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Moacir Pimentel
O Taj Mahal está localizado na margem direita do rio Yamuna num vasto
jardim, que abrange cerca de dezessete hectares. Sua construção foi iniciada em
1632 e concluída em 1648. A mesquita e a casa de hóspedes laterais, a principal
porta de entrada na parede sul, o pátio externo e seus claustros foram
adicionados posteriormente e concluídos em 1653. Como sabemos disso? A
existência de várias inscrições históricas perfaz um roteiro árabe nos mármores
e define a cronologia da construção do Taj Mahal.
O complexo Taj Mahal é delimitado em três lados por paredes de arenito
vermelho com ameias; o lado virado para o rio é livre de muros. Fora dos muros
foram construídos vários mausoléus adicionais, incluindo os das outras esposas
de Shah Jahan, e uma tumba maior para o servo favorito de Mumtaz Mahal.
A construção é considerada a maior conquista da arquitetura no estilo
indo-islâmico. A sua reconhecida beleza arquitetônica tem uma combinação
rítmica de sólidos e vazios, côncavos e convexos e sombra e luz, tais como
arcos e abóbadas, que aumenta ainda mais o aspecto estético. A combinação das
cores das passarelas avermelhadas do jardim de um verde luxuriante e o céu azul
sobre ele acentuam a pureza do monumento em constante mutação de matizes e
humores.
O jardim, com quase
trezentos metros de lado, é subdividido em quatro canteiros quadrados por dois
caminhos principais que se cruzam e cada um deles por sua vez é dividido em
quatro canteiros menores por mais passarelas. São noventa mil metros quadrados
de verdor, onde a meio caminho entre o túmulo e porta de entrada, bem no centro
do jardim, mora uma piscina de mármore com a função de servir como um espelho
d'água, perfeitamente posicionada para refletir a imagem do mausoléu.
Tal lençol d'água é chamado de "Tanque da Abundância", numa
referência às promessas de Maomé. O jardim possui árvores e fontes e se
desenrola num design inspirado por jardins persas, que foram introduzidos na
Índia por Babur, o primeiro dos imperadores mongóis. Tal desenho paisagístico
simboliza os quatro rios do conceito de jardim paradisíaco persa, narrado como
um "jardim murado". Nos textos islâmicos místicos do período mongol,
o Paraíso era descrito como um jardim ideal de abundância pelo qual quatro rios
fluíam a partir de uma montanha central, separando o jardim em norte, oeste, sul
e leste.
O jardim do Taj Mahal é incomum apenas porque o seu elemento principal, o
túmulo, situa-se no final dele em vez de no seu centro. Ora, isso contrariava
todas as noções básicas de arquitetura da época, que ordenavam a centralização
do principal ator do espetáculo estético. No entanto o mausoléu fora erguido no
extremo norte, distando um quilômetro quase do portão de entrada no sul. Essa
inovação verdadeiramente notável realizada pelos jardineiros e arquitetos de
Shah Jahan, essa ideia de gênio de colocar o túmulo em uma das extremidades do
jardim em vez de no centro exato do mesmo, acrescentara uma rica profundidade e
perspectiva à vista distante do túmulo elevado na plataforma quadrada.
O paradoxo começou a ser explicado, porém, com a descoberta mais recente,
das ruínas do Mahtab Bagh - o Jardim do Luar - do outro lado do rio Yamuna,
idealizado como um local ideal para o imperador contemplar o Taj Mahal à noite,
já que as ruínas da sua piscina mostraram que ela havia sido projetada como
mais um perfeito espelho d'água para o túmulo de Mumtaz em noites de luar, em
mais uma demonstração da compulsão por simetria que caracterizava Shan Jahan:
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Desde então, as interpretações tanto arqueológica quanto arquitetônica
passaram a ser que o próprio rio Yamuna, em si, fora incorporado à concepção e
ao design do jardim, para ser visto como um dos rios do Paraíso, num paisagismo
que continuaria a ser construído para além do complexo hoje conhecido, de forma
tal que, no futuro, nele o Taj voltasse a ser o centro. Assim, os especialistas
passaram a acreditar que o complexo não fora planejado para acabar na praia
fluvial da margem oeste do Yamuna, mas para se prolongar, abraçando o rio e -
quem sabe? - se prolongando para além do Jardim do Luar.
De qualquer forma a disposição do jardim e suas características
arquitetônicas, como suas fontes de mármore e suas passarelas mais elevadas que
os canteiros de linhas geométricas são semelhantes aos Shalimar em Lagore e
isso sugere que o mesmo engenheiro, Ali Mardan, pode ter concebido o jardim do
Taj.
Os primeiros registros do jardim descrevem sua profusão de vegetação,
incluindo rosas abundantes, narcisos e árvores frutíferas, mas, à medida que o
império mongol diminuiu, os canteiros do Taj Mahal também se apequenaram. Até o
final do século XIX, o Império Britânico controlava mais de três quintos da
Índia e ao assumir a gestão do Taj Mahal os britânicos mudaram a paisagem,
tornando-a mais familiar e do seu agrado, mais parecida com os gramados formais
de Londres.
Há três entradas para o Taj, respectivamente nos seus lados oeste, leste
e sul. Um detalhe impressionante no complexo é justamente o portão que fica
majestosamente no centro da parede sul do pátio. O principal portão de entrada
é uma estrutura monumental de três andares, construída principalmente com
arenito vermelho, mas exibindo mármore nas arcadas que espelham a forma dos
arcos do túmulo. A construção é dotada de uma câmara central octogonal, com um
teto abobado e de salas menores de cada lado.
Acima do portal central, há uma série de onze chattris - pequenos coretos
hindus com o formato de guarda -chuvas - finalizados por cúpulas de mármore. No
portão se lê na caligrafia deslumbrante do calígrafo mongol Abdul Haq e em
jaspe negro:
"Ó Alma, tu estás em
repouso. Voltaste para o Senhor em paz com Ele, e O encontraste em paz contigo".
Uma característica notável dessa porta é a rotulação, pois nelas as
imagens parecem ser do mesmo tamanho de cima abaixo. Essa ilusão de ótica foi
obtida através da intensificação das cores e tamanhos das letras na proporção
em que a distância do olho aumenta. O portão, dizem, era originalmente
revestido com prata- substituída hoje por cobre - e é decorada com um milhar de
pregos cujas cabeças são moedas de prata.
Ultrapassada esta porta... UAU!... uma visão estonteante...
imagem aliveholidays.com |
O Taj Mahal é um conjunto arquitetônico planejado em harmonia absoluta,
com ênfase na simetria bilateral ao longo de um eixo central sobre o qual as
principais características são colocadas. A mesquita e a casa de hóspedes, que
parecem servir de sentinelas laterais do prédio principal, são espelhos do
mausoléu e um do outro, mas foram construídas em arenito vermelho em contraste
com o túmulo de mármore branco no centro. Ambos os edifícios têm uma grande
plataforma que dá para o terraço à sua frente. Tanto a mesquita quanto a casa
de hóspedes possuem outras estruturas idênticas menores ladeando-as e arcos
folheados em mármore branco cheios de arabescos florais de marchetaria de
pedra.
Enquanto a construção à direita é claramente uma mesquita, pensa-se que a
outra possa ter sido construída apenas para dar equilíbrio arquitetônico ao
conjunto. Digno de nota é desenho geométrico do chão da mesquita onde estão
definidos por intrincados contornos, quinhentos e sessenta e nove tapetes de
oração em mármore preto.
Quatro minaretes que se elevam quase livres nos cantos da plataforma e
acrescentam uma dimensão até então desconhecida para a arquitetura mongol:
servem não só como uma espécie de referência espacial para o monumento, mas
conferem a ele um efeito tridimensional. Os minaretes de quarenta metros de
altura exibem, mais uma vez, o pendor do designer para simetria. Eles foram
concebidos como o elemento tradicional das mesquitas, usado pelo muezzin para
chamar os fiéis para a oração islâmica, porém foram erguidos um pouco fora da
plataforma de modo que, no caso de um colapso, uma ocorrência frequente com as construções
altas do período, as torres não danificassem o túmulo. Cada minarete é
efetivamente dividido em três partes iguais por duas lindas varandas. As torres
são encimadas por chattris hindus da gema, com pequenos pavilhões, varandas,
colunas e cúpulas sussurrando uma concepção hinduísta sobre o túmulo e
dando-lhe um sotaque indiano. Todos os chattris do complexo partilham os mesmos
elementos decorativos de um desenho de lótus encimado por um remate dourado.
O plano térreo do Taj Mahal está em perfeito equilíbrio com a composição.
A câmara interna é um octógono com uma configuração que nos permite a entrar no
salão por cada uma de suas faces, embora apenas a porta virada para o jardim,
ao sul seja usada. As paredes interiores têm vinte e cinco metros de altura e
oito retângulos emolduram as aberturas em arco, coroadas por mais retângulos e
arcos a meio caminho, e depois no topo onde os arcos superiores formam varandas
e janelas. Tudo simétrico, exato, perfeito.
Dessa câmara octogonal que abriga os túmulos de Mumtaz Mahal e Shah Jahan
parecem brotar as demais salas e portais, o piso superior, os cantos
chanfrados, enfim todo o resto. Um requintado biombo octogonal rodeia ambos os
sepulcros como uma renda de mármore altamente polida e ricamente decorada definindo
as fronteiras dos sepulcros. As suas bordas são incrustadas com pedras
preciosas representando flores executadas com perfeição maravilhosa. Os tons e
as sombras das pedras usadas para fazer as folhas e as flores fazem-nas parecer
quase reais.
imagem worldalldetails.com |
O túmulo de Mumtaz Mahal está no exato centro desse salão, colocado sobre
uma plataforma retangular decorada com mais motivos florais e inscrições
caligráficas. O sepulcro de Shah Jahan é maior do que o da esposa e parece
deslocado à sua esquerda, o único elemento assimétrico visível em todo o
complexo. Em torno do sepulcro da imperatriz, inclusive, os mármores do piso
desenham um tapete cujos limites são invadidos pela tumba de Shan Jahan. Os
sepulcros não abrigam os restos mortais dos imperadores, sepultados na parte
inferior do salão, pois a tradição muçulmana proíbe a decoração elaborada das
sepulturas. Assim, os corpos de Mumtaz Mahal e Shah Jahan tiveram que ser
colocados em uma cripta relativamente comum embaixo da câmara interna com os
rostos virados para à direita, em direção a Meca.
Talvez a característica mais espetacular do Taj seja a cúpula de mármore
sobre os túmulos. Ela tem trinta e cinco metros de altura e aquela forma usual
nas construções árabes que é muitas vezes chamada de "cúpula de
cebola". O seu interior é decorado por um esguio desenho da flor de lótus
que parece acentuar-lhe a altura. No exterior sua beleza é enfatizada por
outras quatro cúpulas, colocadas nos cantos, que replicam o formato da cúpula
principal. Todas são cobertas por remates dourados que misturam elementos
decorativos persas e hindus. Um exemplo disso é o motivo da lua islâmica, cujos
cornos apontam para o céu, mas que foi transformada em algo parecido com o
tridente de Shiva, para finalizar a cúpula central.
A câmara interior do Taj Mahal, muito além dos elementos decorativos
tradicionais, foi executada para ter uma acústica perfeita e o espaço octogonal
e seu teto abobadado foi projetado para ecoar os cânticos do Alcorão e música.
O trabalho de marchetaria ali não é “pietra dura”, mas uma lapidação de pedras
preciosas e semipreciosas.
Todas as superfícies de todos os edifícios do Taj Mahal são embutidas com
centenas de milhares de pedras semipreciosas formando videiras entrelaçadas com
frutas e flores, caligrafias, arabescos etc. Todos os espaços são altamente
decorados com baixo e alto relevos, lapidações intrincadas, esculturas
esplêndidas, mosaicos, que refletem, em detalhes e em miniatura, os elementos
de design do todo.
Já me perguntaram se o Taj Mahal não seria "enfeitado" demais.
Se todos aqueles desenhos, relevos, arabescos, bordados, escamas, esculturas,
marchetaria e outros babados, não seriam excesso de "informação", ou
traduzindo livremente, se o Taj, ao fim e ao cabo, não seria cafona.
De forma alguma! Quando a gente contempla o Taj, o olhar desliza sem
sobressaltos de um ambiente para o outro. Os olhos vão devagar descobrindo
maravilhas, seguem tranquilamente por toda volta, sobem e descem encantados,
atraídos pela maestria com a qual foram distribuídas e também repetidas as
cores, linhas, curvas – formas enfim – e objetos. Há no conjunto um equilíbrio
de materiais, texturas, tons, iluminação que se relacionam e nunca brigam entre
si, nos dando uma sensação de profunda harmonia, de um ritmo presente nas
formas circulares que se repetem em diversos recantos. Há uma percepção de
continuidade, de economia, de caráter, de impecável combinação nas cores
contrastantes e análogas, de complementação nas técnicas e matérias diversas
que se enriquecem, da mais absoluta proporcionalidade, de simetria em todos os
ambientes que magicamente se transformam em algo sem competições, funcional,
íntegro, pleno, equilibrado, num todo perfeito emoldurando o elemento
principal: Mumtaz Mahal.
O Taj é uma fusão perfeita de muitas tradições arquitetônicas diferentes.
É evidente nele o conceito hindu adaptado dos shastras vaastu - literalmente
"a ciência da arquitetura" - de usar apenas duas cores: branco e
vermelho. Depois, há o trabalho europeu de " pietra dura" que supera
em sua engenhosa elaboração o italiano original. Finalmente, os elementos
islâmicos são ululantemente óbvios como se Shah Jahan estivesse bradando que os
mongóis eram os novos brâmanes e kshatriyas da Índia.
A estrutura do Taj foi elaborada com muito cuidado e arquitetos de todo o
mundo foram chamados para esta finalidade. Ao arquiteto persa, Ustad Isa, é creditado
um papel fundamental na concepção arquitetônica do complexo. No entanto sabemos
que um outro arquiteto persa, chamado apenas de Puru de Benarus, também é
mencionado,em textos de língua persa como arquiteto supervisor. Sabemos que a
cúpula principal foi projetada por Ismail Khan, considerado o melhor designer
de hemisférios e construtor de cúpulas daquela época. Qazim Khan, um nativo de
Lahore, cuidou dos remates de ouro maciço que coroavam as cúpulas do mestre
turco. Chiranjilal, um lapidador de Delhi, foi escolhido como o principal
escultor e também foi responsável pelos mosaicos. Amanat Khan foi o chefe
calígrafo que deixou sua assinatura na porta principal do Taj Mahal, e Muhammad
Hanif foi o supervisor dos pedreiros.
A equipe criativa incluía ainda escultores de Bukhara, calígrafos da
Síria, especialistas em encrustação de pedras do sul da Índia, jardineiros do
Baluchistan, um especialista em torres e um artista que esculpia apenas flores
de mármore - trinta e sete homens ao todo formaram o núcleo criativo.
Comentaristas e historiadores europeus, especialmente durante o período
inicial do Raj britânico, sugeriram que alguns ou todos os trabalhos do Taj
Mahal haviam sido realizados por artesãos europeus. Essas sugestões foram
puramente especulativas, como por exemplo a declaração feita em 1640, por um
frade espanhol, no sentido de que Geronimo Veroneo, um aventureiro italiano na
corte de Shah Jahan, fora o principal responsável pelo design. Não há nenhuma
evidência acadêmica digna de confiança na história do Taj Mahal que possa
corroborar tal despropósito. E.B. Havell, o grande estudioso britânico da arte
indiana, rejeitou veementemente esta teoria como uma invenção espúria.
Trabalharam na construção do Taj Mahal mais de vinte mil pedreiros,
escultores, pintores, escultores, ourives, lapidadores e artistas durante mais
de vinte anos. Dezenas de quilômetros de estrada foram construídos para o tráfego
de materiais, nas costas largas de mil elefantes. Nota-se uma meticulosa
atenção aos detalhes que inclui, é claro, por todos os lados as sofisticadas
incrustações de pedras semipreciosas na forma de flores, folhas e arabescos e
versos do Alcorão na mais bela das caligrafias.
As paredes e portas e arcos e túmulos do Taj são bordados com esses
desenhos florais feitos com milhares de pedras coloridas nos mármores brancos.
Tal técnica, denominada "pietra dura", na Europa e "parchin
kari" no sul da Ásia, é uma técnica de incrustação que utiliza pedras
preciosas ou semipreciosas, todas muito polidas e cortadas em formatos
específicos e encaixadas uma a uma, tão cuidadosamente e de forma tão precisa,
que o contato entre elas e a superfície torna-se praticamente invisível. É como
se elas tivessem estado sempre ali, como se o mármore tivesse sido pintado, A
técnica foi utilizada pela primeira vez em Roma, amadureceu em Florença e desde
a construção do Taj tornou-se um artesanato, o mais famoso da cidade de Agra e
de uma elegância insuperável.
No Taj, por exemplo, foram usados trinta e cinco diferentes tipos de
pedras preciosas em uma única flor entre eles: turquesa, jade, ágata, coral,
lápis-lazúli, ônix, rubi, cornalina, jaspe, granada, malaquita e muitas mais. O
mármore branco translúcido foi trazido de Makrana, no Rajastão, o jaspe de
Punjab, o jade e o cristal da China. A turquesa do Tibete e o lápis-lazúli do
Afeganistão, enquanto que as safiras vieram de Sri Lanka e a cornalina da
Arábia.
As formas abstratas foram utilizadas o tempo todo, especialmente no
pedestal da construção principal, nos minaretes, no portão de entrada, na
mesquita, na casa de hóspedes sua gêmea e, em menor medida, nas superfícies da
tumba. As cúpulas e abóbadas dos edifícios de arenito são trabalhadas com
rendilhados pintados e incisões ecoando as escamas do peixe, para criar formas
geométricas complexas. Incrustações de pedra definem o espaço entre muitos
elementos adjacentes, brancas nos edifícios de arenito vermelho, e pretas nos
mármores brancos, criando um complexo conjunto de padrões geométricos. Nos
pisos e calçadas foram também usados materiais e cores contrastantes formando
verdadeiros mosaicos.
No século XVII os governantes de Bharatpur invadiram Agra e saquearam o
Taj Mahal, privando-o de dois candelabros, um de ágata e outro de prata, que
adornavam o sepulcro principal, juntamente com um painel de ouro e prata que
também decorava o mesmo espaço. Durante a rebelião indiana de 1857 o Taj Mahal
foi desfigurado por soldados britânicos e funcionários do governo, que roubaram
pedras preciosas encravadas em suas paredes. No final do século XIX o vice-rei
britânico Lord Curzon ordenou uma restauração concluída em 1908. Em 1942
andaimes foram erguidos para disfarçar o edifício em antecipação de ataques
aéreos da Força Aérea japonesa e durante as guerras entre a Índia e o
Paquistão, de 1965 e 1971, o governo indiano tomou idênticas medidas para
enganar os pilotos dos bombardeiros.
Uma das descobertas mais interessantes feitas por arqueólogos mais
recentes é que os planos originais do complexo incluíam um caravançarai -
quatro quadrados ao ar livre cercados por arcadas de lojas - onde os viajantes
podiam armar suas tendas e desengatar os seus animais. Que eu tenha
conhecimento o Taj é o único monumento em qualquer parte do mundo que oferecia
esta facilidade para os visitantes, no século XVII. O brilhante plano era, é
claro, utilizar as receitas das lojas para financiar a manutenção do monumento.
A pequena cidade ao sul do Taj, conhecida como Taj Ganji ou Mumtazabad,
foi originalmente esse caravançarai, um bazar, com a função de entreposto comercial,
um local seguro para os comerciantes que para ali traziam os materiais
necessários à construção do complexo. Em seguida, quando os trabalhos foram
concluídos, há cerca de trezentos e cinquenta anos, os antigos construtores do
Taj Mahal passaram a residir no local, onde até hoje os seus descendentes estão
envolvidos no artesanato de mármore com incrustações de pedras semipreciosas,
que é vendido nos mercados locais e exportado para todo o mundo.
Ao entrevistar os velhos artesãos de Tajganj, arqueólogos descobriram que
uma lenda antiga que fala de um Taj Mahal negro está viva no meio deles há
centenas de anos, sendo transmitida oralmente de geração em geração. Segundo
ela, "a construção do Taj Mahal negro começou, mas parou depois que
Aurangzeb tomou o trono". Na língua local, o mármore preto é grafado como
"Sang-e-Musa" e era essa pedra que seria usada no segundo mausoléu.
"Shah Jahan queria construir mais um túmulo em pedra negra do outro
lado do rio para si mesmo em linha reta com o Taj Mahal e ligar os dois com uma
ponte". É exatamente esse o mito popular. As ruínas de mármore escuro
encontradas no Jardim do Luar apoiaram esta lenda e, bem assim, parece
confirmar a tradição oral a posição assimétrica do sepulcro de Shah Jehan, em
comparação com a de Mumtaz Mahal, que ocupa o centro exato da sala. Afinal,
Shan Jahan amava a simetria quase tanto quanto amara Mumtaz e não iria
descuidar-se dela no seu sono eterno:
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A teoria do mausoléu escuro ficou ainda mais credível quando, em 2006,
arqueólogos escavaram e reconstruíram parte da piscina de um Jardim do Luar. Um
reflexo escuro do mausoléu branco pôde ser visto claramente sobre o tanque,
condizente com a obsessão simétrica de Shah Jahan. Sucede que as pedras
escavadas não eram mármores negros e sim, brancos muito escurecidos pelo tempo.
E a arqueologia voltou à estaca zero.
Além do exposto, se olharmos para trás, há uma fonte histórica para a
lenda: as notas escritas por um viajante contemporâneo. Quase trinta anos
depois da construção do Taj Mahal, em 1679, o livro As Seis Viagens de Jean
Baptiste Tavernier foi publicado na França. O livro fora escrito por um
viajante francês que vivera e fizera comércio na corte dos grandes mongóis.
Tavernier visitara a Índia seis vezes, entre 1641 e 1665 e sobre o Taj Mahal
Negro, ele escrevera:
"Shah Jahan começou a
construir seu próprio túmulo do outro lado do rio, mas a sua guerra com os
filhos interrompeu seu plano, e Aurangzeb, que reina no momento, não está
disposto a completá-lo."
De acordo com a descrição do Tavernier, o local da tumba de Shah Jahan
era exatamente o Jardim do Luar em Tajganj. Não há prova histórica do Taj Mahal
Negro, mas quem já esteve naquela cripta tem fortes razões para acreditar pelo
menos que o túmulo de Shah Jahan não foi planejado para estar onde se encontra.
O argumento que mais me convence nesta polêmica sem fim é a assimetria marcante
do túmulo do imperador no Taj Mahal, a única anomalia na arquitetura mais que
perfeita, em conformidade total com as regras empíricas definidas por
Christopher Alexander, conhecidas como as "quinze propriedades" os
elementos mais importantes de qualquer arquitetura perfeita. Mas, repito, não
há nenhuma prova concreta de que as lendas populares, ou a escrita de Tavernier
sejam verdadeiras - nem de que não sejam.
De resto gosto de imaginar como os dois Taj Mahals seriam belos juntos,
um branco o outro negro, em ambas as margens daquele rio.
Da mesma forma, inexistem ainda evidências que comprovem as descrições,
muitas vezes em detalhes horríveis, das mortes, desmembramentos e mutilações
que Shah Jahan supostamente infligira a vários arquitetos e artesãos associados
com a construção do túmulo para que não mais fossem capazes de tamanho talento
noutro projeto similar, e nem para os boatos de que Lord William Bentinck,
governador-geral da Índia em 1830, supostamente planejara a demolição do Taj
Mahal para leiloar o mármore.
Taj Mahal foi designado como Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1983 por
ser "uma joia da arte muçulmana na Índia e uma das obras-primas
universais". E ele é mesmo uma obra-prima arquitetônica total: na
concepção, no tratamento e na execução. A integridade é mantida intacta no
túmulo, na mesquita, na casa de hóspedes, portão principal e em todo o complexo
Taj Mahal.
É claro que o conhecimento e a habilidade de seus arquitetos e
engenheiros civis para lidar com os problemas de se criar uma estrutura que
ainda parece eterna com um mínimo de manutenção após séculos continua a
inspirar arquitetos e engenheiros civis até hoje. No entanto, muito mais do que
pela excelência das suas arquitetura e arte o Taj Mahal indiano é famoso como
um monumento ao amor.
As verdadeiras intenções de Shah Jahan, fazer uma obra-prima para o
espanto de toda a humanidade e criar um monumento incomparável em beleza e
grandeza para a mulher amada garantindo a ela um merecido lugar na história
senão a imortalidade, foram superlativamente alcançadas.
O Taj Mahal é uma das maravilhas do mundo porque é esmagadoramente
bonito. É inspirador de se ver à distância. É maravilhoso de se ver de perto,
de noite ao luar, de dia mudando de tonalidade sob os raios do sol, é uma
poesia esculpida em pedra por Shah Janah para a sua Mumtaz.
Rabindranath Tagore, o indiano vencedor do prêmio Nobel de Literatura de
1913, em seu poema “Shah Jahan”, escreveu:
"Deixa que todo o brilho
das esmeraldas,
pérolas, rubis, diamantes,
desapareça como um arco-íris
que se esvai.
Mas que uma só pérola,
solitária lágrima,
permaneça
brilhando
no rosto do tempo:
este alvo, esplêndido Taj
Mahal."
Moacir,
ResponderExcluirMesmo sendo apenas uma lenda a possibilidade da construção do Taj Mahal Negro, nos faz sonhar com tamanho feito. É realmente lastimável que Shah Jahan tenha sido impedido pelo filho.
Se o Taj Mahal já é esplendoroso, imagine ele espelhado, do outro lado.
E é incrível sua observação quanto aos túmulos, podemos aplicar fielmente o ditado popular ao caso "rei morto, rei posto" ao caso, é por se dizer uma última ofensa ao pai que era obcecado por simetria deixá-lo descansar sim ao lado da amada, mas invadindo seu espaço.
Vamos viajar!
Moacir, desculpa a ausência de comentários, mas não sinto vontade de comentar sobre o que desconheço tanto.
ResponderExcluirMeu sobrinho, que tinha um compromisso sério em Dubai, foi recompensado com um voo dos Emirates, no lugar do voo em que ele iria viajar. Aproveitou a viagem e conheceu o Taj Mahal.
Acho que o Taj Mahal foi feito pra esquecer e não para lembrar. Demorou tanto a ficar pronto que, enquanto isso, a saudade era depositada aos poucos nos mármores e nos detalhes.
Pode ser?
Ofelia
Eu não sei , Ofélia, se existe resposta para a sua instigante pergunta. Mas o homem de Neandertal já homenageava e enterrava seus mortos e, desde então, a nossa espécie tem desenvolvido mecanismos estranhos para lidar com a Velha Senhora.
ExcluirApesar de riquíssimos em perdas, saudade a gente não sabe, só sente, e nunca aprende. Sabemos , por exemplo , que orfandade não tem idade, não é mesmo? Certa vez alguém me falou que mesmo a dor mais profunda um dia torna-se rotina. Esperemos.
Mas deve ser duro engolir que, de repente, uma pessoa possa desaparecer para sempre , e não uma pessoa qualquer, mas no caso , a mais importante, a que nos acompanha e nos completa. Deve ser complicado começar de novo perplexo e se sentindo amputado.
Quando você for naquela sua livraria predileta, peça um café e dê uma olhada em um livro do Boris Fausto - O Brilho do Bronze - um diário que ele escreveu por três anos após a morte da mulher com quem fora casado por quase sessenta.
Ele não tenta ensinar ninguém a superar nada - é inteligente demais para tal idiotia! - mas na leitura do pequeno Taj Mahal dele, a gente entende o quanto é humana essa coisa de querer "deixar brilhantes as letras de bronze dos túmulos", olhar para trás, tentar nos comunicar com ou falar dos que já se foram , acariciar-lhes as memórias.
Talvez seja porque esquecê-los seria como se morressem de novo. Diz a lenda - não me recordo em que paragens - que um homem só morre, verdadeiramente, no dia em que o seu nome não for mais pronunciado sobre a Terra. Quem sabe se não estamos todos, o tempo todo, ao polir os bronzes ou mármores, tentando enganar a galera divina, tentando imobilizar quem partiu na estrada definitiva, à nossa espera, até que também nós dobremos a última esquina?
Obrigado pelo comentário
Abraço
Moacir,
ResponderExcluirQue belo artigo. O Taj Mahal negro foi uma completa surpresa para mim. Lendo as informações que você comunica tão bem sinto que esta maravilha não pertence apenas a Índia. A lágrima do escritor indiano corre pelo rosto da humanidade. Encantada deixo-lhe o meu abraço.
Olá Moacir. Encantada com sua narrativa. Essa construção onde a arquitetura foi minuciosamente escolhida em todos seus materiais , revelando em sua forma concreta o sentimento maior, que é o amor. Vejo-me caminhando nas passarelas avermelhadas do jardim, fotografando com a retina dos meus olhos as árvores frutíferas, as rosas e narcisos, as fontes e o esplendido céu azul, o movimento das cores que conforme a hora do dia, nos mostra matizes diferentes. As incrustações em ouro e pedras preciosas, o mármore branco escolhido para constratar com a pureza da mulher amada. Felizmente tenho o dom de transportar e vivenciar sentimentos, pois acho que não verei essa maravilha de perto- se acontecer, quem sabe ? - juro-te virei com huuuu tas fotos e um en atamento maior. Como não podia deixar de ser , você termina com um poema de Tagore - que no ensino primário, foi-me apresentado - muito bonito. Agora aos deveres de casa, pois nesses seus textos há sempre o que aprender mais, e essa é a beleza da troca entre nós. Obrigada mais uma vez. Abraços, Dulce
ResponderExcluir1) Breve passaremos a mais de 30 mil visitas, isso prova que o blog é bom. Parabéns ao Mano e demais !
ResponderExcluir2)Bela descrição do Moacir sobre o Taj Mahal.
3) Fotos maravilhosas ilustram a matéria.
Mônica, como a última foto do post deixa claro, a perfeita simetria do Taj só é quebrada pelo túmulo de Shan Jahan que invade sim o espaço da Mumtaz. Com certeza, o "Rei do Mundo" não planejou dormir esse sono eterno assimétrico, literalmente espremido entre a cripta da mulher amada - no centro exato do salão e dessa espécie de tapete formado pelos desenhos do piso - e o biombo.
ExcluirFlávia, os versos do poeta Tagore foram traduzidos magistralmente pelo nosso editor , o Mano, e, também por sugestão dele, estão aí enriquecendo e finalizando o post com essa lágrima que é sim da humanidade.
Dulce, que Deus a conserve assim : tão sabida e , por isso mesmo, uma "eterna aprendiz" como naquela canção do Gonzaguinha, lembra?
"Eu sei/Que a vida devia ser/Bem melhor e será/Mas isso não impede/Que eu repita/É bonita/ é bonita/
E é bonita!"
Antônio, seu vizinho no gargarejo fico por aqui , torcendo por nossas " Conversas" sempre tão bem ilustradas pela redação.
Obrigado pelos comentários e abraços