Francisco Bendl
Quando se
chega na idade que me encontro, um sexi-genário - perdão, sexagenário, e
batendo na porta do septuagenário -, tenho sessenta e sete anos, os balanços
que fazemos de nossas vidas são constantes.
Débito e
crédito devem estar em compasso ou, na pior das hipóteses, devemos apresentar
saldo positivo ou um superávit.
Sempre
que me meto a estabelecer essa contabilidade me arrependo. Penso até que eu
instituí limites para o cheque chamado de especial, onde podemos gastar o
dinheiro que não temos, porém graças à ficha cadastral o banco confia que lhe
devolveremos a quantia antecipada dentro de um certo prazo.
Perdi a
conta de quantas vezes renovei este crédito com a vida, permanentemente
devendo, sempre no vermelho, constantemente sendo chamado para “acertar” o
saldo negativo ou deficitário.
Também
perdi a quantidade de vezes que fui cadastrado junto aos órgãos restritivos de
crédito, cujas penalizações iam do desemprego a sem dinheiro para uma passagem
de ônibus; de ameaças de despejo do imóvel alugado para oficiais de justiça
arrolarem o que havia dentro de casa para pagar as dívidas!
Inicialmente
eu me punia pela incompetência e ineficiência em não me manter acima da linha
d'água, respirando normalmente, nadando sem maiores problemas. Depois, de tanto
estar submerso em problemas invariavelmente relativos ao vil metal, a
respiração foi se fortalecendo, a ponto que eu podia ficar mergulhado por
períodos maiores que a maioria das pessoas.
Em
decorrência dessa condição de ficar sem respirar por tempos recordes,
desenvolvi um escudo de proteção contra as dificuldades financeiras que, se eu
tivesse o dom de ganhar dinheiro, certamente eu colocaria no bolso Bill Gates,
Warren Buffett ou o Mark Zuckerberg ao comercializar a minha invenção.
E qual
teria sido esta grandiosa criação?
Simples:
Durante a
maior parte da minha vida estive sem crédito, frequentando amiúde SPC, Serasa,
Cartórios de Protesto ...
Ao
constatarem que a minha ficha era mais suja que pau de galinheiro, os gerentes dos bancos e financeiras com
educação e alguma polidez afetada me apontavam a porta da rua!
Sem
crédito, sem gastos, lógico!
No
entanto, havia outra questão de fundamental importância:
Essa
maneira inusitada de se manter o dinheiro exigia que, de mim para mim mesmo, eu
justificasse esta decisão, de estar apontado nesses órgãos que também podem ser
classificados como DELATORES PREMIADOS, haja vista receberem das empresas as
informações que transmitem do cliente.
Então,
sabiamente, eu dizia para mim mesmo o seguinte mantra:
“Estou
aprendendo tanto com meus erros, que estou pensando em cometer mais alguns”.
Desta
forma, quando eu saía da pena dos cinco anos sem crédito, lá ia eu de novo
segurar dinheiro, arrumando uns tostões no sistema financeiro e, como eu não
podia pagar, retornava aos delatores premiados!
Entretanto,
faz alguns anos que não preciso mais deste estratagema, de segurar dinheiro, e
não mais estou nos cadastros desses dedos-duros, que somente existem contra o
povo ou, por acaso, alguém sabe da existência de órgãos restritivos de EMPRESAS
que vendem e não entregam a mercadoria, que sonegam impostos, que não pagam
seus funcionários em dia, que não repassam os impostos que arrecadam de seus
empregados para o governo, locais onde podemos perguntar se aquele comerciante
ou industrial é digno de confiança para receber o nosso rico dinheirinho?!
Enfim,
sem mais a necessidade de “segurar dinheiro”, quando me aposentei o INSS me deu
um cartão de crédito!
Não
acreditei estar segurando nas minhas mãos o instrumento e símbolo maior do
consumo, um retângulo de plástico que me abriria as portas de lojas e
realizações de sonhos contidos!
Então, do
alto da minha experiência, aperfeiçoei o método que eu inventara no passado:
Não
comprei nada, claro, mas cortei o cartão ao meio com uma tesoura!
Durante
quase a vida inteira corri atrás de crédito e, agora, no meu ocaso, eu teria
justamente o agente da tentação ao meu dispor?!
Não, mas
não mesmo, eu não seria vencido pelo crédito, eu não me submeteria a sucumbir
pela importância e opulência de ter um instrumento tão ameaçador da minha atual
calma e paz!
Tive
prazeres inusitados quando fragmentei o cartão, rindo às bandeiras despregadas,
em gargalhadas escancaradas, durante o tempo que gastei – perdão, usei – para
picotar aquele agente do mal!
1) Boa crônica Bendl.
ResponderExcluir2) Me fez lembrar qdo algum banco ou instituição financeira, via telemarketing ligam aqui para casa me oferecendo mundos e fundos, então respondo:
3)"Obrigado, não precisa vcs depositarem a quantia citada, vou fazer uma oração para que em sua próxima ligação vc consiga convencer o cliente e realizar o negocio".
4) Algumas vezes canto hinos protestantes (hinos históricos, não confundir com gospel). E como sei que a ligação está sendo gravada, aproveito para cristãmente deixar minha mensagem anticonsumista.
5) Só uma vez o telefonista começou a rir, depois cantou junto comigo e fizemos um dueto.
Obrigado, meu amigo Rocha.
ResponderExcluirO sistema financeiro está acabando conosco.
Urge que nos conscientizemos do momento que vivemos e reformular a vida, principalmente com relação a gastos supérfluos e desnecessários.
Um abraço.
Saúde e paz.
Olá Francisco. Você tomou a decisão mais acertada da sua vida. Parabéns !!! Não estamos com idade para preocupar-nos com futilidades. As vezes brinco dizendo : " se um dia, um ladrão me abordar, vou apanhar...pois não tenho nenhum cartão, cheque e ando com pouco dinheiro. Até pouco tempo, meu celular era daqueles antigos " Sério...! Graças à Deus, nunca passei esse aperto. Mas que ia acontecer de apanhar, ia...Rsrsrs Afinal de contas moro na " cidade maravilhosa ! " Aí vc me pergunta : então como fazes ? Atualmente brinco, ando com o meu patrão. Depois então que operei a coluna ele não me larga, sempre ao meu lado. Tática dele : " Quem poupa, tem ". Abraços cheios de crédito. Dulce. PS: Sabe qual é a máxima mais moderna ? Economizar !!!
ResponderExcluirMinha prezada Dulce,
ExcluirGrato pelo comentário.
De fato, com o tempo avançando, a idade determina o que é mais útil e adequado à vida e, indubitavelmente, a paz de espírito, a tranquilidade, passam a ter mais importância que dinheiro ou bem material.
Não que o vil metal não tenha o seu mérito, o seu prestígio, a sua necessidade, claro que sim, mas não pode nos transformar em escravos ou dependentes, que sem ele no bolso não somos ninguém!
Um abraço, Dulce.
Saúde e Paz.
Chicão,
ResponderExcluirCartão de crédito é o que fazemos com ele. Não pode ser a grana que a gente não tem pra comprar o que a gente não precisa. De resto, é útil e seguro. Na casa da minha infância não se acreditava muito em pecado. Mas era pecado cabeludo pegar coisas fiado na mercearia da esquina. Aprendi cedo a lidar com dinheiro.Lá na Índia e afins se ele faltasse não tinha papai nem mamãe, nem gerente de banco nem dinheiro de plástico que me valessem.
Jamais vivemos acima das nossas posses.Se apertava eu me virava: dava aulas à noite pra bancar os tais aparelhos de correção dentárias,por exemplo.
Por muito tempo dormimos num colchão no chão e lembro, como se fosse hoje, quando as cortinas do nosso quarto eram toalhas de praia , recebidas como brinde de Natal de companhias aéreas, penduradas num fio de plástico amarrado a 2 pregos. Nós olhávamos para as logos da Varig , Vasp e Transbrasil - e tinha uma da Palmolive saída sabe-se lá de onde - garantindo a nossa privacidade e nos divertíamos.Até que nas férias compramos tinta para vidros e transformamos a janela em vitral. E não foi preciso comprar toalhas de praia (rsrs) Bons tempos!
Sempre nos viramos para botar comida na mesa e educar nossos curumins. Entre mortos e feridos sobrevivemos sem dever a seu ninguém e conquistamos uma estabilidade financeira, nos últimos tempos comprometida como a de todo mundo.
Enfim , é como diz a canção:
Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente.
Olho a minha volta e vejo engenheiros dirigindo Ubers, economistas preparando quentinhas, chefs desempregados fritando hamburgers em Kombis de fastfood, administradores tentando vender quinquilharias na web, arquitetos rascunhando projetos de garagem no calçadão de Copacabana, minha filha depois de cumprida sua jornada de trabalho fazendo sushis em cozinhas alheias para complementar o orçamento e continuar a poupar.
E vida que segue.
Agora...Imaginando você com uma tesoura retalhando dinheiro plástico sentindo "prazeres" inenarráveis e o Rocha cantando "cristãmente" com a moça do tele-marketing...desculpe, não deu pra segurar...
RI ALTO!
Valeu!
Abração
RSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRS!!!!
ExcluirA dor ensina a gemer, Pimentel, e cada um de nós encontra meios de superar as crises quando acontecem ou se deixa dominar por elas.
Algumas das soluções são criativas, outras nem tanto e, raras, resolvem a vida da pessoa porque pertinentes, próprias, exatas.
A lamentar é que exigem sacrifícios, renúncias, que precisam ser compensados por uma estrutura mental e psicológica com uma certa solidez, caso contrário, a solução encontrada é posta de lado, pois as obrigações e compromissos são difíceis de se manter.
Assim é o dinheiro, que comprovo a extrema dificuldade em se manter distante de suas tentações, a conduta de nossos governantes e parlamentares, invariavelmente corruptos, desonestos e ladrões - ops, falei em política, perdão, Wilson!
Diante desses exemplos negativos, somente uma educação primorosa de casa, com base em valores e princípios inegociáveis, que a pessoa pode fazer frente a uma vida despojada, porém honesta, decente, pela qual pode se orgulhar e servir de modelo a seus filhos.
Observa como foste criado, Pimentel, graças à família entendeste plenamente o significado de se viver em busca de ideais, e não à procura de se ganhar dinheiro como objetivo, pois este deve ser consequência, e jamais causa!
Obrigado pelo comentário, apropriado e justo ao artigo.
Um forte abraço, meu caro.
Saúde e Paz!
Olá Francisco Bendl, voz de trovão,
ResponderExcluirTambém ri muito com voce e o Antônio, impagáveis!
E parece que a busca, ou soluçao, hoje, é a procura de uma vida mais simples e econômica. Prá gente e para o planeta. E vamos voltando devagar para o estilo da nossa infância e dos nossos pais. Que bom, que tranquilo! Que feliz!
Saúde e paz para você.
Até mais.
Querida Aninha,
ExcluirObrigado pelo comentário.
Fico imaginando a cena entre mim e o Rocha, ele cantando seus mantras e eu com um sorriso maluco picotando o cartão de crédito, que cena espetacular para um filme que mostrasse o lado negativo do dinheiro, justamente aquele que perturba as pessoas, que faz com que o odeiem, exatamente pela obsessão de tê-lo e gastá-lo!
Também me diverti com a situação que, se um tanto heterodoxa, na verdade tem uma certa lógica, pois o Rocha cantando estaria espantando os maus espíritos, que acompanham as tentações que o dinheiro acarreta, e eu os destruindo com meu ímpeto avassalador de me vingar dos males que ocasionam, ou seja, serviço completo!
Um abraço, Ana.
Saúde e Paz, extensivo ao Mano.