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13/01/2017

O Renascer das Águias

fotografia Moacir Pimentel

Moacir Pimentel 

No Norte de Portugal, no distrito de Bragança, no concelho de Freixo, na Freguesia de Poiares, encontramos uma paisagem selvagem rodeada por serras, povoada por pequenas aldeias de casas de pedra que de longe parece um presépio de Natal.

fotografia Moacir Pimentel

Essa já seria uma razão mais do que suficiente para se visitar aquelas paragens, apesar do frio de dezembro que a gente espanta caminhando de dia e tomando sopa de vinho - também chamada de “sopa de cavalo cansado” - à beira das lareiras de velhas cozinhas, enquanto escuta os mais velhos contando as recentes intrigas familiares e as antigas lendas da região.
Porém há muitos outros motivos para passear pelo local, começando pela pitoresca vila de Freixo de Espada à Cinta com sua linda Igreja Matriz, e a torre sobrevivente do castelo medieval chamada carinhosamente pelos nativos de Torre do Galo, o seu Pelourinho e o seu rico Centro de Artesanato.
Eu gosto imensamente do nome e do sobrenome engraçados da cidadezinha para o qual nos oferecem variadas explicações. Dizem por exemplo que El Rei D. Dinis, exausto entre duas das ferozes batalhas que travava com Afonso Sanches, o seu filho bastardo, de passagem por aquelas terras deitou-se para descansar à sombra de um freixo, em cujas raízes deixou o seu cinturão com a majestosa espada.
Ele adormeceu embalado pelo som da brisa suave que cantava entre as folhas da árvore e sonhou que o espírito do freixo lhe segredava a estratégia mais correta para assegurar um futuro grandioso para o reino de Portugal.
Quando o rei acordou da revigorante sesta, em gratidão pelas dicas, decretou que a vila passaria a se chamar Freixo de Espada à Cinta. O certo é que ainda hoje, junto à Matriz e à torre heptagonal remanescente do extinto castro, mora um enorme freixo venerado pelo povo por ser – dizem os nativos! - descendente da primeira e nobre árvore cintada.
A vila está localizada dentro do Parque Natural do Douro Internacional famoso pelas pinturas rupestres de Mazouco, descobertas em 1981, em um paredão de xisto.
Elas são o testemunho mais importante da arte do Paleolítico Superior em Portugal e moram ao ar livre em um penhasco na margem direita do rio Douro, perto da Foz da Ribeira da Albagueira. A pintura mais interessante do conjunto de imagens rupestres criado há trinta mil anos atrás é conhecida como o Cavalo de Mazouco.
Imperdível é também a Calçada de Alpajares ou dos Mouros ou do Diabo – dizem as velhas da serra que Satanás a construiu em troca de uma alma numa só madrugada - à margem da Ribeira do Mosteiro. Apesar das lendas a calçada é apenas um trecho da estrada militar romana que ligava a Guarda àquela região. 
fotografias Moacir Pimentel

Vale a pena deixar para trás as ruelas da aldeia de Espada à Cinta, sair da zona do casario, percorrer as trilhas da serra em direção à Calçada, por entre as criações de ovelhas, os silos, os pomares e pombais típicos de Trás-os-Montes, passando por pelo menos uma das sepulturas antropomórficas, as famosas “Mouras” de forma ovalada que, entre o século IX e meados do século XI, eram escavadas nas rochas dos grandes afloramentos graníticos, em locais ermos e altos e diante de largos horizontes, normalmente associadas a caminhos antigos e às “bruxas” locais.
Nas aldeias dessa terra as tradições culturais continuam bem vivas e é comum ver as mulheres de lenços floridos na cabeça e aventais alvos e asseados, sentadas nas soleiras de suas portas batendo a massa do folar na véspera do dia da feira ou cobertas por grossos xales fazendo meias de lã com quatro agulhas e jogando conversa fora, enquanto seus homens, nos cafés, se distraem jogando a sueca ou o chincalhão, degustando amêndoas caramelizadas com café forte.
No Nordeste transmontano a mesa é farta por tradição e cheia de sabores. Freixo de Espada à Cinta segue esta regra e tem para oferecer produtos de elevada qualidade como a azeitona, o azeite, o vinho, o queijo de ovelha, a amêndoa, o mel e os produtos de fumeiro.
Nessa esquina rochosa de Portugal com a Espanha rola ainda a Rota dos Miradouros - quase duas dezenas! - de onde se pode contemplar paisagens únicas. Destacam-se o Miradouro das Alminhas - de onde se vê as vertentes escarpadas da Ribeira do Mosteiro - o Miradouro do Colado e o meu preferido, o Miradouro do Penedo Durão, o mais antigo deles com vista panorâmica sobre o rio Douro serpenteando lá embaixo.
fotografia Moacir Pimentel

Durante o verão as famílias se reúnem no largo terraço do mirante em volta de algumas velhas mesas e bancos de madeira para fazer piqueniques. No inverno a gente sobe as escadas bem encapotado para se proteger do vento gelado enquanto contempla as águias que os portugueses chamam de abutres e/ou de grifos e que moram em ninhos na enorme formação rochosa.
Nas últimas décadas, perdi a conta de quantas vezes estivemos no Penedo Durão maravilhados com as enormes aves que, com as asas abertas, chegam a ter quase três metros de envergadura. No verão ou no inverno, faça frio ou calor, sempre que pousamos na t’rrinha, lá vamos nós degraus acima, tentando fotografar os pássaros desajeitadamente, é claro, sem equipamento adequado mas sem jamais desanimar da nossa coleção cada vez maior de fotos de águias em vôos fora de foco.
fotografias Moacir Pimentel

Quando eu era menino, queria ser pássaro. É claro que ainda não tinha sido apresentado às águias lusitanas, mas voar como os sabiás e urubus para mim já estava de bom tamanho (rsrs).
Eu queria tanto voar mundão afora que literalmente sonhava que voava, deitado de barriga para baixo numa prancha de surfe, batendo os braços desesperadamente para me desviar dos postes e cabos de alta tensão. Lembro que acordava suado mas extasiado depois de ter visto o mundo lá do alto.
Acredito que a maioria dos adolescentes bobóides da minha geração tenham curtido, como eu, a canção El Condor Pasa, cantada por Simon & Garfunkel e preferido disparado, como na letra, ser um pardal em vez de um caracol. 
              Mas o condor americano da Califórnia ou dos Andes - tanto faz - que me encantou aos quinze anos e a águia portuguesa são diversos e pertencem a duas espécies de aves distintas: a dos catartídeos e a dos acipitrídeos.
O condor, também conhecido como abutre do novo mundo, de coloração preta com um colar branco no pescoço, é carniceiro, alimenta-se de carne em putrefação, enquanto que os abutres do velho mundo – falções, gaviões, milhafres e águias - são caçadores, aves de rapina diurna.
Lá no topo do penedo, admirando a incrível beleza e majestade daquelas aves enquanto caçam e pescam no Douro, não há como não lembrar do quanto foram e são míticas as águias.
É surpreendente verificar como para os homens, em qualquer latitude e longitude, a águia sempre reinou absoluta sobre os demais pássaros.
Mitologicamente, ela foi linkada ao deus Ra pelos egípcios, a Vishnu pelos hindus, a Zeus e a Apolo pelos gregos, a Júpiter pelos romanos, a Odin pelas tribos germânicas e, na arte cristã, ao Cristo, a São João Evangelista.
A águia, como um símbolo, tem uma história muito mais antiga que a própria heráldica. Havia uma águia na bandeira de batalha de Ciro, o Grande, na Pérsia, e outra na de Maomé e Aquila foi o animal heráldico da República Romana.
A águia serviu como símbolo para brasões, escudos, pavilhões, exércitos, comunidades, cidades, sociedades e até mesmo para impérios. Foi o fascínio exercido por ela na mente humana pelo planeta azul afora que resultou na invenção do mito da fênix imortal, que queimou brilhantemente em uma miríade de culturas através dos milênios, recebendo em cada uma delas, com os mais variados sotaques, novos enredos e novos significados: vida, clareza, renovação, longevidade, reemergência, transformação, liberdade, proteção e imortalidade.
Apesar das variantes o script básico da fênix é o seguinte: ao atingir uma avançada idade ela voa para o topo do mundo onde reúne ramos e galhos, lambuza-os de resina e com eles constrói um ninho de especiarias que, em seguida, o sol inflama. A velha águia é carbonizada pelas chamas. Após três dias uma nova e jovem águia renascida e capaz de viver para sempre, emerge das cinzas.
Na Ásia, há mais de sete mil anos, um par de águias imortais representando o yin e o yang é chamado de Feng-huang no Reino do Meio e de Hō-ō no Japão. Na sabedoria chinesa a fênix simbolizava muito mais do que os gêneros. Ela significava equilíbrio, dualidade e polaridade. Tinha a energia do yin - intuição, lua, inverno – e a do yang - asserção, ação, sol, verão.
O mesmo pássaro tem o nome de Garuda, em sânscrito, nos dois maiores poemas épicos hindus – o Ramayana e o Mahabharata - onde ressurge como um pássaro mítico de fogo em cujas asas viajavam deuses. A águia Garuda além de sobrevoar o budismo, dá o ar da graça dela com outros pseudônimos nas culturas e credos e folclores da Birmânia, Tailândia, Mongólia, Indonésia e no resto do Sudeste asiático.
Outra águia eterna muito parecida com uma garça - pelo menos nos hieróglifos - reside no Livro dos Mortos do Egito antigo, apelida de Benu, o pássaro sagrado associado ao sol e ao rio Nilo. Esta conexão simbólica era de grande alcance, abraçando as enchentes e as vazantes fluviais e a agricultura e, sendo assim, o alimento e a sobrevivência.
A águia renascida das cinzas também possui uma versão persa como Huma, o pássaro do paraíso, que une as naturezas masculina e feminina em só corpo emplumado. Já na mitologia grega, outra delas se banha para sempre a cada amanhecer, fazendo com que Apolo, o deus-sol, pare o seu trajeto no céu para escutar o seu canto.
A Fênix é ainda Chol na tradição e nos relatos judáicos, segundo os quais ela foi o único animal que se negou a comer o fruto proibido do conhecimento, permanecendo assim no Jardim do Éden, recompensada com a imortalidade pela sua obediência.
Já na tradição eslava a águia adota a forma de mais dois pássaros míticos imortais: o Pássaro de Fogo - estrela do ballet de Stravinsky! - e um falcão brilhante de nome Finist, palavra derivada do grego “phoenix,” é claro.
Se para os romanos, a fênix era um símbolo da continuação perpétua do Império, por causa de sua capacidade de ressurreição, a águia foi o símbolo de Cristo na Idade Média.
Para os povos do novo mundo, onde se eternizou do Alasca à Patagônia, a águia com seus olhos penetrantes simbolizava perspicácia, coragem, força e é claro, e de novo,imortalidade.
Na mitologia athapaskan águia arrasta cardumes de peixe até a costa para alimentar as populações famintas. Tal lenda provavelmente foi inspirada pela visão das águias macho e fêmea transportando comida para seus ninhos no alto dos penhascos, onde valentemente protegem e alimentam seus filhotes até que, com dez semanas de vida e já tão grandes quanto os genitores e totalmente desenvolvidos para um primeiro vôo, eles possam sair do ninho.
A cultura navaja nos conta como um de seus guerreiros matou um monstro alado mas poupou a vida de seus filhotes transformando o mais novo em uma coruja e o mais velho em uma águia. Ambas imortais.
No mito comanche o jovem filho de um chefe, morto em batalha, é transformado pelos deuses em águia imortal em resposta às orações do pai. A dança da águia comanche celebra essa mítica super águia de nome Pássaro Trovão, responsável por criar trovões e relâmpagos batendo as asas.
Os astecas e tribos afins estabelecidas nos vales do México reverenciavam a águia como um símbolo de fartura, coragem e fertilidade. Na mitologia inca, quando o condor-dos-andes começa a sentir que suas forças se esgotam, pousa no pico da mais alta montanha, dobra suas asas, recolhe suas pernas e se deixa cair, até atingir o fundo de um rio de onde ressurge, novo em folha, para uma nova vida. E por aí vamos.
Toda essa mitologia ecoa ainda em outra lenda contada pelos habitantes mais idosos e menos escolarizados das serras do Norte de Portugal: o mito da “muda” das águias envelhecidas.
Juram de pés juntos as avozinhas mitomaníacas nas aldeias lusitanas que a águia vive cerca de setenta anos mas que, ao atingir a meia idade, sua condição física já se deteriorou ao ponto de tornar-lhe a sobrevivência difícil : as suas unhas desgastadas já não conseguem mais agarrar adequadamente as presas das quais se alimenta, seu bico alongado e pontiagudo tornou-se curvo e as penas de suas asas envelheceram cada vez mais espessas e pesadas, prejudicando-lhe o vôo.
Nessa situação, segundo os relatos serranos, a águia só tem duas alternativas: deixar-se morrer ou enfrentar um doloroso processo de renovação – a tal da “muda!” - que dura cerca de cinco meses.
Se opta pela vida o pássaro então voa para o topo da montanha e lá se esconde em um ninho solitário onde começa a bater o seu bico contra a parede até conseguir arrancá-lo, enfrentando, corajosamente, a dor da automutilação.
 Pacientemente, ela espera o nascer de um novo bico, com o qual passa a arrancar as suas velhas unhas. Com as novas unhas ela se liberta das velhas penas. Sequencialmente a ave se destrói e a cada fase do martírio seu corpo produz um rebrote das partes do corpo removidas. Esse processo renova a águia e lhe permite viver por mais outros trinta e cinco anos.
É claro que nada disso é verdade! Tanto a ciência quanto a lógica indicam que uma águia não poderia sobreviver por qualquer período de tempo sem seu bico e suas garras, que aliás crescem continuamente, porque são feitos de queratina, a mesma substância dos nossos cabelos e unhas.
Quanto às penas, em todas as aves elas sofrem um desgaste constante e, sendo assim, quando a qualidade da plumagem diminue, é gradativamente substituída, simultaneamente, nas asas esquerda e direita, para que o equilíbrio do voo não seja afetado.
Se as águias perdessem todas as penas de uma só vez, estariam desprotegidas contra os elementos naturais e, mais importante, não seriam capazes de voar para caçar e pescar alimentos. Mais complicado ainda seria segurar as presas sem garras e rasgar a comida sem o bico forte. As águias caçadoras certamente morreriam de fome muito antes da tal renovação física se completar.
Mesmo sabendo que os abutres vivem em média trinta anos, é fascinante ouvir, com sotaque trasmontano, o mito da fênix. Aparentemente através da oralidade, ela também pousou no coração de Portugal.
Sabemos que a Península Ibérica já foi romana e que até as moedas mostravam a cabeça do imperador de um lado e a da águia do outro. Talvez esteja naquela estrada romana a origem dessa versão lusitana do pássaro imortal.
Com certeza as velhas contadoras de histórias das serras ibéricas não conheceram a fênix enquanto personagem literário frequentemente usado desde o historiador grego Heródoto até hoje – na Divina Comédia de Dante, na Tempestade de Shakespeare, no poema Lady Lazarus da Sylvia Plath e na saga juvenil Harry Potter inventada pela criativa Rowling – e reverenciado pelas suas habilidades de regeneração e imortalidade, de morrer para renascer, que ecoam as aspirações mais fundas da humanidade.
Mas a cada vez que subo as escadarias do Penedo Durão até o mirante e contemplo aquelas águias majestosas o que eu me pergunto mesmo é:
Por que é sempre a águia em todas essas “conversas”?
Talvez porque nós, animais terrestres, além de não lidarmos bem com a nossa própria finitude, soframos de uma espécie de saudade de ter asas e tenhamos sempre desejado... voar.
E então eu me recordo de mais outra lenda: aquela de Dédalo e Ícaro, pai e filho, que se inventaram asas feitas com penas e cera para fugir da ilha grega de Creta, sobrevoando o Mar Egeu.
Você deve se lembrar do mito tão bem contado por Ovídio e interpretado por Chaucer, Marlowe, Shakespeare, Milton e Joyce, pintado por Bruegel e Rubens e copiado, mais tarde, por Jacob Peter Gowy, no óleo A Queda de Ícaro que mora no Museu do Prado.
Jacob Peter Gowy - A Queda de Ícaro

Pois é. Os mitos da nossa mente analítica estão presentes na vida, não importa em que tempo ou local, para nos ajudar a entender o mundo.
Segundo Dona Mitologia, o pai recomendara ao herdeiro para não voar nem muito baixo nem muito alto, pois a umidade do mar poderia inutilizar as penas e o calor do sol poderia derreter cera que as unia.
Em vão! O jovem Ícaro, embriagado pela alegria do voo, ignorou as instruções paternas, bateu as suas asas postiças cada vez mais alto e mais perto do sol, sem perceber o perigo. E assim caiu no oceano que hoje leva seu nome - o Mar Icário – ao sudoeste da ilha de Samos.
Ícaro virou poemas e telas e música e enredo de escola de samba e até complexo e hoje mora na moderna psicologia que tenta explicar através do mito o transtorno bipolar, a ambição, o fascínio humano pelos jogos de azar, pelo perigo, pela adrenalina viciante no desafio dos limites.
Esse enredo de Ícaro nos fala das limitações físicas do ser humano apesar da sua infinita criatividade, e nos soletra o preço que se paga quando na tentativa de realizar nossos projetos perdemos o bom senso e a prudência.
Como fez Dédalo, podemos inventar saídas e nos libertar de situações opressoras e seguir nossos sonhos, mas é necessário reconhecer os limites do sonhar.
A mente conseguiu libertar pai e filho do chão pela arte e pela criatividade, compulsivas e latentes na essência humana, mas Ícaro foi intoxicado pela sensação da liberdade e a vida foi a moeda a ser paga no altar do livre arbítrio.
No entanto a vontade humana de voar não terminou com a morte de Ícaro. Nada disso. O bicho-homem continuou escalando everests, Leonardo da Vinci projetou uma máquina de voar, balões de ar quente subiram aos céus, Santos Dumont e os irmãos Wright construíram aviões, os americanos pousaram na Lua e hoje desvendamos o Universo. Até onde voaremos?
Uma águia no céu, um sonho na terra. Não será este o nosso destino? Por acaso o homem deseja aquilo que já considera seu? Não são os nossos sonhos uma forma de alcançarmos aquilo que nos falta? E o que nos falta não será Deus?
Todos os dias, as asas dos nossos sonhos sobrevoam a praia da nossa realidade. Só que, distraídos a acompanhar-lhes o voo, muitas vezes não percebemos a beleza do mar, nem desfrutamos a carícia do vento. No entanto, o mar e o vento estão bem ali ao lado e neles se pode encontrar o refresco que buscamos no impossível vôo da águia.
O homem se encanta pelos diamantes sem perceber que a fonte de sua beleza está na luz que os ilumina. A mesma luz que faz brotar os mesmos reflexos de uma simples gota d'água, ou de um pedaço de vidro esquecido em um canto qualquer.
É assim que somos. Sempre desejaremos algo novo que, tão logo tenhamos conseguido, esqueceremos absortos na busca de um novo desejo. Sempre invejaremos o vôo da águia e nos esqueceremos de agradecer pela distância, que não nos permite vê-la como na realidade é: uma ave.
Disse-nos dia destes o Mestre Antônio que o Budismo reza que
"Machucam-se menos aqueles que voam baixo”.
Parece que a mitologia e a filosofia, com toda a imensa carga metafísica que têm, são da natureza humana, assim como o sonho. Se para o bicho homem voar é preciso talvez seja melhor fazê-lo “pelo caminho do meio” e cui-da-do-sa-men-te.    
Se é o conhecimento que alimenta a alma, gera o sonho e resulta no voo evolutivo, pode-se concluir que, por outro lado, é a ausência de realidade e de limites aquilo que determina o fracasso tanto do sonho quanto do voo.
Mas nesse enredo voador, baseados na lógica, podemos ter esperança nesse mundo cruel, ao concluir que o mal pode gerar o bem já que só se deseja o que não se tem (rsrs)
As águias do Penedo Durão me sussurram ainda que, de vez em quando, temos que parar e refletir e dar início a um processo de renovação, desapegando do excesso de bagagem, nos desprendendo dos preconceitos, dos maus hábitos, do peso do passado, de tudo aquilo que não é mais saudável e útil ou importante.
É preciso destruir o bico do ressentimento, arrancar as unhas do pessimismo, recolher as garras do desânimo, sacudir as velhas penas, permitir o fluir de novos pensamentos e rumos.
E pensando assim, eu desço os degraus de pedra do Penedo Durão de volta à realidade que, já não me recordo quem falou, “é apenas um lugar onde se pode comer um bom bife”.
Então lá vamos nós esfomeados para O Artur, uma tasca entre Mogadouro e Torre de Moncorvo, onde se come a melhor Posta Mirandesa da t’rrinha. Pense em um naco de carne delicioso com três centímetros de altura depois das entradinhas de chouriço e alheiras assados na brasa, tudo regado a Montes Ermos, que harmoniza perfeitamente a carnificina com as amplas paisagens da serra e o belo mosaico agrícola, as impressionantes massas rochosas de granito e xisto com o sinuoso Douro e a natureza selvagem com floras e fauna grandiosas.
E a sobremesa? Doce de amêndoas e pelo menos duas generosas doses da bagaceira da casa, que ninguém é de ferro e faz muito frio.



19 comentários:

  1. Monica Silva13/01/2017, 10:00

    Ainda estou voando numa das 'viagens' mais lindas que você já escreveu, Moacir. Obrigada!

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    1. Moacir Pimentel14/01/2017, 09:54

      Mônica,
      Obrigado digo eu a você, sempre por aqui, nos fazendo companhia nos voos.
      Abraço

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  2. 1) Uma crônica, um texto filosófico, bela reflexão, prodigioso ensinamento mitológico, um voo para as Alturas. Gratidão Moacir.

    2) No âmbito das minhas lembranças, veio-me à mente o livro do jornalista David Nasser, lá dos anos 1960: "Portugal meu Avôzinho".

    3) E nas vezes que andei por lá, nas Penhas
    Douradas, tive a experiência de que Portugal é antiquíssimo, tanto quanto a mitológica Atlântida.

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    1. Moacir Pimentel14/01/2017, 09:59

      Vizinho,
      Uma das boas coisas nestas nossas conversas é o que lemos de nós nas pretinhas alheias e o que cada um lê de si nas nossas.
      As primeiras palavras que escrevi neste blog, em junho de 2016, foram as seguintes:
      Quem não acredita em magia - yo no creo en brujerías, pero que las hay, las hay - jamais esteve no Vale do Rio Zêrzere, à beira das Penhas da Saúde e antes de Manteiga, na Serra da Estrela, em Portugal.
      Por favor conte-nos sobre a sua experiência nessa esquina de um Portugal tão antigo quanto "Atlântida", palavrinha que aliás alguns doutos acreditam ser a mais perfeita tradução para a denominação árabe da Península Ibérica: Al-Andalus.
      "Gratidão"
      Abração

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  3. Olá Moacir,
    Maravilhoso!
    Queria que as margens da tela permitissem anotações. São tantas , que não dá para lembrar de todas. Desde a descrição da paisagem selvagem , que de tanta pedra me lembrou Lanzarote e Saramago, até o processode renovação e desapego, que só vem mais tarde na vida. Acho que você está mesmo um velhinho (bem sapeca, diga-se de passagem) em formação.
    Até mais.

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    1. Olá, de novo.
      Só completando sobre o "sexo das bichinhas", as divorciadas, pricipalmente as mais coroas, quando saem de um casamento inconveniente, florescem como jardim depois do inverno. Renascem, se descbrem, se reinventam! Concorda?
      Fênix!
      Até.

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    2. Moacir Pimentel14/01/2017, 10:10

      Caríssima Donana,
      Os seus elogios me roubam o chão e incentivam a continuar voando e "lidando"...
      Quanto a ser um "velhinho em formação", a senhora acaba de me lembrar que certa vez uma bela dama estrangeira, de origem cigana, fez a tal da minha "numerologia", jurando de pés juntos que nela teriam igual peso o 1 - o primeiro numeral - e o 9 - o último deles.
      Pense em um desequilíbrio: ser um menino velho e um velho menino ao mesmo não tarefa fácil. Dá no que deu : os dois "conversando" (rsrs)
      Finalmente concordo sim que algumas aves , quando saem de um casamento , se reinventam. Só que acho que o renascimento, não tem muito a ver com gênero e que pode rolar depois, inclusive, de um maravilhoso casamento. Perdemos um grande amigo , muito bem casado, no ano passado. Dia destes a viúva deu o ar da graça dela no japonês onde tomávamos uns saquês.
      Nosssinhora que fênix!
      Confesso que fiquei morrendo de medo de morrer (rsrs)
      Agora falando sério: apesar de não ser capaz de me imaginar sem a minha águia e fora do nosso ninho acho que qualquer coisa nesta vida, por melhor que seja, simultaneamente nos enriquece e limita.
      Como dizia meu Mestre Caeiro na formidável infância dele :
      "O que não tem limites não existe. Existir é haver outra coisa qualquer e portanto cada coisa ser limitada".
      Abraço

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  4. Francisco Bendl13/01/2017, 13:32

    Caro Pimentel,

    Mais um artigo primoroso dos tantos que já escreveste!

    Quantas vezes gostaríamos de renascer nesta vida que temos, que nos submete a dificuldades intransponíveis circunstancialmente?

    Isso que somos mais inteligentes do que a águia, supostamente e, mesmo assim, nos abatemos diante de qualquer problema.

    No entanto, devemos sempre voar alto, quanto mais, melhor.

    E não devemos ter medo das alturas, receio de cair, de não se chegar ao destino. Temos de voar, bater as asas com força, com vigor, e ter consciência que nossos esforços jamais serão em vão.

    A lamentar que não temos asas, claro, porém temos imaginação. E esta pode nos levar a conseguir nossos objetivos de várias formas, nos impulsionará para obtê-los,e não desistir de nossas intenções.

    E, indiscutivelmente, um dos caminhos é através dos amigos!

    Preciso ser grato a vocês, portanto. Que dividem comigo este blog extraordinário, este oásis no meio de um deserto de ideias e omissões.

    Postagens como essas que o nosso Mano tem registrado enaltece o ser humano. Mostra o quanto ele á capaz de conseguir opções para sair da mediocridade implantada, da estultice determinada e, muitas vezes, por ele mesmo condenado!

    Parabéns ao Mano.

    Meus reconhecimentos aos articulistas pela excelência de seus textos, pela essência dos assuntos, pelo significado em nossas vidas quando presenciamos a arte em seu esplendor, inclusive a escrita, que nos empolga, emociona e nos aproxima.

    Esculturas, pinturas, artes plásticas, o bel canto, têm muita importância para o ser humano - dizem que desta forma chegamos perto de Deus, de até conversarmos com Ele.

    Mas a escrita uniu a humanidade. As palavras passaram a definir a maravilha que os olhos viam, mas a emoção levada ao seu apogeu deve muito à estrutura de idiomas, de suas expressões, de ênfase dado ao espetáculo que o ser humano produz!

    Não preciso comentar sobre a poesia com relação ao amor! O teatro com referência aos dramas e felicidades do ser humano levado ao seu auge!

    Consequentemente, essas postagens da Ana, Dulce, Rocha, Mano, Palmeira, Pimentel, Ofélia, Mônica - perdão se não me lembro de todos -, são odes à comunicação, homenagens aos antepassados que, se antes se entendiam por grunhidos, agora temos artigos com essas qualidades, que nos enternecem, nos apaixonam e nos deixam felizes por poder senti-los profundamente, inclusive a intenção de seus autores, que desejam para nós grandes emoções, e de valorizar a obra do próprio ser humano hoje tão depreciado.

    Um forte e caloroso abraço, Pimentel.

    Grato por me fazer sentir vivo, pois quando leio artigos com este esplendor deixo de pensar no que me amofina, e lampejos de alegrias me invadem o coração para, pelo menos, agradecer esta sensação indescritível de conviver ao lado de gente tão talentosa!

    Muita saúde e paz!




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    1. Dulce Regina13/01/2017, 18:24

      Caro Francisco, venha fazer-nos companhia. Alimente-se aqui, para ter forças na luta sem fim, da Tribuna da Internet. Abraços, Dulce

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    2. Francisco Bendl13/01/2017, 23:25

      Minha querida Dulce,

      O alimento que me é servido neste blog extraordinário me permite seguir VIVENDO, pois excede uma simples ingestão qualquer de gêneros alimentícios porque também abastece a mente!

      E são poucas e raras as fontes que saciam a mente quando em busca de respostas, de soluções, de esclarecer as dúvidas.

      Mas, Conversas do Mano, tem esta característica, de fornecer subsídios que aumentam nossa inteligência, enriquecem nossos espíritos, e nos trazem a calma necessária para o discernimento.

      E, como muito bem escreveste - como sempre -, a luta na Tribuna da Internet é sem fim, árdua, penosa e, até o presente momento, sem qualquer vitória!

      Deve mais ser realçada pela sua valentia que eficácia; pela sua resistência que obter alterações neste quadro dantesco que vitimiza a todos.

      Então, a Tribuna é valorosa, uma fortaleza contra os inimigos do povo, contra os traidores, porém batalhas sem trégua, sem descanso, e na minha idade me falta fôlego, preparo físico, onde corro para este oásis para beber água fresca e me deliciar com frutas novas, tenras.

      Agora, não devo fazer deste pequeno paraíso um eterno refúgio, pois devo ir à luta, no meu modo de entender este país e povo. Preciso mostrar que, apesar da idade, ainda me resta determinação, garra, denodo, sangue, que estarão sempre à disposição dos injustiçados, oprimidos, dos abandonados e desprezados pelos governantes, e de mim mesmo, claro!

      Presunção? Não, Dulce, minha querida amiga, não. Vontade de enfrentar o poder reinante, justamente no momento que se encontra mais fragilizado porque falido ética e moralmente, razão pela qual podemos classificá-lo exatamente como merece, um reles ladrão!

      Bom, o Mano não quer política no seu blog, no que faz muito bem. Elogiei a Tribuna da Internet porque não poderia ser diferente, um espaço democrático, isento politicamente, um palco primoroso para apresentarmos nossas críticas, reivindicações, e deixarmos registrados comentários e artigos a respeito do momento atual brasileiro.

      Um forte e respeitoso abraço.
      Saúde e Paz, extensivo aos teus amados.



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    3. Moacir Pimentel14/01/2017, 10:27

      Chicão,
      Para começo de conversa, você não imagina o quanto a sua presença aqui me alegra e me honra.
      Dentre o muito e o eterno que você teclou no seu comentário me chamaram a atenção que "a escrita uniu a humanidade" e que a intenção dos que escrevem é " valorizar a obra do próprio ser humano". Concordo de A a Z.
      Nesse sentido seja aqui seja noutros espaços , seja teclando sobre poesia ou política , seja falando de/para águias ou ratos, não podemos espancar com as palavras.
      Tudo bem que , como dizia o Dante, "os lugares mais quentes do inferno estão reservados para quem se cala em tempos de crise", mas o que se quer é continuar fazendo das palavras pontes, ouvindo outras conversas além das nossas,somando as diferenças, equilibrando verdades parciais e aprendendo como se fossemos viver para sempre.
      Agradeço-lhe de coração por dividir conosco um caminho que vamos abrindo enquanto andamos e que talvez seja só um sonho, mas que é tão bonito e é para o alto, para o topo da montanha , para o lugar ao qual pertencemos , como cantava o Joe Cocker.
      Não desista de nós, Pássaro Trovão!
      Um abraço do seu tamanho

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  5. Flávia de Barros13/01/2017, 15:07

    Moacir,

    O seu artigo de hoje é uma maravilhosa oração. No filme do Condor a expressão nos rostinhos das crianças é simplesmente divina. Sem mais palavras além de um abraço emocionado para você.

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    1. Moacir Pimentel14/01/2017, 10:30

      Flávia,
      Grato pelas palavras sempre tão boas. E sim, a expressão daquele menino logo na abertura do vídeo do Condor - que aliás foi uma das ótimas sugestões do nosso Editor - é indizível. Outro abraço para você

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  6. Carlos Azevedo13/01/2017, 15:54


    Parabéns, Moacir.
    Você é insuperável quando escreve sobre os lugares e suas culturas.

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    1. Moacir Pimentel14/01/2017, 10:33

      Carlos,
      Que bom que você aprecia as viagens mas "insuperáveis" são mesmo os seus adjetivos. Obrigado e abração.

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  7. Dulce Regina13/01/2017, 18:21

    Uuuufffffaaaaa !!! Coitada de mim...mal acabei de carcarejar e ciscar o abutre de Leonardo da Vinci, e vem você com novos abutres num vôo muito alto, cheio de meandros e novidades e aí chego a conclusão de que não terei férias escolares e tento boicotar a aula enlevada na bela canção da nossa juventude, parar diante da pintura divina de Jacob Peter Gowy e admirá-la atentamente, meditar sobre a lenda que as avozinhas mitomaníacas portuguesas contam e que acredito ser a mais próxima do que imagino sermos , " morrer para renascer ". E...continuar com meu sonho na terra, encontrando Deus em todos os lugares,na brisa da montanha, nas flores da relva, nas ondas do mar com seu eterno mantra, no sol que aquece, na chuva que nos trás o arco íris e, por fim... encerrar o sonho como você gosta : partilhando uma bela comida, vinho e sobremesa, com aqueles que amamos. No mais, muito exercício para acompanhar você nessa bela viagem virtual. Abraços, Dulce

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    1. Moacir Pimentel14/01/2017, 10:39

      Querida Dulce,
      Matar as "aulas" para ouvir boa música é uma ótima ideia para não "queimar a bufa" , como diziam os antigos.
      Queremos e precisamos é da energia serena e a fé inabalável que lemos nos seus textos sobre o sol e a lua e os dias de chuva , as flores, o mar , o arco íris, a mesa, o vinho , a família, os filhos e netos e o amor e tudo isso que faz a vida merecer ser vivida.
      Pra quê mais?
      Se economize e ...às pretinhas!
      Abraço

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    2. Dulce Regina15/01/2017, 00:07

      Moacir, a expressão é : " queimar a MUFA " . Rsrsrs

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  8. Francisco Bendl14/01/2017, 16:56

    Pimentel,

    Acho que esta turma do blog Conversas do Mano está tão unida que dificilmente esta união será quebrada, terá um dos seus elos partido.

    Não, jamais vou desistir de vocês, jamais, pois é o local onde me sinto bem e também aceito.

    Alegro-me que tenhas percebido eu ter dado ênfase à escrita, e o quanto deve ser enaltecida e respeitada. E justamente uma das formas existentes de dar-lhe a importância devida é ... escrever bem!

    Não, não há a necessidade de se ser um Pimentel, mas que as palavras usadas tenham sentido, e que transmitem o recado que se deseja, por mais simples que seja o texto.

    Nesse aspecto, confesso, tento me esmerar, apenas tento, sabendo de antemão das minhas limitações.

    Enfim, continuemos nesta troca de ideias, conceitos, e cada vez mais nos aproximemos como um grupo de pessoas verdadeiramente interessada em se comunicar bem, em explicar, demonstrar, informar e, assim, possibilitar que se tenha momentos de satisfação e aprendizado.

    Um forte e fraterno abraço.
    Saúde e paz.
    Chicão

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