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02/01/2017

De Santa Justa a Belém

fotografia Moacir Pimentel



Moacir Pimentel

Em Lisboa não tem como resistir a uma viagem no Elevador de Santa Justa, que conecta as ruas de Santa Justa e do Ouro, localizadas na Baixa, com o Largo do Carmo, lá no alto do Chiado. Ele me lembra outro elevador, o Lacerda, na bela Salvador da nossa Bahia.
A área aberta no seu topo foi transformada no Miradouro de Santa Justa e do alto dos seus quarenta e cinco metros de altura se tem a visão panorâmica do centro histórico de Lisboa: o Castelo de São Jorge, o Rio Tejo, as Praças do Comércio e do Rossio e a verdura da Avenida Liberdade.

Temos um carinho muito grande por esse elevador construído em 1902, dizem que por um engenheiro que fora aluno de Gustav Eiffel. São bonitos os seus painéis de madeira, as janelas em estilo gótico combinando os arcos do Carmo. Lá de cima pode-se ver que o centro da cidade foi reconstruído com um traçado rigoroso de amplas avenidas e praças convidativas.

É o local ideal para se dar uma relaxada, abrir o expediente tomando um mojito, por exemplo, e ouvir os violões que se revezam por lá e que tocam de tudo – fado, Beatles, rock, pop, MBP e, inclusive, até mesmo a Tiê. Ver o sol se pondo sobre os telhados e o Tejo é um programa e tanto

Vistas de cima e apinhadas de passantes são belas as praças à esquerda e à direita. Os lisboetas curtem muito tais espaços abertos e, tenho certeza, tal afeto vem de longe quando neles todos se reuniam durante terremotos. Do alto se percebe claramente o quanto os edifícios de Lisboa são parecidos com os do nosso país: alguns marcos históricos permanecem, mas a maior parte de Lisboa foi reconstruída enquanto, por aqui, nos colonizavam.

É geralmente enquanto o sol incendeia o Tejo que se combina o que fazer no dia seguinte. Uma passagem por alguns dos muitos museus é sempre uma boa pedida. Mas a Feira da Ladra é bem divertida e é obrigatória uma visita de metrô – as estações do de Lisboa são arte na veia! - ao futurista bairro do Vasco da Gama.

Mas...Quem consegue renunciar aos encantos de Belém?

A região de Belém, ancorada no rio Tejo, sofreu o menor dos danos durante o sismo, de modo que é lá onde moram os monumentos originais do século XVI como a antiga escola de equitação que hoje é o Museu Nacional dos Coches.
Não tem como ir naquelas paragens sem passar na Casa dos Pasteis de Belém, é claro, berço da iguaria em 1837 e guardiã da sua receita secreta. Saborear um pastelzinho e beber uma Água das Pedras naquelas salas decoradas com azulejos azuis originais é uma delícia. E depois?

É só atravessar a rua e encarar todo o drama em calcário branco do Mosteiro dos Jerónimos, erguido em 1502 por ordem do rei Dom Manuel I, para comemorar a primeira das três viagens de Vasco da Gama à Índia.
Dizem que o edifício eclesiástico teve por motivação as orações dos monges da Ordem de São Jerônimo que, em troca de tão imponente abrigo, se comprometeram a rezar pela alma eterna do rei e a dar orientação espiritual aos navegadores e marinheiros que se aventuravam nos mares pela foz do Tejo, a partir do porto de Restelo.
A esplêndida fachada do mosteiro , suas torres e janelas e colunas, parecem cobertas por renda de pedra que invade a construção e também reveste o quadrilátero interno e os indizíveis arcos do claustro, para mim o melhor da obra.

Ao lado do mosteiro mora a bela igreja de Santa Maria que abriga os túmulos de dois grandes portugueses: o descobridor Vasco da Gama e o poeta Luís de Camões.
Tanto a igreja - construída no local de uma capelinha fundada pelo Infante D. Henrique e frequentada por marinheiros - quanto o claustro são exemplos do estilo manuelino exclusivo de Portugal - uma combinação dos estilos gótico e renascentista e da arquitetura mourisca, embelezada por elementos náuticos, tais como cordas, conchas, âncoras e redes, única no vasto mundo.  
O Mosteiro é povoado por esculturas de figuras históricas, gárgulas excêntricas, macacos e gatos e a esfera armilar - um globo cercado por anéis móveis para a navegação – que, como brasão de Dom Manuel, aparece em todos os lugares.

fotografia Moacir Pimentel

Do outro lado da larga avenida movimentada e depois de belos jardins se encontra a Torre de Belém construída com quatro andares fortificados. A Torre está na boca do porto: é a última visão de casa para os marinheiros que vão enfrentar o mar e a primeira em seus retornos.

Nesse namoro fluvial surge - na última foto na montagem acima - o edifício do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, inaugurado no último dia 5 de outubro à beira do rio Tejo como um miradouro, uma colina artificial que lá do seu cume permite a seus visitantes a visão do Tejo numa perspectiva dramática, como se estivessem na proa de um navio, sem terra à vista, mas a cobertura curva do MAAT transformando a paisagem ribeirinha e refletindo, nas quatorze mil novecentas e trinta e seis placas de cerâmica que revestem sua fachada, a luz mutante.

Muito próximo se ergue imponente o Padrão dos Descobrimentos que sempre faz a gente recordar as bancas da escola onde nos ensinaram como, financiado pela Espanha, Cristóvão Colombo chegou à America. Imagino o susto que levaram os portugueses!
Sim, pois toda a Europa pensou, então, que Colombo tinha descoberto uma nova rota para a Ásia e era exatamente isso que príncipe português, o Infante D. Henrique e tantos mais procuraram, navegando para cada vez mais longe e para o sul ao longo da costa atlântica da África entre 1430 e 1450 até que, finalmente, em 1487, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, quando Vasco da Gama tinha apenas dez anos.

Portugal, compreensivelmente, deve ter se desesperado ao tomar conhecimento dos achados de Colombo e supor que perdera todo o comércio do Oriente para a Espanha depois de tanto investimento.
Mas... em 1497 Dom Manoel I inventou a Primeira Armada da Índia e confiou a Vasco da Gama o cargo de capitão-mor da frota que, em julho de 1497, zarpou de Belém à procura das Índias, com cerca de cento e setenta homens, entre marinheiros, soldados e religiosos, distribuídos por quatro embarcações: as naus São Gabriel, São Rafael, São Miguel e Bérrio.

A 20 de maio do ano seguinte a frota alcançou Kappakadavu, próxima a Calicute , no atual estado indiano de Kerala, estabelecendo a Rota do Cabo e abrindo o caminho marítimo para a Índia.
O monumento o Padrão dos Descobrimentos reconta a história náutica de Portugal.

fotografia Moacir Pimentel



O monumento é um paredão de praí uns cinquenta metros de altura com a forma da proa de uma caravela. Foi inaugurado em 1960 para comemorar os quinhentos anos da morte do Infante D. Henrique que tivera papel fundamental nos Descobrimentos. Ele é a primeira das trinta e três figuras esculpidas e que retratam Vasco da Gama, Magalhães, Camões, São Francisco Xavier e tantos outros patrícios em ambos os lados do monumento.

A vista panorâmica sobre o Rio Tejo e do bairro de Belém, na parte superior do edifício, é de tirar o fôlego. De lá pode-se ver os moinhos de Lisboa, que embora ilustres desconhecidos estão ali bem pertinho na subida colina até ao Restelo, restaurados e em funcionamento como no século XVIII quando Belém ainda era uma zona rural. Eles contrastam com os modernos edifícios de apartamentos que hoje os rodeiam.
Somente do alto se pode ver a Rosa dos Ventos de cinquenta metros de diâmetro, desenhada no espaço em calçada portuguesa da gema defronte do monumento com um planisfério habitado por sereia, peixes psicodélicos e um Netuno empunhando um tridente e uma trombeta e, como se não bastasse, cavalgando um ser aquático inidentificável. À direita e distante avistamos a Ponte 25 de Abril e as famosas Docas de Santo Antônio.

Um dos cartões postais da cidade , a Ponte 25 de Abril acaba de completar seus bem vividos cinquenta anos e continua sendo o maior vão suspenso rodoferroviário da Europa, pois sim, um trecho ferroviário passa por baixo das pistas de automóveis.
Há registros históricos de que desde 1876 já se cogitava uma ponte ligando as duas margens do Tejo, de Lisboa a Montijo. Salazar considerava que a obra definira o Estado Novo e deve ter se revirado no túmulo, quando, após a Revolução dos Cravos, a sua Ponte Salazar passou a se chamar Ponte 25 de Abril.
Por seus dois quilômetros de extensão, diariamente, passam muitas dezenas de milhões de veículos e hoje é difícil imaginar que um dia a travessia da cidade de Almada à Lisboa era feita de ferry-boat.

Muitos comparam a 25 de Abril à Golden Gate Bridge em São Francisco nos Estados Unidos, talvez pela tonalidade avermelhada e o formato parecido. Entretanto, ela mais se parece com a Bay Bridge, a ponte que faz a ligação de São Francisco a Oakland.
Muitas casas tiveram que ser demolidas para dar lugar à Ponte e assim novos bairros foram criados para realojar as famílias que viviam na ribeira. Mas os nativos se orgulham das suas pontes e qualquer lisboeta minimamente informado lhe dirá que, se Lisboa for novamente vitimada por um terremoto, as pontes seriam os locais mais seguros para a população.

Os antigos armazéns do Porto de Lisboa, junto à Ponte 25 de Abril, foram restaurados em 1995 e transformados em restaurantes e bares. Todos oferecem vistas magníficas da ponte, da marina e do rio, fazendo das Docas - como o local é chamado - um destino muito procurado para se comer ou virar uns copos. Foi nas Docas que provei uma maravilha: a melhor caldeirada de enguias temperada com hortelã graúdo da minha longa vida!

fotografia Moacir Pimentel


            Quando a tarde vai terminando e os bárbaros se recolhendo aos seus hotéis é hora de se visitar no Museu Berardo uma coleção de arte moderna notável com obras de Warhol - um retrato de Judy Garland – Picasso – uma estupenda Métamorphose - Dali, Duchamp, Magritte, Miró, Bacon – a famosa tela Édipo e a Esfinge depois de Ingres - Jackson Pollock, Jeff Koons, entre outros representantes de dezenas de movimentos modernos.
São centenas de quadros, esculturas, fotografias e instalações.

             Nenhum deles tão belos quanto o por do sol sobre as maravilhas à beira do Tejo...


9 comentários:

  1. Monica Silva02/01/2017, 10:27

    Eu visitei Belém com uma competente guia portuguesa explicando tudo bem direitinho embora por causa do sotaque eu não entendesse metade do que ela falava kkk. Sou mais você! Na primeira segunda feira do ano é bom d+ ler seu texto recheado por bom astral e fotos fantásticas. Feliz Ano Novo, Moacir.

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    1. Moacir Pimentel03/01/2017, 10:58

      Mônica,
      Se bem me recordo de seus pretéritos comentários, você visitou Lisboa muito jovem e não devia estar lá muito interessada no tal do "estilo manuelino" que com certeza foi descrito pela guia em Belém e - que tédio! - em português castiço (rsrs) Espero poder continuar merecendo a sua leitura atenta e os seus comentários generosos e desejo-lhe um 2017 tão leve quanto você. Abraço

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  2. Flávia de Barros02/01/2017, 12:23

    Moacir,


    Mais um artigo encantador ( como sempre ) com fotos simplesmente belas. A imagem do elevador de Santa Justa é um espanto e este por do sol na Torre e no Monumento dos Descobrimentos é um poema que merecia mais espaço. Desejo para você e a sua família tudo de bom em 2017 e deixo-lhe um abraço.

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    1. Moacir Pimentel03/01/2017, 11:02

      Flávia,
      Que bom que você curtiu as pretinhas e as fotos. Infelizmente o Blog tem limites de espaço e, portanto, tanto eu quanto o nosso Editor somos forçados a ilustrar os posts com menos fotos do que gostaríamos ou a reunir quatro imagens em uma só montagem , como foi o caso do por do sol no Tejo.
      Para nos redimir prometo-lhe para breve a "conversa" sobre o Salvator Mundi de Leonardo da Vinci abençoando a humanidade que você tanto aprecia.
      Feliz Ano Novo para você e os seus e outro abraço.

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  3. Olá Moacir,
    Que bom ter você de volta com seu Portugal querido, a Torre de Belém, o Mnumento, a avenida verdejante, Lisboa inteira!
    Bom 2017 para você e os seus queridos.
    Até mais.

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    1. Moacir Pimentel03/01/2017, 11:08

      Caríssima Donana,
      Agradeço-lhe imenso pelas boas vindas e votos de bom novo ano, que retribuo dobrados. Trouxe das férias novas fotos e memórias e conversas com as quais vou tentar rascunhar, assim que me adaptar ao fuso, ao "calor" , à dieta de fome e voltar a pensar lé com cré.
      Cruze os dedos!
      Abraço

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  4. 1) Oi Santa Justa, por favor abençoe o Moacir autor do ótimo artigo e fotos belíssimas.

    2) Abençoe tb o blog do Mano, seus leitores e comentaristas com um belo 2017 !

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    1. Moacir Pimentel03/01/2017, 11:10

      Vizinho Antônio,
      AMÉM!
      Que Santa Justa e toda a galera santíssima de todos os credos protejam a todos nós que tanto temos aprendido uns com os outros nestas boas conversas.
      Obrigado e abração

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  5. 1)Licença. Encontrei o vídeo abaixo e compartilho.

    2)Saudações Lusitanas Vizinho !

    3)https://www.facebook.com/regressarasorigens/videos/vb.478659782181260/1058933414153891/?type=2&theater

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