Francisco Bendl
Era de manhã. Não estava quente. Talvez fosse o mês de
setembro ou outubro não me lembro bem. Mas o clima era agradável e dava a
entender que se esforçava também em transformar o trânsito à mesma condição,
impossível.
Eu estava sentado no banco olhando o movimento da rua
sem maior interesse. Meus pensamentos que sempre andam de um lado para outro
foram interrompidos bruscamente pelo tocar do telefone do Ponto. Eu estava na
frente, portanto, eu deveria atender o chamado.
Fui buscar uma senhora. A corrida era para o bairro
Moinhos de Vento. Durante o trajeto notei a sua tristeza, seu ar melancólico.
Conversa vai e vem e ela me dissera que freqüentava o consultório de uma
psicóloga porque havia perdido o filho que morrera de câncer, aos 28 anos, e
não conseguia superar esta perda há quase um ano.
Um problema delicado para nós, taxistas, quando nos
defrontamos com situações onde não encontramos palavras para dizer ao
passageiro do nosso sentimento.
Arrependi-me de tê-la motivado a falar. Sou pai de
três filhos e tentar imaginar o seu sofrimento me deixava angustiado.
Ao chegar no endereço que me designara senti um
alívio, ao mesmo tempo que uma ponta de insatisfação comigo mesmo me assolava
em razão da ausência de palavras consoladoras que eu não tivera para ela.
Ela se despediu de mim com a voz embargada, quase
sussurrando, que me deixou extremamente constrangido.
Segui em frente.
Duas ou três quadras adiante, uma senhora ergue o
braço chamando o táxi. Ela usava uma bengala para se apoiar, estava bem
vestida, sóbria no trajar, nada que brilhasse ou chamasse a atenção.
Pediu-me paciência pela lentidão ao entrar no carro,
forneceu-me o endereço de seu destino e iniciamos a conversar, abordando o
tempo como uma espécie de quebra-gelo: frio, calor, chuva, vento, nublado, sol,
nuvens...
Lá pelas tantas ela me diz que estava indo para sua
casa cansada e sem esperanças porque a tristeza estava impedindo que ela visse
sentido à sua vida. O psiquiatra que ela consultava regularmente não estava
conseguindo lhe resgatar a vontade de viver, ou, pelo menos, o ânimo.
Perguntei-lhe a razão desta decepção e do auxílio do
médico. Respondeu-me que era para tentar evitar ir à loucura porque tivera dois
filhos mortos em um ano: o primeiro morto por doença e o segundo através de
acidente de carro!
Pipocas, de novo. Mais um passageiro para me trazer
intranqüilidade e preocupação com meus filhos neste sentido, o acidental.
Por que ela pegou o meu carro?
Por que eu?
A corrida não demorou muito, mas ela chorou. E no seu
desabafo, as lágrimas a lhe molhar o lenço que apertava entre os dedos dando a
impressão de querer esmagar aquele momento de angústia, fiz um balanço rápido
do quanto eu estava em falta com meus filhos em razão do largo tempo que se
passava e que eu não lhes dizia do meu amor para com eles e suas importâncias
em minha vida.
Assim que eu pudesse iria ter com eles, mas seria
ainda hoje.
A triste senhora desceu do carro vagarosamente,
servindo-se da bengala. Imaginei que igualmente deve ser lento e intenso o seu
pesar, assim como o sofrimento da senhora que eu conduzira antes.
Tive pena de ambas.
O que eu poderia fazer a não ser ouvi-las?
Não encontrei passageiro pelo caminho de volta ao
Ponto. Não havia colega na fila, estava vazio. Eu era o primeiro, ótimo.
Em seguida entra no táxi um senhor que aparentava 45,
50 anos. Bem apessoado, elegante. Não era alto porque se sentou
confortavelmente no banco de trás do Siena e não encostou a cabeça no teto.
Pediu-me que o levasse à zona sul.
Um trajeto que gosto de fazer porque não tem um
trânsito pesado a partir de certa hora e há sempre a possibilidade de um
retorno com passageiro.
No caminho, passando em frente ao museu do Iberê
Camargo, na curva do estaleiro, ele me fala que naquele local havia morrido seu
filho, um rapaz ainda, de acidente de carro. Sua esposa, talvez levada pela dor
insuportável da ausência do filho de forma trágica, falece em seguida, de
aneurisma cerebral! Confessa estar se sentindo torturado pela solidão e
encontrando muita dificuldade para viver.
Precisei me controlar, manter o domínio sobre o carro
e não me manifestar emocionado.
Deixei-o no local que indicara e corri para casa.
Eu não conseguia entender.
Abracei forte a minha mulher e lhe contei este
episódio em
sequência. Ficamos pensativos, mas a minha cabeça rodava. Eu
ansiava por encontrar respostas para esses fatos que me trouxeram para dentro
do carro três pessoas com o mesmo sofrimento indescritível que é a perda de um
filho – ainda mais dois! – e, no caso deste senhor, a esposa também.
Obviamente que eu não iria descobrir nada que me
fizesse aceitar o ocorrido como natural, ao contrário, indagações fervilhavam a
minha mente:
Por quê?
Oi Bendl, postei por duas vezes meu comentário. Vou tentar esta terceira vez.
ResponderExcluirQuando eu era menina, minha mãe comprava as tais revistas femininas. E foi em uma delas que li, pela primeira vez, o poema "Um dia...", do J. G. de Araújo Jorge, figurinha carimbada na época.
Está na internet, dá uma olhada. Acho que todos nós temos a mesma inquietação de que nos fala João Guilherme.
Sinto admiração por pessoas como Ziraldo. Se antes o nosso cartunista maior dizia nunca ter desapontado a parceira na hora agá, após a morte de sua mulher, Vilma (que também morreu dormindo, como meu pai), descobriu-se sem medo de nada, como ele próprio declarou.
Penso que, como na afirmação primeira eu só conheci o Ziraldo, que nunca precisou dizer 'isto nunca me aconteceu antes', também só conheço o Ziraldo quando diz ter medo zero.
É uma bênção, uma felicidade. Ou duas bênçãos, duas felicidades.
Juscelino dizia que "Deus poupou-me do sentimento do medo". Mas a frase de efeito não foi ele que escreveu, apenas repetiu.
Se bem que não parecia mesmo temer por qualquer coisa. Mas eu, simples mortal, assim como você, Bendl, tememos por nós, pela família, especialmente pelos filhos. Ainda mais quando coincidências como as que você relatou acontecem conosco.
O bicho humano é um ser muito desconfiado. Sabe-se lá?
Lembrei agora do marido da médica, o que perdeu a vida na ciclovia mal construída, mal planejada à beira da Niemeyer. Ela saía da cama antes dele muitas vezes pra ir trabalhar. E o ouvia dizer: "Nunca saia sem falar comigo". O que ela sempre fez, se despedia.
Talvez o segredo seja este: abraçar, beijar, demonstrar o querer bem e depois dar tchau, bye bye, até mais pra não ter medo muito grande de dizer adeus. Porque o medo, infelizmente, Ziraldos à parte, sempre existirá.
Abraço, Bendl
Saúde e Paz
Ofelia
Ofélia,
ExcluirMuito obrigado pelo comentário e sábias palavras, ao escreveres:
"tememos por nós, pela família, especialmente pelos filhos."
Trata-se de uma preocupação constante, que jamais termina, mesmo agora, com eles adultos, mas tem os netos, pequenos, precisando de cuidados extremos.
E a vida, sabemos nós, Ofélia, é dada a surpresas, alguma poderosamente dolorosas, então temos de ficar atentos.
Um forte abraço.
Saúde e Paz
(Ah, transmite ao teu esposo, pois acredito que tenhas filhos, pelo menos imagino, o meu abraço pelo Dia dos Pais).
Olá, Francisco. Acredito no acaso. Você foi escolhido nesse dia para cruzar o caminho dessas pessoas tão sofridas. Mesmo vc achando que não ajudou-as com palavras de conforto, o fez ouvindo-as e partilhando o que as deixava tristes. E não é para menos, perder um filho é com certeza a pior dor do mundo. Precisamos ser forte na nossa FÉ, para nos mantermos de pé, nessas horas. Uma coragem imensa de prosseguir a viver,
ResponderExcluircom dignidade. Viver todo o momento como se fosse o último, estar próximo daqueles que amamos, deixar as mágoas e ressentimentos de lado e aceitar as pessoas como elas são. Dói em mim, dói em você e todos aqueles que têm sentimentos puros. Ame sempre e muito seus filhos e sua esposa. A família é o nosso alicerce. Abraços, Dulce " Porque nesse dia você foi escolhido ser o Anjo do Senhor "
Prezada Dulce,
ExcluirGrato pelo comentário.
Vocês, mulheres, têm uma sensibilidade infinitamente maior que a nossa, dos homens, então percebem a necessidade que temos de amar, que é muito maior que ser amado!
Por favor, Dulce, transmite ao teu esposo o meu abraço pelo Dia dos Pais.
Um forte abraço.
Saúde e Paz!