Wilson Baptista Junior
O post “As Nossas Estrelas” do Moacir me fez lembrar de coisas desde a
minha infância.
Menino de grupo, minha aspiração era viajar no espaço. Alimentada pela
Columbíada de Júlio Verne, ou pelo Volundro, o foguete lunar de um livro alemão
de ficção científica que li da biblioteca do meu grupo escolar (naquele tempo a
biblioteca do grupo, hoje Escola Municipal Pandiá Calógeras, tinha muitos
livros que eram para gente grande, provavelmente doações de pais). O Volundro
(ou Wieland) tirava seu nome do ferreiro mágico da mitologia nórdica, que
forjou a espada do guerreiro Beowulf – até hoje procuro esse livro pelos sebos
e livrarias mundo afora, mas como não me lembro nem do seu nome nem do do seu
autor vai ser muito difícil que o encontre...
O homem sempre quis atingir as estrelas, desde que, como conta o Moacir,
viu pela primeira vez uma cair do céu. Ou desde que sentiu no coração a imensa
falta de saber que estavam além do seu alcance.
A morte de Ícaro, que voou perto demais do sol e foi precipitado no mar
quando o calor derreteu a cera que segurava as penas de suas asas, já falava desse
sonho irreprimível.
Dezessete séculos depois, Cyrano de Bergerac (o verdadeiro, não o
personagem de Rostand), escritor, espadachim e panfletário escreveu, para
criticar as instituições e os valores de sua época, um livro que se chamou
originalmente Le Autre Monde ou Les États et Empires de la Lune, e que hoje é
conhecida abreviadamente como Voyage Dans La Lune.
Cyrano foi o primeiro dos escritores modernos a usar a ficção científica
como instrumento para, imaginando um mundo fora do nosso planeta ou do nosso
tempo, poder discutir criticamente a nossa realidade, como se a olhasse de fora
disfarçada de uma realidade distante. O seu livro, publicado postumamente, é
interessantíssimo e sozinho já mereceria um longo estudo, mas só falo dele aqui
para dizer que Cyrano imaginou ser transportado para a lua amarrando em seu
corpo uma porção de garrafas cheias do orvalho da manhã, que o calor do sol, assim
como evapora o orvalho, faria subir aos céus também o nosso autor.
Mais ou menos na mesma época, o bispo Francis Goodwin publicou na
Inglaterra The Man in the Moone, onde um anão espanhol voa até a lua
transportado por gansos.
Em 1865 Júlio Verne publicou a primeira versão, digamos, moderna da
tentativa do homem vencer o espaço, chamada Da Terra à Lua, na qual um trio de
exploradores viaja para a lua a bordo de uma bala disparada de um canhão
gigantesco, a Columbíada, cujo cano tinha sido fundido dentro de um poço
escavado na península americana da Flórida. Esta história é notável por algumas
coincidências – Verne escolheu como local de partida um local próximo do Cabo
Canaveral, de onde partiria, cento e quatro anos depois, o foguete Saturno que
levaria a cápsula Apolo até a lua, e as dimensões da bala de canhão se
aproximam das da Apolo. Este livro inspirou o filme de 1902 de Georges Meliès,
Le Voyage dans la Lune, considerado o primeiro filme de science fiction e um
dos introdutores dos efeitos especiais no cinema.
Em 1901 H. G. Wells publicou Os Primeiros Homens na Lua, onde um
cientista inglês chamado Cavor vai à lua numa nave construída no fundo do
quintal e revestida de um produto chamado Cavorite, que segundo ele isolaria a
força da gravidade.
De lá para cá uma infinidade de contos, novelas e filmes falou desse
sonho. Em 1950 um filme americano, Destination Moon (Destino à Lua) mostrou um
foguete atômico fazendo a primeira viagem à lua (bons tempos, em que se
acreditava que a energia atômica seria tão fácil de dominar). Esse foi o
primeiro filme que me lembro de ter visto num cinema, quando passou aqui um ou
dois anos depois, assisti junto com meu pai num cinema lindo, antigo teatro, parte
da história da cidade e que não existe mais, vítima da especulação imobiliária
(para quem conhece minha Belo Horizonte, era o Cine Metrópole).
E o sonho ganhou as histórias em quadrinhos, os desenhos maravilhosos de
Alex Raymond para o Flash Gordon, as aventuras do Buck Rogers, os primeiros
seriados do cinema e depois da televisão.
Enquanto isso tudo era contado como sonho, um punhado de cientistas,
Tsiolkovski na Rússia, Oberth na Alemanha, Goddard nos Estados Unidos, trabalhavam
para transformar estes sonhos em realidade. Com a Segunda Guerra Mundial estes
esforços ganharam importância, e depois dela uma verdadeira corrida espacial se
instalou entre os Estados Unidos e a Rússia.
Até que, em 1957, a Rússia colocou o Sputnik em órbita, foi um frisson
no mundo inteiro, as pessoas olhavam para o céu para ver se viam sua passagem. Logo
depois a cadelinha Laika, que comoveu o mundo que esperava acabar o seu
oxigênio enquanto ela passava sobre nossas cabeças, em 1961 Iuri Gagarin foi o
primeiro humano a ir ao espaço, e por fim, em 1969, Neil Armstrong e Buzz
Aldrin pisaram na Lua pela primeira vez.
Pelo caminho ficaram mortos, russos e americanos, Vladimir Komarov em
1967, quando depois de um vôo cheio de problemas e falhas de equipamento o
paraquedas de frenagem de sua cápsula Soyuz não abriu e ela se espatifou no
solo, Virgil Grissom, Edward White, e Roger Chaffee também em 1967, quando uma
faísca no sistema elétrico incendiou a atmosfera de oxigênio puro da cápsula
Apollo I que estava sendo testada em terra.
E outros depois da chegada à lua, três astronautas russos que foram
encontrados mortos em 1971 em sua cápsula Soyuz depois de uma aterrissagem
perfeita voltando da Estação Espacial, por um defeito no sistema de pressurização
da cápsula, as tripulações americanas da Challenger, em 1986, explodida na
decolagem, e da Columbia, em 2003, desintegrada na volta à atmosfera.
Lembranças duras de que os sonhos custam tanto mais quanto mais altos
são.
Agora, depois de muitos anos quase parada, a busca pelas estrelas
continua. Espaçonaves robôs têm chegado até os confins do sistema solar, e mais
além. Talvez, quem sabe, ainda cheguemos a assistir à chegada dos primeiros
homens em Marte.
O impacto espetacular de um cometa contra o planeta Júpiter, em 1994,
mostrou ao mundo de maneira muito vívida o risco que corre a civilização humana
enquanto estiver confinada apenas à nossa pequena Terra. Uma trombada dessas
destruiria a vida na Terra e não deixaria ninguém para se lembrar de que
existimos um dia, como disse Carl Sagan, nesse “pálido pontinho azul perdido no
espaço”.
A colonização de outros planetas é então uma questão de sobrevivência da
espécie. E hoje vários países do mundo estão trabalhando nisso. Mas o nosso
sonho é maior do que esse. A raça humana só estará mais ou menos segura quando
chegar a pelo menos mais uma estrela. Porque as estrelas também podem morrer. E
o nosso Sol também.
Só que chegar às estrelas é um pouco mais difícil do que chegar aos
nossos planetas vizinhos. Aliás, de acordo com a ciência de hoje, é quase impossível.
Desde que Einstein nos disse que não podemos andar mais depressa do que
a luz, percebemos o quanto as estrelas estão longe de nós. Viajando à
velocidade da luz, a estrela mais próxima está a mais de quatro anos de viagem.
As outras, muito mais longe.
Fala-se em usar uma versão espacial dos antigos navios a vela, onde
canhões de laser apontados da Terra incidiriam sobre as velas das espaçonaves,
acelerando-as cada vez mais um pouco até atingir velocidades altíssimas. Isso é
possível com a tecnologia de hoje.
Mas ainda que conseguíssemos a quantidade de energia para acelerar uma
nave até, digamos, metade da velocidade da luz, gastaríamos pelo menos a mesma
quantidade de energia e o mesmo tempo para freá-la na hora de chegar. Só que lá
não teríamos os canhões...
Há quem diga que a solução para esse êxodo seriam as naves-colônias, espaçonaves
gigantescas onde tripulações em hibernação profunda levariam futuros
colonizadores sob a forma de embriões congelados, viajando dezenas, centenas de
anos até seu destino.
Só que, ainda supondo que conseguíssemos construir naves capazes de
funcionar sozinhas por todo esse tempo, de reanimar as tripulações ao fim da
viagem, nada nos garante que chegando lá encontraremos um lugar para ficar.
Nos filmes e nas histórias a solução para a viagem mais rápida do que a
luz já foi encontrada. Viaja-se pelas “dobras do espaço”, caminhos teoricamente
possíveis onde a curvatura do espaço se dobra sobre si mesma, como se fossem
atalhos entre as distâncias infinitas do universo. Os amigos do meu amigo Spock
estão acostumados a ouvir o Capitão Kirk ordenar ao imediato entrar em “warp
speed” – velocidade de dobra – as estrelas no visor parecem se esticar e pronto
– logo se chega à estrela distante – “where
no man has gone before”.
Por incrível que pareça, há gente pesquisando exatamente isso. E começam
a aparecer algumas pequenas, muito pequenas, evidências de que isso pode ser
possível. No nível subatômico, alguns cientistas já acham que conseguiram
acelerar partículas acima da velocidade da luz criando um “campo de dobra” móvel
à frente da partícula.
Problema resolvido? Por enquanto não, porque os cálculos desses mesmos
cientistas indicam que uma nave que fizesse isso carregaria consigo uma
quantidade de energia tal que a sua chegada a um planeta destruiria o sistema
estelar desse planeta. Para não falar dela própria. E não é bem isso o que
queremos...
Então podemos desistir?
A coisa boa da humanidade é que ela não desiste nunca... E o nosso
destino, por bem ou por mal, será sempre
“To dream
the impossible dream
.......
To reach
for the unreachable star…”
Graças a Deus, nunca deixaremos de sonhar o sonho impossível nem de tentar
alcançar a estrela inalcançável.
Tanta coisa que era impossível já foi feita...
Wilson,
ResponderExcluirQue post! Imenso e irretocável. Você disse tudo. E faz muito bem perceber que não estamos sozinhos na crença de que a humanidade não chegou ao ápice de sua capacidade de gerar ideias e soluções. Que bom saber compartilhada essa certeza de que a humanidade não é estática nem já está exaurida da capacidade de inovar e criar. Pensar diferente é desconhecer a história humana. Afinal ficamos de pé, saímos das cavernas ,encaramos o infinito e dominamos o vasto mundo e inventamos as linguagens, a sociedade , a filosofia, a matemática , a lógica , a lei e a ciência , e voamos e SIM ainda voaremos mais longe. Pois quando as nossas invenções deixam de servir-nos a contento, em seguida, filhos da nossa espécie estelar, tentamos aprimorá-las, perseguindo o aprendizado e arquitetando novos destinos. E formando novas gerações de modestos quixotinhos que um dia salvarão o mundo e chegarão às estrelas e encontrão a sua própria natureza e farão a festa por nós. Beleza!
Moacir, responder o que? Seu comentário resumiu e completou meu post. Ainda bem que sabemos que estão vindo, e que virão, os futuros quixotinhos...
Excluir1) Belo texto. Me fez lembrar o fascínio adolescente que eu tinha pelo Firmamento como um todo: estrelas, sóis, galáxias, nebulosas.
ResponderExcluir2)Morava eu no citado Gama, DF. Uma cidadezinha pequena, era fácil contemplarmos a imensidão da Via Láctea, tinham poucas casas e poucas luzes na região.
3)E um dos sonhos era me tornar um turista interestelar...
4)Continuo sonhando, ainda que esse turismo seja em futuras e inexplicáveis (por enquanto) dimensões.
5)Valeu !
Antonio, nunca pare de sonhar...
ExcluirNem nas dimensões futuras nem nas presentes, são as presentes que nos levarão às outras.
Oi Mano, você hoje competiu com as eleições. E se está em Belô a coisa foi séria, destronaram o PSDB.
ResponderExcluirEstava me lembrando de quando fui ver Guerra nas Estrelas. Não era este o filme que dizia 'a força esteja com você'?
Torci feito criança no filme. E como adulta me encantam as palestras do Marcelo Gleiser sobre a 'Particula de Deus', entre outros assuntos.
Acho que você, como a turma do seriado The Big Bang Theory, também curte esse outro espaço. E cá pra nós, existe coisa mais bonita do que céu estrelado em noite escura, onde não existe luz de espécie alguma?
Se deitar de barriga pro céu então...
Minha amiga Ana Maria gostava muito de Impossible Dream. Que a Bethânia cantava em português. "Voar no limite improvável/Tocar o inacessível chão".
Não lembro do resto da letra.
Tudo que vem das estrelas me atrai. O céu é mais bonito à noite, reparou? Se o céu é de brigadeiro, claro.
Abraço, Mano
Ofelia
Oi Ofélia,
ExcluirEu também sou encantado pelas estrelas. Nas cidades a gente já não consegue vê-las bem por causa das luzes, mas me lembro das noites no alto do Pico da Bandeira, nos meus tempos de estudante, com o céu limpo do inverno, eram turbilhões de estrelas, a Via Láctea parecia um tapete de luz... No alto das montanhas ou nas noites frias dos desertos as estrelas parecem estar mais perto de nós, é o ar que é mais transparente.
Aí a gente entende quando o Bilac dizia -
"Ora, direis, ouvir estrelas, certo
perdeste o senso, e eu vos direi no entanto
que para ouvi-las muita vez desperto
E abro a janela, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E ao vir do sol, saudoso e em pranto,
ainda as procuro pelo céu deserto..."
Olá, Wilson. Um pouco atrasada mas, ainda a tempo para deixar meu comentário sobre esse delicioso texto. Li ontem rapidamente pois estava com a casa cheia e só havia comentários dos de " Marte ", aí pensei nós de " Vênus " somos menos aventureiras e mais românticas e também sentimentais em relação as estrelas e a lua. Aí, hoje, me deparo com as pretinhas da Ofelia que confirma meu pensamento e o lindo poema de Bilac postado por você. Me lembra minha mãe declamando -o de cor, com uma postação de voz lindíssima . Uma noite estrelada, um luar e um violão... Ah ! Saudades dos saraus ! Abraços
ResponderExcluirCaramba! só podia ser você, sem pretensões professorais, uma aula sobre "science fiction" desde o inicio do século XX, qdo babávamos vendo falar das expedições lunares. E toca na nossa infância com Flash Gordon. Grande abraço.
ResponderExcluirPaulo, é muito bom te ver por aqui.
ResponderExcluirSempre gostei de science fiction, desde menino.
Principalmente porque os bons autores usam o truque de colocar suas histórias em mundos futuros ou outros mundos para poderem falar mais livremente sobre a nossa realidade aqui de baixo. E claro, fora isso, as deliciosas histórias de aventuras...
Um abraço do
Mano