Junior)


Wilson Baptista Junior

Há uns dois dias eu e a Ana fizemos uma coisa que, até algum tempo atrás, eu pensava que nunca faríamos.
Abrimos mão de todo o nosso equipamento de fotografia em filme. Câmeras, lentes, flashes, filtros coloridos, disparadores de cabo, uma quantidade de coisas.
Todos tratados, como dizia meu pai, “a pão de ló e guaraná gelado”. E que nos acompanharam por tanto tempo, por tantos lugares, por tantas alegrias e por tantos sustos, por tantos lugares fáceis e difíceis.
A velha amiga que ilustra o post foi a primeira máquina (naquele tempo se dizia “máquina fotográfica” em vez de câmera) que pude comprar. Até o dia em que a comprei de um amigo, há trinta e seis anos atrás, eu emprestava as máquinas de meu pai, que nunca titubeou, desde que eu era menino, em me confiar ou confiar a meus irmãos e irmãs seu maravilhoso equipamento. Na primeira vez em que saí do Brasil, indo trabalhar na Europa, o meu irmão Guto generosamente me emprestou a máquina dele e ficou sem máquina durante o tempo em que estive fora. Obrigado, Guto!
Com nossas máquinas e nossas lentes fotografamos um ao outro, os nossos filhos, os nossos pais, os nossos passeios, as nossas viagens, as exposições da Ana, o trabalho dela nas comunidades, o meu em tantos lugares. Foram nossas ferramentas, nossas companheiras, nossas amigas.
E nessa altura alguém que tenha lido meu post sobre a alma das coisas pode se perguntar porque vamos simplesmente mandar embora essas amigas. Porque não ficam simplesmente guardando tantas memórias nas nossas estantes.
Por uma razão muito simples: nunca mais as usaremos. A fotografia digital acabou com o nosso uso para elas. O computador em que estou escrevendo substituiu a câmara escura de minha juventude, os cartões de memória substituíram os filmes, não precisamos mais brigar com os inspetores de aeroporto para não passarem as máquinas e os filmes nos aparelhos de raio-x, uma bisneta digital dessa mesma máquina da ilustração é quem fica agora aqui ao alcance da mão.
Mas quem conhece fotografia sabe que um bom filme numa máquina competente, um bom ampliador, um bom papel e muito cuidado e carinho podem produzir coisas que os sistemas digitais só conseguem imitar, nunca igualar. Fora o prazer de fazer. E essa era a razão, um tanto idealizada, confesso, que me fazia guardar esse equipamento. Pensando que um dia ainda voltaria a usá-lo. Mas hoje, mandar para um laboratório fazer esse trabalho, por melhor que seja, sem ser quem está, bem ou mal, no controle do processo, já não me atrai mais.
Não que eu tenha sido algum dia um exímio laboratorista, longe, muito longe disso... Bem que queria ter sido. Agora é tarde.
Mas, se o equipamento já não tem mais uso para nós, continua podendo ser usado para ensinar novos fotógrafos. A universidade onde meu irmão Paulo dá aulas de fotografia ainda usa as máquinas de filme para ensinar algumas coisas que a digital não ensina. Então, quem sabe, alguns alunos se interessarão por elas e estas máquinas e lentes continuarão a fazer o trabalho para o qual foram feitas. Melhor do que simplesmente envelhecerem nas prateleiras.

Boa viagem, amigas...


8 comentários:

  1. Dulce Regina10/01/2017, 11:44

    Olá Wilson. Belíssimo gesto de desapego e libertação das coisas materiais, se vocês não sentiram, irão sentir daqui a pouco um sentimento de leveza, como tivessem emagrecido alguns quilos. Partilhar e renovar energia só faz bem. Suas velhas companheiras estão carregadas de lembranças boas, energizadas por mãos que manusearam-nas com amor, e com certeza os novos donos perceberão e receberão os benefícios de toda esta energia, nas suas aulas de fotografia. Abraços, Dulce

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    1. Wilson Baptista Junior11/01/2017, 21:11

      Obrigado, Dulce. A essência das coisas está no uso que fazemos delas, então enquanto puderem ser bem usadas estarão melhor do que guardadas.
      Um abraço do
      Mano

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  2. Moacir Pimentel10/01/2017, 14:32

    Wilson,
    Tudo o que as suas amigas máquinas representam não se foi, permanece. E mais do que significados elas lhes legaram milhares de fotos : os flashes da vida que vocês compartilharam e elas eternizaram. Da mesma forma que os alunos de seu irmão usarão o passado para inventar um futuro fotográfico , use as suas fantásticas fotos para ilustrar nosso presente.
    Tem uma delas - uma estupenda francesa da gema (rsrs) - que eu ficaria felicíssimo de poder usar em um post que tento rascunhar - em vão! - há meses sobre o antigo e o novo à nossa volta. Mas não posso. A foto é sua, as pernas utilizadas como zoom para chegar ao local exato e achar o ângulo perfeito para fotografar lindamente naquele paredão de vidros vanguardistas o reflexo gótico do Palais des Papes em Avignon eram suas , foram os seus olhos que viram a foto nascer enquanto bebia cerveja e olhava à sua volta naquela mesa de bar. Portanto essa conversa se rolar tem que ser da sua lavra. Quantas fotos mais precisam sair dos arquivos para compartilhar suas belas imagens e histórias? Dizem que uma imagem fala mais alto do que mil palavras. Pode ser. Mas as pretinhas ainda são a melhor tradução para nossas emoções. Não basta digitalizar as nossas fotos para nossos filhos e netos.Teclá-las é preciso.
    Abração

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    1. Wilson Baptista Junior11/01/2017, 21:33

      Obrigado pelo elogio, Moacir, elas não são tão fantásticas assim...
      Você teve a idéia do seu post, e me falou dela, antes de ver a foto do Palais des Papes (aliás foi por isso que a mostrei a você); então sou eu quem devo, e com prazer, deixar a prioridade do assunto para você. E se a foto puder servir para ilustra-lo, ficarei muito contente de vê-la tão bem aproveitada junto às suas belas pretinhas.
      Haverá alguma outra para eu falar dela. Veremos :)
      Um abraço do
      Mano

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  3. 1) Oi Wilson,

    2) Seu belo texto e foto me fez lembrar de uma resenha que escrevi nos anos 1980, sobre o livro "A Câmara Clara", de Roland Barthes.

    3) Parabéns pelo belo gesto em doar o material para a Universidade.

    4) Saúde e sucesso !

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    1. Antonio, belo livro o do Barthes.
      E, como escrevi, melhor que as máquinas continuem sendo usadas do que fiquem acumulando poeira nos armários...
      Um abraço do
      Mano

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  4. paulo armond15/01/2017, 21:46

    Caro Wilson, seu texto e o seu sentimento de desapego, emocionam-me. Lembro do Drummond: "Amar o perdido, deixa confundido este coração, as coisas visíveis, tornam-se insensíveis à palma da mão e nada pode o olvido, contra o sem sentido apelo do não, mas as coisas lindas, muito mais do que findas, essas ficarão..."

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    1. Paulo, que bom ver você aqui como leitor do nosso blog!
      Obrigado pelos versos do Drummond.
      Um abraço do
      Mano

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