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27/01/2017

“Há mouro na costa!”

fotografia Moacir Pimentel



Moacir Pimentel

Desde os finais do século VII e durante mais de um milênio toda a orla marítima portuguesa - do Algarve ao Alto Minho - foi alvo de expedições protagonizadas por corsários e piratas mouriscos à caça de escravos ibéricos que eram, em seguida, comercializados nos mercados de Argel, Marrakech ou Trípoli.
Face a isto, as aldeias costeiras de Portugal viviam em permanente estado de alerta de maneira a prevenir suas populações do perigo e dar-lhes chance de fuga. Pelas praias erguiam-se inúmeros postos de vigia, do alto dessas torres o horizonte era vigiado e quando lá surgiam as velas dos navios árabes, o sentinela gritava desesperadamente:
Há mouro na costa!”
Em seguida fogueiras eram acesas e sinais de fumaça enviados e o povo alertado ou se armava para o confronto ou abandonava as vilas praianas e dirigia-se para o interior, onde os corsários não se atreviam a penetrar. Há relatos desses episódios em pleno século XIX.
Na t’rrinha o grito “Há mouro na costa!” passou a ser uma expressão de uso popular para advertir alguém de um eventual perigo.
Dizem as “velhas da praia” que um desses postos de vigia foi erguido em Viana do Castelo, bem no local onde hoje mora o imponente Santuário de Santa Luzia que ilustra o post com sua silhueta mourisca.
Durante muitos séculos a Península Ibérica foi povoada e governada por vários povos – dentre eles os muçulmanos - que se cruzaram entre si, misturando sangues, culturas, costumes e conhecimentos.
No ano de 711, tropas oriundas do norte da África cruzaram o estreito de Gibraltar e venceram, na batalha de Guadalete, o visigodo Rodrigo, um dos muitos reis germânicos que dominaram as províncias ibéricas depois da queda do Império Romano. Esta conquista árabe entrou para a História com o nome de Invasão Islâmica da Península Ibérica.
O curioso é que a ocupação islâmica foi incentivada e facilitada pelo povo que habitava a região hoje conhecida como Algarve, no sul de Portugal. Naquelas paragens várias tribos visigodas convertidas ao cristianismo viviam às turras, envolvidas em disputas territoriais e de poder.
Por causa dessa rivalidade, os inimigos do então rei visigótico Rodrigo resolveram pedir ajuda ao líder árabe Musa ibn Nusayr, que reinava absoluto no norte da África, argumentando que segundo a xaria, a lei islâmica, era dever do mulçumano defender os povos do Livro: judeus e cristãos.
Musa não só atendeu ao pedido como aproveitou para tomar para si toda a Península, invadindo-a com tropas sob o comando do temido general Tarique.
É preciso registar que chegada dos árabes foi saudada com muito entusiasmo pelos sefarditas, os judeus de Portugal e Espanha. Pudera! Desde o tempo das navegações fenícias, os judeus tinham vivido e prosperado em Sefarad – o nome em hebraico da Península Ibérica - até que começaram a ser perseguidos pelos reis cristãos visigóticos que os condenaram à escravidão e proibiram de comercializar com os cristãos.
Não é de estranhar, portanto, que muitos judeus sefarditas tenham aberto as portas das cidades para facilitar o avanço das tropas islâmicas e se colocado às ordens dos invasores.
A invasão moura da Península Ibérica foi longa na duração e rápida na conquista. Durante mais de vinte anos, o avanço mouro enfrentou pouca resistência e só foi barrado pelos francos, o povo cristão que habitava o território francês, a menos de trezentos quilômetros de onde hoje fica Paris.
Os mouros precisaram de menos de uma década para dominar completamente a Península que chamaram de “al-Andalus” e que permaneceria sob seu controle durante quase oito séculos.
E o que significava “ al-Andulus” ? A resposta é que não se sabe ao certo. A denominação deu o ar da graça dela, pela primeira vez, em 716, em uma moeda árabe de nome dinar, na qual cunharam de um lado e em latim Hispania e do outro al-Andalus.
Dizem os doutos que a palavra al-Andalus pode estar relacionada com Vandalicia, o vocábulo usado pelo povo vândalo para denominar a Bética romana tomada por ele no século V. Há quem ache, diferentemente, que a palavra seria uma arabização de landa-hlauts, outra denominação da mesma Bética, só que na língua goda, aquela do povo bárbaro que dominou a Lusitânia. E quem acredite que al-Andalus poderia ser interpretada como uma tradução infiel para a ilha perdida de Atlântida.
O que interessa no escopo desse post é que a Lusitânia romana, a região ocidental da Península Ibérica que foi chamada pelos árabes de al-Gharb al-Andalus, significando o Ocidente do al-Andalus, era o atual território português.
Esse Portugal mouro, esse Gharb al-Andalus - que não se limitava apenas à atual região do Algarve como o seu apelido árabe al-Gharb leva a crer - foi uma região periférica em relação à próspera vida econômica, social e cultural da província que depois se tornou um emirado e que por fim chegou a ser o califado de al-Andalus, na região da atual Andaluzia.
Nos séculos seguintes, os muçulmanos foram os donos da península e as conquistas territoriais e militares resultaram em influência cultural. A invasão dos mouros deu origem a uma sociedade muito heterogênea na qual os judeus sefarditas também deixaram profundas digitais, uma delas na música. Uma das mais belas canções sefarditas em ladino, a língua híbrida por eles falada, é o acalanto Durme, durme, querido:
O processo da reconquista cristã prolongou-se durante todo o período da Idade Média. Em 1139, encorajado por uma brilhante vitória contra os árabes em Ourique, Afonso Henriques declarou-se liberto das rédeas de Castela e um Portugal independente surgiu sob a sua própria coroa.
A partir dessa data, Portugal começou a desenvolver uma identidade nacional distinta daquela dos galegos, leoneses, catalães, castelhanos e outros reinos ibéricos, que mais tarde se uniram para se tornar a Espanha.
Em meados do século XIII, Afonso III conquistou Faro, a atual capital do Algarve, que era então o último reduto dos árabes. Com a sua queda, em 1249, os cinco séculos de domínio árabe que tanto enriqueceram Portugal, tiveram um ponto final.
Mas continuaram a existir várias comunidades mouras, sobretudo no Algarve e no Alentejo. Como o seu nível cultural era superior ao dos nativos, foi grande o influxo da cultura muçulmana na vida portuguesa.
Finalmente, após oitocentos anos de tentativas, no início da chamada Idade Moderna, durante o reinado dos reis católicos Fernando e Isabel, os muçulmanos foram expulsos também das terras que viriam a ser a Espanha.
Francisco Pradilla - A Rendição de Granada

A vitória final sobre os invasores muçulmanos que aconteceu a 2 de janeiro de 1491 quando da Tomada de Granada foi pintada pelo artista Francisco Pradilla, no século XIX, num quadro onde se pode ver Boabdil, ou Maomé XII, o último sultão de Granada, entregando as chaves da cidade aos reis Fernando e Isabel.

Note que no mesmo ano da rendição da Granada, um genovês de nome Cristóvão Colombo chegou à América, patrocinado pelos mesmos reis e mudou a história do mundo.
Este conjunto de acontecimentos históricos teve uma importância imensa pois a unificação e a expansão dos reinos português e espanhol resultou na era dos descobrimentos, do colonialismo e do apogeu da civilização ocidental.
A mesma civilização ocidental que criou tudo isso também formou o espírito crítico que permitiu ver essa narrativa gloriosa, desde o início, com todos os seus atos de heroísmo e crueldade, acertos e erros, injustiças e inovações, generosidade e abusos de lado a lado.
A gente se encanta ao ler o poema El Cantar de Mio Cid ou ao escutar Le Cid, a ópera de Massenet em homenagem a Rodrigo Díaz de Vivar, chamado por seus inimigos de El Cid – do árabe Sidi para senhor - e de El Campeador por seus pares, sempre com igual respeito por sua valentia.
Diz a lenda que Jimena, a mulher de Rodrigo, ferido de morte defendendo sua cidade de Valência, mandou amarrar o corpo do seu homem ao cavalo e uma espada à sua mão e o colocou à frente de suas tropas no campo de batalha. Ao ver El Cid – que julgavam morto e sepultado - em cima do seu cavalo os árabes fugiram e, desorganizados, foram facilmente perseguidos e derrotados pelo exército de Don Rodrigo de Castella, o herói nacional dos espanhóis.
Alguns de vocês se lembrarão desta cena no final do filme de Anthony Mann:
               Mas não se pode admirar menos Ṣalaḥ ad-Din Yusuf ibn Ayyub, o Saladino, que apesar de ter sido a nêmesis dos cruzados, conquistou o respeito de muitos deles, incluído Ricardo Coração de Leão. Segundo os cronistas cristãos de seu tempo, longe de se tornar uma figura odiada na Europa, o sultão mouro, além de ser adorado por seu povo, foi um exemplo dos princípios da cavalaria medieval para os cristãos.
O personagem Saladino de Sir Walter Scott, um guerreiro refinado e cavalheiresco, fictício mas totalmente plausível pois fundamentado em fatos históricos, merece ser lido nas páginas do seu livro Talismã e, bem assim, o líder histórico Ṣalaḥ ad-Din tem que ser descoberto nos capítulos do Livro de Saladino, da lavra do escritor paquistanês Tariq Ali, que nos remete ao universo da cultura muçulmana e nos apresenta as Cruzadas não como uma aventura de cavaleiros em armaduras reluzentes, lutando para civilizar povos bárbaros e libertar Jerusalém do julgo muçulmano, mas pela perspectiva islâmica e, mais interessante ainda, pela do narrador da “conversa”, o escriba judeu Ibn Yakub, cuja própria vida é contada nos intervalos do drama principal.
Moral das leituras? “A moeda tem duas faces”, como repetem os portugueses.
Os vestígios materiais da longa e próspera permanência árabe em Portugal não são tão notórios quanto deveriam, principalmente porque a política cristã de reconquista foi a de terra arrasada.
Cada localidade retomada dos árabes era destruída e tanto os objetos de arte como as construções do inimigo infiel eram queimados em fogueiras que ardiam durante dias. Mas restaram alguns elementos reveladores deste período da vida portuguesa, principalmente nas ruínas das muralhas e dos castelos, bem como no traçado de ruelas e becos de várias cidades, notadamente do sul do país, já que a retomada cristã forçou gradualmente os árabes para o sul.
Mas não se pode negar que o período islâmico em Portugal deixou poucos monumentos importantes enquanto que, na Andaluzia, os árabes produziram tesouros arquitetônicos como a Giralda de Sevilha, a Grande Mesquita de Córdoba e o Palácio da Alhambra em Granada.
Em Portugal, na fronteira sul da Europa com o mundo muçulmano, os governantes árabes investiram pouco nas construções grandiosas. Assim, o legado artístico e arquitetônico islâmico em Portugal limita-se a ruínas de fortificações, muitas delas posteriormente alteradas.
Das artes da construção militar e civil nada chegou intacto até o nosso tempo mas o Castelo de Silves, o Castelo dos Mouros em Sintra e a Igreja Matriz de Mértola são algumas das relíquias deixadas pelas gerações de ibéricos e mouros e judeus que conviveram durante mais de quinhentos anos.
O Palácio Nacional de Sintra apenas ecoa o design mouro nas suas alvas torres, construído que foi no século XV. Da mesma forma, no Palácio da Pena edificado no século XVI, a influência árabe também se verifica no revestimento de paredes e chãos e nos mosaicos, com técnicas específicas e uma linda paleta de cores importadas da Espanha mourisca.

Montagem Moacir Pimentel

Cidades como Coimbra, Lisboa, Faro, Évora, Mértola e outras foram islamizadas e em todas elas ainda se encontram vestígios mouros nos muros, portas, fontes, jardins e mesquitas.É notório, nos últimos anos, um incremento de interesse pelo legado árabe de Portugal dessas cidades tanto que em Lisboa, por exemplo, tem-se investido na restauração de parte das muralhas da cidade moura.
É preciso salientar que em todos os recantos da t’rrinha os lusitanos, mouros e sefarditas conviveram nas ruas tortas e estreitas e viveram em casas quase desprovidas de janelas em bairros separados. Sob o domínio islâmico em Portugal as medinas, as judiarias e os bairros cristãos e moçárabes eram vizinhos.
As três mais populosas cidades muçulmanas lusitanas foram, pela ordem, Silves, Lisboa e Mértola, cujo museu abriga uma estupenda coleção de arte árabe.
No entanto é Silves, conhecida como Shalb enquanto era a capital árabe do Algarve e competia com Cordoba para ser o centro intelectual do mundo islâmico ocidental, a cidade guardiã do mais rico legado mouro. O místico Ibn Qasi, o rei- poeta de Sevilha al-Mutamid e o poeta Ibn'Ammar nasceram todos dentro de suas muralhas.
Devastada quando foi reconquistada, a cidade nunca mais atingiu o tamanho ou a glória anteriores e hoje é uma terra modesta, cuja economia depende fortemente do turismo.
Apenas o castelo árabe, que além de Palácio das Varandas era conhecido como a Alcazaba - de al-Qasabah, significando fortaleza – permanece altaneiro nas duas primeiras fotos da montagem acima, com suas paredes de arenito vermelho e as torres quadradas, onde a corte real muçulmana se reunia para concertos, leituras de poesia e festas, segundo o poeta Ibn’Ammar
“Saúda, por mim, Abu Bakr,
os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande quanto a minha.
Saúda o Palácio das Varandas,
da parte de quem nunca o esqueceu,
morada de leões e de gazelas
salas e sombras onde eu
doce refúgio encontrava
entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas.
Moças níveas e morenas
atravessavam-me a alma
como brancas espadas
como lanças escuras.
Ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
preso nos jogos do amor
com a da pulseira curva,
igual aos meandros da água,
enquanto o tempo passava…
ela me servia vinho:
o vinho do seu olhar,
às vezes o do seu copo,
e outras vezes o da boca.
Tangia-me o alaúde
e eis que eu estremecia
como se estivesse ouvindo
tendões de colos cortados.
Mas se retirava as vestes
grácil detalhe mostrando,
era ramo de salgueiro
que me abria o seu botão
para ostentar a flor.”

Pois é. Aparentemente, os mulçumanos de antigamente, com muita sensatez, não estavam nem aí para aquelas quarenta virgens esperando por eles no além à beira daquele rio de mel. E gozavam das delícias do paraíso aqui mesmo na Terra, em solo lusitano.
Desse passado ameno sobreviveram ainda, em precárias condições, a cisterna abobadada que abastecia d’água os mouros e um dos portões da medina de Silves. Sua Catedral ainda retém tênues vestígios da mesquita sobre a qual foi construída.
Na cidade de Mértola, no Algarve, a Igreja de Nossa Senhora da Anunciação, também conhecida como Igreja Matriz – veja na última foto da montagem acima - é o único exemplar de arquitetura religiosa islâmica remanescente em Portugal. Ela foi construída como mesquita no século XII e foi transformada em Igreja após a Reconquista, no século XIII.
Do primitivo templo islâmico são testemunhas as quatro portas de estilo árabe, o mirabe indicando a direção de Meca, as delgadas colunas e os minaretes que mais do que qualquer outro elemento evidenciam que a construção era uma vez uma mesquita.
Em Mértola tem sido feito um valente trabalho de restauração desde o bairro mouro até a necrópole islâmica. Recentes escavações também descobriram uma rua de paralelepípedos e fundações de praí uma dúzia de casas muçulmanas, debaixo de antigos conventos e das muralhas defensivas da antiga cidade costeira de Tavira.
Nesse património árabe são notórias certas características arquitetônicas como a abóbada, o arco em ferradura e a ornamentação que, sem dúvida, foi um dos aspetos que mais contribuiu para a unificação e fama da arte islâmica.
Ainda que tenham sido utilizados na Península Ibérica antes dos mouros, pela originalidade das suas estruturas e dos seus motivos ornamentais, tais elementos deram origem à uma paisagem portuguesa tipicamente muçulmana e passaram a ser as imagens mais icônicas da ocupação mourisca na t’rrinha.
As arcadas com colunas encimadas por capitéis, por vezes ricamente trabalhadas, foram soluções estruturais muito utilizadas, porém o arco em ferradura, de influência visigótica, é a própria imagem de marca da civilização muçulmana em Portugal.
Embora os arcos em ferradura apareçam do Norte do país até o Algarve, poucos deles resistiram intactos até aos dias de hoje. Em bom estado de conservação lembro-me apenas daquele do Castelo de Silves – veja a segunda foto da montagem - dos que adornam as portas da Vila de Faro e da Medina de Elvas, e daqueles que embelezam as quatro portas da Mesquita de Mértola.

É preciso não confundir a arte islâmica unida à arquitetura e baseada na tradição clássica das artes bizantina e persa - desenvolvida em Portugal entre 712 e 1249 – com a arte neo-árabe, mais contemporânea, feita no final do século XIX com a intenção de recriar com luxo e exotismo a arquitetura muçulmana.
É o caso da Praça de Touros de Lisboa e do maravilhoso Salão Árabe azulejado do Palácio da Bolsa no Porto.

imagem Wikimedia Commons

Diferentemente da influência moura na Andaluzia espanhola tão marcante na arquitetura - fontes, jardins internos e salões com paredes decoradas por poemas escritos em árabe - em Portugal a arte árabe e moçárabe é sobretudo móvel.
Nela os arabescos geométricos estilizados são o principal elemento decorativo, embora apareçam também, aqui e ali, representações vegetais e animais nas peças de cerâmica utilitária.
A grande profusão de superfícies decoradas e o preenchimento decorativo de absolutamente todos os espaços tem a peculiar denominação de “horror do vazio”.
A repetição de motivos – geométricos, cosmológicos, de origem vegetal - as belíssimas caligrafias e a combinação de diversos materiais e texturas criam um efeito tridimensional que confere aos edifícios uma certa aura de mistério e harmonia, para a qual contribuem igualmente a luz e a presença da água.
A rejeição de qualquer imagem figurativa que é, como sabemos, outra característica da arte islâmica deve-se ao repúdio que os muçulmanos têm pela idolatria, ou seja, a veneração de imagens que simbolizem seres divinos.
Uma tradição decorativa árabe que tem sofrido para se tornar parte da moderna identidade portuguêsa é a dos azulejos. A palavra vem do árabe al-zulayj, significando pedra polida.
Nas paredes de casas, igrejas, mansões, estações de trem e metrô, restaurantes, museus e em inúmeras outras estruturas, lá estão os onipresentes azulejos acentuando a beleza de cada edifício que adornam.
As lindas paredes de azulejos que encontramos em cada cidade e aldeia da t’rrinha harmonizam-se com todos os Portugais: do mouro ao manuelino e dele ao barroco, este último desenvolvido em grande parte por Francisco Arruda, um admirador da arte árabe e um dos melhores arquitetos portugueses no período posterior aos Descobrimentos.
Durante o século XVIII, a idade de ouro dos azulejos, a influência holandesa foi marcante e introduziu novidades pictóricas tais como animais, castelos, navios, flores, pessoas e cenas religiosa e históricas monocromáticas: azul sobre branco.

fotografia Moacir Pimentel
Mas são os primeiros azulejos, de inspiração mourisca, estilo geométrico e padrões coloridos, que mostram mais claramente os laços com a arte árabe.
Fora de Lisboa, azulejos de padrões intrincados embelezam as paredes e pisos do Palácio Nacional e do Castelo da Pena em Sintra, a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo nas Caldas da Rainha, a Igreja da Misericórdia em Vila do Conde e muitas outras estruturas enriquecidas pela excelente arte árabe.
Mas é no sul, especialmente no belo Algarve, nas suas características geográficas, nos seus campos de oliveiras, sobreiros, alfarrobeiras e cítricos, nas suas videiras e pomares de romãs e amendoeiras, nos seus castelos, nos portões e muros e telhados de suas brancas habitações e nas cidades de nomes estrangeiros, onde se escuta mais alto os ecos desse passado com imenso sotaque mouro e se vislumbra mais claramente a presença árabe.
Para se mergulhar na paisagem moura de Portugal, mais do que passear pela literatura ou provar a pastelaria ou se encantar com a tecelagem de tapetes lusitanos islamizados, há que se estar no Algarve diante dos milhões de chaminés que adornam os lares do Sul...
Cones, cubos, prismas, cilindros, pirâmides, balões, finas colunas, altas estruturas, brancas, lisas, coloridas e rendilhadas, todas essas descrições se ajustam às chaminés algarvias. Se há uma coisa que caracteriza o sul ensolarado de Portugal, são as suas chaminés ornamentais que nos trazem à mente os minaretes e fazem com que as casas brancas e brilhantes cochilando à sombra perfumada de pomares, debaixo de preguiçosos telhados vermelhos de terracota, pareçam mesquitas em miniatura.

fotografia Moacir Pimentel
Mas atenção! A arquitetura tradicional da região algarvia tem uma forte influência árabe sim, no cal das habitações, nos painéis de azulejos das fachadas, nos telhados, nos terraços chamados de açoteias, que servem para secar as frutas tradicionais, para recolher água e, é claro, como um espaço relaxante onde as pessoas se sentam e apreciam a vista durante as quentes noites de verão. Mas as charmosas chaminés só começaram a aparecer no Algarve no século XVII, muito tempo depois dos mouros terem partido.
Não foram os mouros, ao contrário do que se pensa,que conceberam as mais belas chaminés de Portugal para suas habitações simples, lineares e abobadadas. A arquitetura árabe em Portugal nem sequer tinha chaminés.
Loulé, famosa por seu mercado e ciganos e muralhas do século XII, é talvez a cidade do Algarve cujas casas são mais enfeitadas por terraços atraentes e chaminés coloridas. Da mesma forma, nos centros históricos de Olhão e Tavira, ambas arquitetadas em estilo kasbah com ruas estreitas, as chaminés nos fazem acreditar estar em solo africano e não europeu.
É a mesma falsa sensação que se tem na Alfama, o velho bairro lisboeta que nos dá testemunho da convivência pacífica e da inovação promovida pela mistura das culturas árabe e ibérica.
Apesar de ter sido fundada pelos fenícios e mais tarde embelezada por romanos e visigodos, os árabes batizaram esta esquina de Lisboa como al-Hammah - fonte de água quente.
Supõe-se que na Alfama existissem os banhos públicos, que funcionavam não só como espaços de higiene, mas também de convívio. Os banhos islâmicos apresentavam uma estrutura semelhante à dos banhos romanos, com várias salas com piscinas de água fria, morna e quente.
Apesar de nada disso ter sobrevivido em meio ao labirinto das ruas estreitas da Alfama, uma aura muçulmana ainda perdura...
Mas onde exatamente?
Não se sabe. Talvez nos becos e escadarias estreitas, nos tapetes dependurados nas janelas, no cheiro de maresia e de jasmim ou das trepadeiras em flor nos vasos dos pátios, quem sabe na falta de espaço?
O fato é que a ambiência da Alfama e seus habitantes parecem ter mais em comum com o Marrocos, por exemplo, do que com uma capital europeia.

Portugal tem mais belas mourarias que merecem leitura, mas elas ficam para outra conversa.

10 comentários:

  1. Mônica Silva27/01/2017, 09:40

    Se meus professores de História ensinassem assim eu teria tirado melhores notas kkk Você não se cansa de escrever maravilhas.
    Eu conheci Sintra, Moacir, visitei os castelos. A foto dos azulejos azuis é de lá? Nunca tinha pensado nisso na herança que os árabes deixaram. Os dois vídeos são maravilhosos, as fotos também. Amei o ditado 'há mouro na praia' e a piada sobre a poesia. Obrigada

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    1. Moacir Pimentel28/01/2017, 10:51

      Mônica,
      Não , o painel de azulejos não mora nos palácios de Sintra mas no terraço manuelino de outro, o do Buçaco ,
      bem pertinho da Mealhada onde se vai para comer aquele Leitão à Bairrada regado por um bruto de um espumante rosso.
      Quanto à minha 'piada' sobre a poesia do Mestre Ibn'Ammar na realidade ela é muito triste. É duro constatar como se pensava mais larga e saudavelmente na virada do primeiro para o segundo milênio do que se pensa hoje, no nosso raivoso terceiro.
      Obrigado pelas leituras e comentário
      Abração

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  2. Flávia de Barros27/01/2017, 11:02

    Moacir,

    Um artigo maravilhoso rico em história e cultura. Nem sei de qual filme gostei mais entre El Cid e Ben-Hur. O Charlton Heston era apaixonante nos dois. Creio que o ditado que diz que a moeda tem duas faces e a meiga cantiga de ninar Dorme querido resumem a sua mensagem de hoje. As mães de todos povos cantam do mesmo jeito para todos os filhos de todos os Livros. Parabéns por nos lembrar.


    Um carinhoso abraço e tenha um bom final de semana.

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    1. Moacir Pimentel28/01/2017, 10:54

      Prezada Flávia,
      O seu comentário me deixou muito feliz, obrigado. Para você um final de semana melhor ainda e outro abraço

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  3. Alexandre Sampaio27/01/2017, 20:00

    Muito bom ler uma matéria tão bem escrita como esta e parabéns pela escolha de seus temas.

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  4. Adorei, Moacir.
    Foi uma viagem no tempo escrita no recuo desse tempo.
    O assunto me interessou muito porque acho que o meu avô tinha pinceladas de sangue árabe. Pena que, muitas vezes, a gente tarde demais desperta para as coisas.
    A música é linda mas me lembrou também um pouquinho de fado, outras canções portuguesas e um pouco de músicas ouvidas em Israel. Estou errada?
    Gratíssima. Verdadeira alegria do saber!
    Até mais

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    1. Moacir Pimentel28/01/2017, 11:03

      Está certíssima Donana.E não só quanto ao sangue do seu avô. Mais de 500 anos depois que os últimos muçulmanos foram expulsos da Península seus antepassados ​​estão prosperando. Um estudo, publicado no American Journal of Human Genetics, baseado no tal do cromossomo Y que permanece inalterado de pai para filho, demonstrou que as proporções de ascendência sefardita e mourisca nas populações de Portugal e Espanha são provavelmente as mesmas quando da Reconquista e que elas são altas. Há evidências de que "19,8% dos espanhóis e portugueses de hoje eram originalmente judeus sefarditas e que outros 10,6 % têm uma composição genética que sugere descendência muçulmana".
      Assim o polêmico treinador de futebol português José Mourinho ou o nosso querido José Saramago, ou ganhador do Oscar Pedro ALmodóvar, podem ter ancestrais muçulmanos. Só de olhar para a Penélope Cruz - nossinhora! - a gente dispensa o teste de DNA.
      O certo é que a minha saudosa sogra , alva como a neve, era mouríssima pelo menos na boca do seu rosto visigótico e - juro-te! - eu vislumbro um brilho beduíno nas pupilas escuras da nossa caçula. Quanto ao fado, que tal esperarmos pelo segundo capítulo da "franquia" moura? (rsrs)
      "Até mais"

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  5. Francisco Bendl28/01/2017, 09:26

    Mais um texto brilhante, Pimentel, que enriquece os arquivos que tenho a respeito das tuas postagens neste blog extraordinário, do nosso querido amigo Wilson.

    Um abraço.
    Saúde e Paz!

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  6. Moacir Pimentel28/01/2017, 11:07

    Alexandre Sampaio e caro Chicão,
    Agradeço-lhes pelas generosas palavras de incentivo torcendo para que continuem lendo o blog
    Abraço geral

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  7. 1)Ótima aula de História, obrigado Moacir !

    2)No Algarve contemplei as cegonhas que faziam ninhos no alto das chaminés, das lareiras... poesia pura !

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